Descrição de chapéu

Investigação sobre joias de Bolsonaro pode acelerar transição em seu campo político

Seguidores fiéis mantêm blindagem, mas aliados e outros eleitores começam a ver impressão digital do ex-presidente no produto de um crime

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Brasília

No dia 4 de março, Jair Bolsonaro (PL) disse nos EUA que estava sendo "crucificado no Brasil" por causa do recém-revelado escândalo das joias sauditas. "Nunca pratiquei ilegalidade. Veja o meu cartão corporativo pessoal. Nunca saquei, nem paguei nenhum centavo nesse cartão", afirmou o ex-presidente.

A tentativa de mudar de assunto revelava o receio de Bolsonaro naquele momento. A suspeita de desviar presentes oficiais poderia corroer a blindagem de que ele desfrutava entre eleitores que aderiram à retórica anticorrupção de 2018, deram de ombros para casos como a "rachadinha" e mantiveram esse vínculo contra Lula (PT) em 2022.

O ex-presidente escolheu jogar para essa plateia nas semanas seguintes. Fez pouco caso das acusações que pesavam contra ele, insinuou que era alvo de perseguição e tentou encerrar o caso à força. Ao embarcar de volta para o Brasil, no dia 29, ele sentenciou que aquilo era "assunto resolvido". "Nada foi escondido, ninguém vendeu nada", declarou.

A Polícia Federal desvendou o que ocorria por trás dos panos enquanto Bolsonaro alegava inocência para preservar apoio. Naquele dia 4, o coronel Mauro Cid reagia com alívio ("Ufa") ao recuperar um kit de joias que havia tentado leiloar. No dia 29, o advogado Frederick Wassef pousava no Brasil com um relógio que havia sido vendido e recomprado nos EUA.

A operação da última sexta-feira (11) talvez seja o teste mais duro aplicado até aqui à surrada relação de confiança entre Bolsonaro e seu eleitorado. Primeiro porque esse grupo ficou sabendo que ele enganou os seguidores quando o assunto veio à tona, mas também porque a investigação mostrou o que há de mais próximo a uma impressão digital do ex-presidente no produto de um crime.

O inquérito sobre o esquema de negociação de presentes oficiais desenha o contorno nítido de algumas delas. Segundo a investigação, parte das joias que seriam vendidas voaram para os EUA no avião presidencial. Além disso, o principal assessor de Bolsonaro indicava que o dinheiro arrecadado em pelo menos uma das transações seria entregue em espécie ao ex-presidente.

Esses detalhes já poderiam ser suficientes para tornar insuportavelmente desconfortável a defesa feita pelos eleitores de Bolsonaro, mas a reação mais vocal após a revelação do caso veio justamente de segmentos mais fiéis. Esses grupos se escudam no valor das peças (que consideram baixo em comparação com grandes esquemas de corrupção) e argumentam que o ex-presidente desfez os negócios quando percebeu que seria descoberto.

A proteção oferecida por esse círculo devoto é uma marca do bolsonarismo, que exibiu resistência em momentos críticos de sua Presidência. Mesmo a conexão de eleitores menos apaixonados se refez após o baque de popularidade da pandemia e dos problemas econômicos do ano da eleição.

O principal termômetro dos efeitos do escândalo das joias deve ser observado nesse segundo grupo. A ligação dos eleitores com Bolsonaro atravessou períodos de crise, mas se recompôs graças à percepção de que ele era uma figura política singular e ao fato de que não havia outros nomes competitivos para tomar seu lugar.

O ex-presidente enfrenta riscos nesses dois quesitos, uma vez que as investigações sobre o desvio das joias forçam o eleitor a comparar o discurso de Bolsonaro a sua conduta, num momento em que ele mesmo, inelegível, já não é uma alternativa para o próximo ciclo eleitoral.

A resistência demonstrada por Bolsonaro nos últimos anos atropelou todas as previsões sobre a implosão de sua popularidade. O avanço do inquérito, no entanto, pode acelerar uma transição inevitável em seu campo político.

Um dos ajustes dependerá da resposta do eleitorado ao avanço das investigações. Se os policiais encontrarem provas de que o ex-presidente embolsou o dinheiro dos presentes vendidos, a arma da retórica anticorrupção vai engasgar e danificar uma fantasia que Bolsonaro nutriu por décadas para enfrentar o que descrevia como a velha política.

Dizer que os valores não se comparam aos desvios na Petrobras seria uma desculpa esfarrapada para um político que exagerava nos autoelogios e reivindicava uma medalha de probidade por ter desligado o aquecimento da piscina do Palácio da Alvorada para economizar dinheiro público. Muitos apoiadores tenderiam a se cansar dessa conversa.

Sinais da fadiga já são evidentes nas cúpulas de grupos políticos que deram suporte ao ciclo bolsonarista. Envolvidos no caso, os militares mantiveram distância regulamentar da operação. Nenhum partido do centrão tentou rebater de forma enfática as suspeitas contra o ex-presidente.

Bolsonaro dificilmente será abandonado porque a direita ainda depende dele como cabo eleitoral, mas os sentimentos predominantes por ali agora são o medo de uma contaminação cruzada e a ansiedade por uma passagem de bastão.

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