Nota de advogados 'cria' Bolsonaro democrata e ignora histórico golpista

Defesa afirma que irá à Justiça contra qualquer manifestação caluniosa contra o ex-presidente, mas sem citar delação de Cid

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São Paulo

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse nesta quinta-feira (21) que ele não compactuou com medidas sem respaldo na lei tampouco tomou atitudes neste sentido. Para isso, usou um bordão repetido por ele durante todo o mandato, de que atuou "dentro das quatro linhas da Constituição".

Ao contrário do que diz a nota, Bolsonaro teve uma série gestos golpistas ao longo de seu mandato (2019-2022), como ataques e ameaças a outro Poderes, elogios aos abusos da ditadura militar (1964-1985) e falas nas quais colocava em dúvida o cumprimento de ordens judiciais e a realização das eleições.

A nota é assinada pelos advogados Paulo Cunha Bueno, Daniel Tesser e Fábio Wajngarten.

A seguir, a íntegra da nota (em negrito) e o contexto do que foi de fato o governo Bolsonaro:

O presidente Jair Bolsonaro discursa aos gritos contra o STF no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro discursa aos gritos contra o STF no Palácio do Planalto - Gabriela Biló-7.jun.22/Folhapress

"A defesa do Presidente Jair Bolsonaro, diante das notícias veiculadas pela mídia na data de hoje sobre o suposto conteúdo de uma colaboração premiada, esclarece que:

1. Durante todo o seu governo jamais compactuou com qualquer movimento ou projeto que não tivesse respaldo em lei, ou seja, sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição Federal;"

Saudosista da ditadura, Bolsonaro reiterou ao longo de anos sua tendência autoritária e seu desapreço pelo regime democrático. Ele já negou a existência de ditadura no Brasil e se disse favorável a "um regime de exceção", afirmando que "através do voto você não vai mudar nada nesse país".

Em uma entrevista em 1999 quando ainda era deputado, o político disse expressamente que, se fosse presidente, fecharia o Congresso. "Não há menor dúvida, daria golpe no mesmo dia! Não funciona! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa, ia bater palma, porque não funciona", afirmou.

Já na Presidência, em 2021, ele deu a entender que não poderia fazer tudo o que gostaria por causa dos pilares democráticos: "Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil".

Antes disso, ao longo de 2020, Bolsonaro participou de manifestações que defendiam golpe militar —o ex-presidente é um entusiasta da ditadura militar e de seus torturadores.

No 7 de Setembro de 2021, em discursos diante de milhares de apoiadores em Brasília e em São Paulo, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF (Supremo Tribunal Federal), exortou desobediência a decisões da Justiça e disse que só sairá morto da Presidência da República.

Já no 7 de Setembro de 2022, diante de milhares de apoiadores na Esplanada dos Ministérios, discursou em tom de ameaça contra outros Poderes, com citação crítica ao STF e elogios à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Em dezembro de 2022, pouco mais de três horas após a diplomação de Lula (PT), Bolsonaro cumprimentou manifestantes que gritavam frases de teor golpista, fez uma oração e abraçou crianças em frente ao Palácio da Alvorada.

"2. Jamais tomou qualquer atitude que afrontasse os limites e garantias estabelecidas pela Constituição e, via de efeito, o Estado Democrático de Direito."

No governo, Bolsonaro deixou mostras de desacordo com a Constituição, embora usasse com frequência a ideia de que atuava "dentro das quatro linhas" do texto.

Sempre que outros Poderes, especialmente o Judiciário, agiam para assegurar o respeito à Carta Magna e contrariavam interesses do ex-presidente, ele afirmava que as instituições atuavam fora dos limites constitucionais.

Uma série de medidas tomadas ao longo do mandato de Bolsonaro enfraqueceu a democracia brasileira, desde a fragilização de organismos de participação da sociedade em decisões sobre políticas públicas até ações que desvirtuaram órgãos de diferentes áreas, com sufocamento orçamentário e perseguições a servidores.

Houve ainda emparedamento da imprensa, retrocessos em transparência e nomeação de aliados para chefiarem a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal.

Bolsonaro mantinha desde a campanha de 2018 um discurso em que, sem nenhuma prova, colocava dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro. Em várias ocasiões ele deu a entender que não aceitaria outro resultado que não fosse a sua vitória em outubro.

Em junho passado, Bolsonaro foi declarado inelegível por 8 anos pelo TSE após mentiras e ataques ao sistema eleitoral. O ex-presidente, que tem 68 anos, só estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos, ficando afastado portanto de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).

"3. Reitera que adotará as medidas judiciais cabíveis contra toda e qualquer manifestação caluniosa, que porventura extrapolem o conteúdo de uma colaboração que corre em segredo de Justiça, e que a defesa sequer ainda teve acesso."

Os advogados afirmaram ainda que vão adotar medidas judiciais contra eventuais calúnias em delação premiada, sem citar diretamente o ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid.

Reportagens do UOL e do jornal O Globo divulgadas nesta quinta mostram que o militar disse, em delação à Polícia Federal que, logo após a disputa do segundo turno do ano passado, o então presidente recebeu de um assessor uma minuta de decreto para convocar novas eleições, que incluía a prisão de adversários.

A nota divulgada pela defesa de Bolsonaro não faz referência ao encontro em si, mas nega que ele tenha tomado ações golpistas.

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