Boulos busca ampliar espaço no PSOL, e debate sobre aliança com Lula causa incômodo

Criação de corrente partidária do líder do MTST e relação com o petista esquentaram clima na legenda

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São Paulo

Uma movimentação do ex-presidenciável Guilherme Boulos para ganhar espaço no PSOL aqueceu os debates internos sobre os rumos do partido em 2022, no momento em que o ex-presidente Lula (PT) volta à cena eleitoral e prega união da esquerda contra Jair Bolsonaro (sem partido).

No dia 7, véspera da decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin que devolveu a Lula o direito de concorrer, Boulos fez o lançamento da Revolução Solidária, sua própria corrente partidária dentro do PSOL, em esforço para se consolidar na sigla, onde está desde 2018.

A nova tendência reúne filiados que têm ligação com movimentos sociais, sobretudo o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), grupo em que o ativista e professor milita há 20 anos.

O ex-presidenciável e ex-candidato a prefeito de São Paulo (que perdeu no segundo turno em 2020 para o tucano Bruno Covas) rechaça a interpretação de que o objetivo seja popularizar a imagem da legenda, suavizando pechas como a de "partido universitário" ou "da zona sul do Rio de Janeiro".

"Existe um certo estigma em relação ao PSOL que não é verdadeiro", diz ele à Folha. "O partido tem vínculo com as lutas negra, feminista, LGBT, indígena. O desafio, que é o de toda a esquerda, é a retomada do trabalho de base. E o movimento [Revolução Solidária] vem para fortalecer esse enraizamento."

A iniciativa, que amplia a influência dele na burocracia partidária, foi vista por parte dos correligionários como sinal de risco para o equilíbrio de forças internas, dada a projeção atual de Boulos. Com uma tendência para chamar de sua, ele tende a se consolidar como figura majoritária da agremiação.

Ao mesmo tempo, causou controvérsia nos bastidores a possibilidade de que o partido faça uma adesão automática à eventual candidatura de Lula ao Planalto. Um grupo de parlamentares e dirigentes que faz ressalvas a uma aliança com o PT teme que a ideia seja imposta e desemboque em conflitos.

O apelo é para que as instâncias partidárias e os filiados sejam consultados, em debate transparente, democrático e detalhado, antes de qualquer tomada de decisão, conforme prevê o estatuto.

"O PSOL é um partido que tem diversidade, tanto de posições quanto de perfis, e considero isso um mérito", afirma Boulos. "O objetivo desse espaço político que está sendo criado não é promover disputa interna. É um movimento com uma dimensão para fora, de espelhar um partido com cara ampla."

As falas sobre o encaminhamento do PSOL estão todas no plano da especulação, já que nem o líder de moradia nem o presidente nacional da legenda, Juliano Medeiros, pressionam por uma decisão rápida sobre candidatura ou encaram como certo um embarque no projeto petista.

O discurso de ambos, coincidente com o de Lula, é o de que partidos do chamado campo progressista precisam construir uma unidade na ação política prática, e não apenas em torno de questões eleitorais, algo que Boulos disse à Folha já no ano passado, logo após a derrota.

Apesar de não ser descartada nos bastidores, uma coligação com os petistas desagrada ao setor de fundadores do PSOL. A legenda foi criada em 2004 por dissidentes expulsos do PT.

A hipótese também é mal digerida entre aqueles que pregam que o partido se posicione mais à esquerda e tenha candidatura própria ao Planalto.

A sigla disputou todas as eleições nacionais desde sua fundação, com Heloísa Helena (2006), Plínio de Arruda Sampaio (2010), Luciana Genro (2014) e Boulos (2018).

"Na minha opinião, não há um apelo real para que desde o primeiro turno o PSOL abra mão de ter uma candidatura própria para apoiar a do Lula", diz a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Integrante da corrente MES (Movimento Esquerda Socialista), ela diverge do campo de Boulos no partido, mas o vê como presidenciável natural da legenda. "Nossa tarefa é apresentar um projeto de esquerda, inclusive na economia. E o PT, aparentemente, quer repetir suas escolhas táticas e eleitorais", critica.

Boulos e Lula têm uma relação próxima e estreitaram laços desde que o ex-mandatário se tornou alvo da Operação Lava Jato e foi preso. O psolista estava no palco ao lado do petista no pronunciamento dele no dia 10, após a anulação das condenações pelo STF, e foi afagado várias vezes no discurso.

Embora líderes na esquerda considerem difícil que Boulos se disponha a enfrentar o ex-presidente e amigo nas urnas, ele mesmo desconversa sobre a conjectura, sempre respondendo que uma necessária coalizão passa pela discussão de um programa antes da definição de nomes.

"O fator Boulos é preponderante para o partido, porque de fato ele é hoje a nossa principal figura", afirma Sâmia, lembrando o desempenho do colega na eleição paulistana. "Pelas relações que ele tem com o Lula, a posição individual do Boulos acaba tendo um peso muito grande na decisão."

"Se o partido porventura chega a uma conclusão e ele, individualmente, sustenta outra, fica muito difícil, né?", segue ela, sobre a chance de a sigla deliberar ter um nome próprio e Boulos desejar estar com Lula.

Assim como o ex-presidente, o dirigente do MTST repete que a prioridade da oposição a Bolsonaro deve ser o combate à pandemia de Covid-19 e a participação da esquerda em medidas concretas para garantir vacinas, atendimento médico e auxílio emergencial.

A diretriz do "deixa para depois" foi oficializada em documento após reunião do diretório nacional, no fim de semana passado. No encontro, ficou acordado que qualquer debate sobre o processo eleitoral está interditado até o congresso geral da legenda, previsto para setembro deste ano.

Parte dos integrantes acredita que o principal objetivo do PSOL deverá ser derrotar Bolsonaro em um eventual segundo turno, ainda que isso implique caminhar ao lado do PT.

"O Lula é uma liderança expressiva, foi presidente, tem peso na sociedade", diz Boulos. "É evidente que a presença dele no cenário eleitoral altera o xadrez, mas esse debate precisa ser feito junto com todos os setores do campo progressista. Este não é o momento para falar da campanha eleitoral de 2022."

Para Medeiros, que teve o mandato na presidência prorrogado até setembro, a criação da tendência Revolução Solidária é positiva porque significa "a adesão de um setor importante ao partido".

"É a consolidação do processo de incorporação de centenas, talvez milhares, de pessoas dos movimentos sociais, em particular do MTST, à construção do PSOL", celebra o dirigente.

Ele afirma ainda que o temor de que o PSOL "vire um partido de caciques", como expressa Sâmia, é "totalmente infundado", já que Boulos "tem toda a disposição" de participar dos debates internos.

"Ele não está entrando no partido exigindo qualquer tipo de prerrogativa especial, cargos ou funções. Não há qualquer risco nem que o Guilherme nem que qualquer um de nós se converta em caudilho partidário, porque o PSOL não compartilha dessa tradição nem é essa a expectativa do Guilherme no PSOL."

Lula e Guilherme Boulos durante visita a acampamento do MTST em São Bernardo do Campo, em 2017
Lula e Guilherme Boulos durante visita a acampamento do MTST em São Bernardo do Campo, em 2017 - Bruno Santos - 21.out.17/Folhapress
Erramos: o texto foi alterado

Heloísa Helena se candidatou à Presidência da República em 2006, não 2016, como afirmou versão anterior desta reportagem. O texto foi corrigido.

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