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Esquerda age contra multa bilionária de empresas na Lava Jato por ser mais sensível, diz advogado

Para Walfrido Warde, PSOL, PC do B e Solidariedade têm suas crenças sobre capitalismo, mas questionam leniências para defender empregos

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São Paulo

Representante dos partidos PSOL, PC do B e Solidariedade na ação que questiona os acordos de leniência firmados até 2020 por empresas envolvidas na Operação Lava Jato, o advogado Walfrido Warde diz que o pedido de revisão não foi feito para dar calote.

"Falam que isso é bolsa ladroagem. Quem diz um negócio desses está mentindo ou é ignorante. Em nenhum momento pedimos para não pagar. Ao contrário: queremos que pague, mas com regras iguais para todos", diz.

O advogado Walfrido Warde, do escritório que representa os partidos na ação sobre os acordos de leniência da Lava Jato - Marlene Bergamo - 29.mai.19/Folhapress

Warde argumenta que as companhias foram levadas a celebrar acordos de leniência em um ambiente de falta de regulação racional, com risco de morte dos negócios, sobretudo para empreiteiras impedidas de fechar contrato público. Segundo ele, seria, portanto, um contexto de coação, tratado como estado de coisas inconstitucional.

O conceito levantou críticas no meio jurídico porque costuma ser invocado em casos de violações de direitos de vulneráveis e chamou a atenção por ser apresentado por partidos de esquerda.

"Eles têm suas crenças sobre o capitalismo, mas todos eles sabem que, se as empresas perecerem, não haverá empregos nem arrecadação nem conteúdo nacional, portanto, o país perece. Como esses partidos trabalham com os setores mais carentes, talvez sejam mais sensíveis do que os partidos de direita", diz.

No último dia 26, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) André Mendonça deu 60 dias para a renegociação em uma audiência de conciliação na qual, segundo o jornal O Globo, algumas das próprias empresas negaram ter sido coagidas. Warde afirma que poucos advogados falaram isso.

O termo coação ficou polêmico. Na audiência, as empresas negaram ter sofrido coação?
Me permita voltar um pouco. Não há dúvida de que essas empresas estavam sob ameaça de morte empresarial. Tanto é que celebraram acordo com quem não podia celebrar. A maioria celebrou com o Ministério Público. Pela lei, quem celebra é a CGU (Controladoria Geral da União).

O Brasil perdeu um dos pilares da sua economia, que é o mercado de infraestrutura. Isso é o inverso do que prega qualquer doutrina que dá suporte à existência do acordo de leniência. O acordo, como foi previsto pelo legislador, não tem finalidade de quebrar empresa e sim de fazê-la superar os problemas, pagar e continuar a existir.

Até 2020, houve um estado de coisas inconstitucional. Em 2020, foi celebrado um ACT (Acordo de Cooperação Técnica) entre Supremo, Ministério da Justiça, AGU e CGU. Nele, se pontuaram critérios para fixar indenização, multa e regramento de acordos de leniência. [Em 2023], ajuizamos a ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] 1.051 pedindo só o seguinte: "Supremo, suspenda as obrigações pecuniárias, só pagamento de indenização e multa, desses acordos celebrados antes de 2020, e abra a revisão desses acordos, dessas obrigações pecuniárias, à luz do ACT". Nunca pedimos para dar calote.

O pedido é para recalcular?
Não. É para rever. E rever pode significar muitas coisas.

Inclusive não cobrar?
Inclusive cobrar mais, eventualmente. Vou dar um exemplo: reclassificação de anexos. A empresa contou que financiou campanha. Ela não vai mudar o fato que já está contado.

Mas não teve coação?
A coação não está necessariamente na declaração do fato. Está na assunção de uma obrigação que ela não podia pagar.

Por exemplo: você contou que deu dinheiro para pagar campanha de alguém. Mas essa pessoa não fez nenhum favor para você. Você só deu dinheiro, para agradar, porque fazia parte de uma cultura de financiamento de campanha, mas não teve ato de ofício, então, não tem corrupção. Não se pode apenar como se fosse corrupção algo que é caixa 2. Isso é reclassificação de anexos. Você não está mudando o fato. O fato está contado.

O pedido de revisão das obrigações pecuniárias é para coisas feitas antes de 2020: multa e indenização dobradas pela Lei Anticorrupção e a Lei de Improbidade. Não pode indenizar o Estado duas vezes pelo mesmo fato.

Falam que isso é bolsa ladroagem. Quem diz um negócio desses está mentindo ou é ignorante. Em nenhum momento pedimos para não pagar. Ao contrário: queremos que pague, mas com regras iguais para todos.

Ou a gente faz um combate à corrupção sério, ou o combate à corrupção vai se desfazer pelas suas próprias mazelas. É o que aconteceu com a Lava Jato. Essa ADPF é uma forma de salvar alguns resultados positivos da Lava Jato.

Você me perguntou se as empresas responderam ao ministro André que não havia coação.

Isso.
As empresas não falaram isso. Dois ou três advogados [falaram]. Mas vários outros disseram: "nós estávamos vivendo um estado excepcional". As empresas estavam vivendo pressão. Óbvio que ninguém teve a unha arrancada. Ninguém foi para o pau de arara.

Não teve tortura?
O Estado pode fazer pressão, mas tem de ter regra, como passou a ter depois de 2020 com o ACT, porque quem celebra o acordo de leniência está prostrado. Senão, o negociador do lado do Estado faz o que quiser. Tem de ter regra: como calcula indenização, multa, desconto para cooperação, como se classificam os fatos narrados.

Esse questionamento só ocorreu na esfera cível? Na criminal teve estado de coisas inconstitucional? Pessoa jurídica não é ré de ação penal. As pessoas físicas celebraram acordos de delação premiada. Tem uma ADPF, que não foi ajuizada por nós, que questiona os acordos de delação. Tem uma série de medidas no Supremo para anular delações. Não é um assunto do meu interesse. Meu interesse é a preservação do ambiente empresarial do Brasil de acordo com o interesse público.

Não sou criminalista. Sou advogado de direito empresarial. A ADPF da qual sou patrono, junto com outros advogados, é para rever os critérios de multa e indenização nos acordos de leniência antes de 2020. Só isso. Não tenho nada a ver com anulação de delação.

Se você me perguntar qual é a minha opinião como cidadão, eu lhe dou: não faz sentido acreditar em uma delação celebrada mediante paga [pagamento]. Como se pode acreditar, e prender gente, com base no que disse alguém que ganhou R$ 3 milhões para dizer.

Esses rapazes da Lava Jato fizeram lambança. E agora reclamam que nós estamos desmontando a Lava Jato. Não estamos desmontando. Estamos tentando criar um ambiente regulatório sólido para combater corrupção no Brasil. Nós somos os adultos na sala. É fácil dizer: "esses advogados querem privilegiar os corruptos". Não. Queremos edificar o combate à corrupção.

Por que os partidos de esquerda assumiram a autoria? Tem um ineditismo nessa denúncia feita em defesa de executivos?
A ADPF 1.051 não trata de pessoa física, só de pessoa jurídica. Os partidos de esquerda são PSOL, PC do B e Solidariedade.

Eles têm suas crenças sobre o capitalismo, mas todos eles sabem que, se as empresas perecerem, não haverá empregos nem arrecadação nem conteúdo nacional, portanto, o país perece. Como esses partidos trabalham com os setores mais carentes, talvez sejam mais sensíveis do que os partidos de direita.

Eles assumiram um risco de imagem ao fazer isso, porque as pessoas confundem. Tem gente letrada que não entende que estamos trabalhando para erigir um combate à corrupção racional. No fim dessa ADPF, os ministros do Supremo vão regular os acordos de leniência com parâmetros objetivos que valerão para o futuro. Essa discussão no STF é fundamental. E o que tem feito a opinião pública? Vilipendiado a corte, dizendo que ela está querendo aliviar para os bandidos.

O STF julgou casos da Lava Jato, não? Ele próprio também fez parte desse estado de coisas inconstitucional?
O STF julgou coisas relacionadas à Lava Jato, mas não acordos de leniência. Por exemplo, anulou os processos do presidente Lula. Entendeu que o ex-ministro Moro, quando era juiz, foi suspeito porque tinha interesse na persecução penal do presidente. O STF também julgou as provas da Spoofing, que revelam indissociação entre juiz e acusador. O STF ajudou a rever a história da Lava Jato.

Esse estado costuma ser usado em casos de racismo, desmatamento?
É um conceito que diz respeito a um alinhamento, às vezes, a um alinhamento institucional para descumprir a Constituição. Tudo isso que aconteceu é o que caracteriza um estado de coisas inconstitucional.

Temos um juiz no Brasil que impediu um candidato de se candidatar em 2018 e que depois se tornou ministro da Justiça. Se a investigação ilegal de autoridades, até do Poder Judiciário, não caracteriza isso, nada caracteriza. Se a devastação empresarial que vivemos não caracteriza isso, nada caracteriza.


RAIO-X | WALFRIDO WARDE, 50

Formado em direito e filosofia pela USP (Universidade de São Paulo), é mestre em direito pela Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, e doutor na mesma área pela USP.

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