Descrição de chapéu STF Folhajus

Cid é preso por ordem de Moraes após áudios sobre delação

Ministro do STF cita descumprimento de medidas cautelares e obstrução à Justiça; militar depõe de novo e nega ter sido coagido pela PF

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Brasília

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), foi preso novamente nesta sexta-feira (22) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), um dia após a revelação de áudios do militar com críticas à Polícia Federal e ao magistrado devido à condução de seu acordo de delação premiada.

Segundo o gabinete de Moraes, Cid foi preso por "descumprimento das medidas cautelares e por obstrução à Justiça". Ele passou por exame de corpo e delito no Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal e foi encaminhado ao Batalhão do Exército, onde está detido preventivamente.

A PF também cumpriu nesta sexta um mandado de busca e apreensão na casa do tenente-coronel, que havia sido preso anteriormente em maio de 2023 e solto em setembro.

Segundo integrantes da PF, Cid feriu o acordo de confidencialidade da colaboração premiada, o que foi considerado como o descumprimento de uma medida cautelar. Ele fez isso, avaliam investigadores, para tentar atrapalhar a apuração, sendo suspeito de obstrução de Justiça.

O STF também informou que está sob análise a homologação da delação feita pelo militar, já que os termos não foram tratados pela corte e, sim, pelos investigadores.

A medida ocorreu após Cid prestar depoimento no Supremo, conduzido pelo desembargador Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete do ministro Alexandre de Moraes. O militar negou nesta sexta que tenha sido coagido anteriormente pela PF a dar as declarações em sua delação.

Funcionários do tribunal informaram que Cid passou mal e desmaiou ao saber da ordem de prisão, mas logo depois se recuperou. Ele chegou a ser atendido por brigadistas no local.

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira/Folhapress

A audiência foi agendada após a revista Veja divulgar áudio em que Cid afirma que a Polícia Federal tem uma narrativa pronta nas investigações sobre o ex-presidente. Ele se disse pressionado nos depoimentos e fez críticas a Moraes, que homologou sua delação premiada.

"Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo", disse no áudio o ex-ajudante de ordens.

Segundo a revista, a gravação é da semana passada e ocorreu após Cid prestar depoimento por nove horas à PF.

Pouco após a revelação dos áudios, integrantes da PF já diziam que a delação premiada do tenente-coronel poderia ser anulada a depender da apuração.

Investigadores dizem que vão analisar o teor das gravações e, se comprovado que as declarações se deram dessa forma e nesse contexto, a colaboração premiada corre grande risco de ser cancelada.

A decisão de anulá-la pode ser tomada em conjunto pela PF e o STF, mas a palavra final será de Moraes.

Mesmo que o acordo de colaboração caia, as provas colhidas até aqui pelos investigadores seguem válidas, na avaliação de integrantes da PF.

Em seu depoimento nesta sexta, Cid confirmou ao STF o teor do que havia falado em sua colaboração premiada, recuando do tom adotado nos áudios.

O tenente-coronel se recusou na oitiva, porém, a dizer com quem conversava no momento em que deu as declarações gravadas, algo que os investigadores queriam saber. O diálogo teria ocorrido por mensagens no WhatsApp.

Nos áudios que foram revelados por Veja, Cid afirma que os policiais só queriam "confirmar a narrativa deles" e a todo momento davam a entender que ele poderia perder os benefícios da delação premiada a depender do que contasse.

O militar também teria feito duras críticas a Moraes. "O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação", afirma.

O tenente-coronel ainda diz que teria havido um encontro do magistrado com Bolsonaro, sem dar maiores detalhes. "Eu falei daquele encontro do Alexandre de Moraes com o presidente, eles ficaram desconcertados, desconcertados. Eu falei: ‘Quer que eu fale?’."

E prossegue: "O Alexandre de Moraes já tem a sentença dele pronta, acho que essa é que é a grande verdade. Ele já tem a sentença dele pronta. Só tá esperando passar um tempo. O momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR [procurador-geral da República] acata, aceita e ele prende todo mundo".

Após a revelação dos áudios, senadores aliados de Jair Bolsonaro iniciaram articulações em busca de apoio pela abertura de uma CPI, sob a alegação de que o ex-ajudante de ordens imputa os crimes de constrangimento ilegal, falsidade ideológica, prevaricação e abuso de autoridade à PF, além de envolver o STF.

O advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, por sua vez, afirmou que os relatos de Cid são graves e precisam ser apurados. "Os áudios são gravíssimos e merecem as devidas investigações com relação ao cumprimento do devido processo legal, bem como a isenção de quem quer que seja", disse à Folha.

As declarações de Cid nas gravações teriam sido dadas pouco depois de ele prestar o quarto depoimento à PF no âmbito da delação premiada. O militar foi chamado a falar para preencher lacunas abertas na investigação à época depois de outros envolvidos prestarem depoimentos, como o ex-comandante do Exército Freire Gomes prestar esclarecimentos por mais de sete horas.

Na ocasião, Cid confirmou, por exemplo, que aliados de Bolsonaro monitoravam os passos de Moraes para eventualmente prendê-lo caso o ex-presidente decidisse levar adiante medidas para impedir a posse de Lula. Havia entre as minutas golpistas a previsão de detenção do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Ele confirmou ainda que ocorreram reuniões entre Bolsonaro e os chefes militares, mas que não participou delas do início ao fim.

A delação de Cid foi acertada enquanto a PF avançava sobre suspeitas de que o militar e seu pai, o general Mauro Lourena Cid, teriam vendido joias recebidas por Bolsonaro como presentes de Estado para o ex-presidente ficar com o dinheiro.

Para fechar a delação, Mauro Cid se comprometeu também a colaborar a investigação da PF sobre a fraude no cartão de vacinação que o militar teria feito para permitir que familiares e Bolsonaro pudessem viajar aos Estados Unidos mesmo sem terem sido imunizados contra a Covid-19. Este caso teve desfecho nesta semana, com o indiciamento de Bolsonaro, Cid e outras 15 pessoas.

Os depoimentos de Cid, no entanto, levaram a PF a focar em outra apuração, a respeito de uma trama para dar um golpe de Estado. A prioridade nas oitivas passou a ser as discussões que o ex-presidente e aliados teriam feito para tentar evitar a posse de Lula.

Em um dos depoimentos, Cid disse que Bolsonaro havia convocado os comandantes das Forças Armadas para apresentar um documento com uma série de considerandos —um compilado de momentos em que, na visão de Bolsonaro, a Justiça teria interferido ilegalmente em seu governo.

O documento teria sido apresentado pelo assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, e pelo advogado Amauri Feres Saad. Segundo fontes com conhecimento do assunto, a minuta continha somente as consideradas interferências do Judiciário e não possuía medidas a serem tomadas em reação.

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