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Primeira Constituição do Brasil, que faz 200 anos, criou Senado vitalício

Senadores eram escolhidos por imperador em lista tríplice; Casa foi essencial para manter império pós-abdicação de Pedro 1°

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Ricardo Westin
Brasília | Agência Senado

Das diferenças entre o Senado de hoje e o do Império, a mais marcante é a duração do mandato. Enquanto atualmente cada senador se elege para atuar por oito anos, no Senado imperial o político tinha o posto garantido até a morte.

A criação do Senado na letra da lei completou 200 anos nesta segunda (25). A determinação constou da primeira Constituição do Brasil, outorgada por d. Pedro 1º em 25 de março de 1824. Os trabalhos legislativos começaram dois anos depois.

O que a Constituição de 1824 estabeleceu foi que o país teria um Parlamento bicameral. Enquanto o mandato dos deputados duraria quatro anos, o dos senadores seria vitalício. O Marquês de Muritiba (BA), por exemplo, foi senador por quase 40 anos.

Foto de juramento constitucional da princesa Isabel, que tinha direito a um assento vitalício no Senado, que completa 200 anos nesta segunda-feira
Foto de juramento constitucional da princesa Isabel, que tinha direito a um assento vitalício no Senado, que completa 200 anos nesta segunda-feira - Arquivo/Museu Histórico Nacional

Documentos históricos do Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que a vitaliciedade era controversa. Os apoiadores a viam como necessária para a estabilidade do Brasil. O senador Saturnino (MT) discursou:

"A principal utilidade que resulta de ser o Senado vitalício consiste na permanência de suas opiniões. A vitaliciedade torna o Senado um corpo conservador, fora das opiniões variáveis do dia a dia, fora do turbilhão das paixões que as novidades criam".

Enquanto os deputados buscariam mudanças rápidas, os senadores amorteceriam ou impediriam as reviravoltas.

Na década de 1830, o senador Marquês de Caravelas (BA) lembrou que existiam planos para acabar com o Poder Moderador, que cabia ao imperador, e também tornar o Senado temporário, tal qual a Câmara. Para ele, seria um erro:

"Se tais princípios passam, quem governa o Brasil? A Câmara. Que elemento é esse? O democrático. Que governo teremos? O oligárquico. O que se segue dele? A anarquia. Atrás da anarquia, o que vem? O despotismo. Depois que os povos veem correr rios de sangue, procuram um homem que os livre do estado de desgraça, e este, aproveitando-se da ocasião, os governa despoticamente, como fez Napoleão".

Na primeira metade do século 19, o adjetivo "democrático" tinha conotação negativa. Remetia aos ímpetos revolucionários e desordeiros do povo.

Outro argumento favorável à vitaliciedade era que ela garantia independência aos senadores. "Sem nenhum interesse de lisonjear o povo e o governo, os senadores serão unicamente impelidos pela felicidade geral", resumiu Caravelas.

Mais tarde, quando o adjetivo "democrático" já não tinha carga negativa, o senador Leão Veloso (BA) contou aos colegas que ele próprio levava em conta a opinião pública:

"Não considero a vitaliciedade refúgio para esquecer-me dos interesses dos que me elegeram", afirmou ele em 1888, após a abolição da escravatura. "Representante de uma província que sofreu grande abalo com a lei de 13 de maio [Lei Áurea], observo que a classe da lavoura [da Bahia] dirige-se aos poderes públicos pedindo a reparação dos danos. Não tenho o direito de concorrer para a ruína daqueles que me elegeram".

Apesar de o senador baiano ter apoiado a demanda dos fazendeiros, o governo não os indenizou.

A vitaliciedade como garantia da independência do Senado ganhava mais força quando se lembrava que a Câmara podia ser dissolvida pelo imperador a qualquer momento em nome da governabilidade.

O Segundo Reinado foi parlamentarista, e o primeiro-ministro, fosse ele do Partido Conservador ou do Liberal, só conseguia governar se contasse com a maioria dos deputados. Quando isso não ocorria, a solução era eleger novos deputados e escolher um novo primeiro-ministro. Na prática, portanto, o mandato do deputado nem sempre chegava aos quatro anos.

A historiadora Andrea Slemian, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explica que, no momento em que a Constituição de 1824 nasceu, prevendo o Senado vitalício, o mundo estava sacudido por ideias liberais e revoluções.

As mais emblemáticas foram a Revolução Francesa e a Haitiana. Em Paris, o rei absolutista foi guilhotinado. No Haiti, os escravizados se rebelaram, massacraram os brancos e declararam a nação independente da França.

As ideias liberais, por sua vez, pregavam que o poder não podia mais ficar integralmente nas mãos do rei.

"A adoção da monarquia constitucional no lugar da monarquia do Antigo Regime teve o objetivo de conter as revoluções", afirma Slemian. "A Constituição outorgada por d. Pedro 1ª era, sim, liberal, já que acabou com o modelo tradicional de monarquia vigente até d. João 6º, mas precisou conter elementos conservadores, como o Senado vitalício, para salvaguardar a ordem e o governo imperial."

A historiadora diz que a manutenção da ordem foi prioridade do Império até os anos 1840 porque diversas revoltas, como a Confederação do Equador e a Revolução Farroupilha, ameaçaram esfacelar o Brasil.

"Um momento desassossego e incerteza foi quando d. Pedro 1º abdicou", continua Slemian. "Outros projetos de Brasil, diferentes do projeto de d. Pedro 1º, emergiram com força. O Senado foi decisivo na manutenção do projeto em vigor, tanto na instalação da Regência quanto na antecipação da maioridade de d. Pedro 2º."

Outro aspecto reforçava o caráter conservador do Senado. A escolha não cabia totalmente aos eleitores. Uma lista tríplice, com os mais votados na província, era remetida ao imperador, que apontava o novo senador. Os deputados eram escolhidos diretamente pelas urnas.

Os críticos do mandato vitalício, por sua vez, argumentavam que os senadores acabavam se acomodando.

"O Senado deve ser renovado frequentemente para que não fique estacionado e nas trevas, para que as notabilidades de hoje sucedam as de ontem", recomendou o senador Marquês de Barbacena (AL).

O senador José de Alencar (CE) discursou: "Suponhamos que a nação tem patenteado algum desejo seu e que o Senado, fiado na sua vitaliciedade, se tornava surdo e obstinado. Qual o meio que resta à nação para fazer efetiva a sua vontade? Esperará que a morte periódica [de senadores] seja o remédio?".

Como os senadores permaneciam no Parlamento até o fim da vida, muitos eram idosos. Na crônica "O Velho Senado", Machado de Assis chamou a atenção para a figura do Marquês de Itanhaém (MG), senador até os 85 anos. "A idade deste fazia-o menos assíduo. Mal se podia apear do carro [carruagem] e subir as escadas", escreveu.

Os senadores tratavam de se defender do argumento da velhice, como fez o Visconde de Jaguaribe (CE): "Na idade avançada de 70 ou 80 anos, se as faculdades corporais se enfraquecem, as faculdades do espírito tomam vigor".

O cientista político Christian Lynch, da Fundação Casa de Rui Barbosa e da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), avalia que o Senado ocupou uma posição central no Império.

Leis de destaque ganharam nome de senadores, como a Lei Feijó, que tentou barrar o tráfico negreiro, a Lei Eusébio de Queirós, que conseguiu barrá-lo, e a Lei Saraiva, que acabou com a exigência de renda para o direito ao voto.

Lynch acrescenta que o Senado vitalício permitiu a presença constante da oposição na arena legislativa:

"Imaginemos que o país tivesse um primeiro-ministro do Partido Conservador e chegassem à Câmara apenas conservadores. Seria o Senado vitalício, por sempre ter liberais, que daria voz à oposição. Caso fosse temporário, haveria o risco de também só senadores conservadores serem eleitos naquele momento e, assim, o Brasil ter um Parlamento com partido único".

O historiador Bruno Antunes de Cerqueira, do Instituto Cultural d. Isabel I, afirma que, uma vez consolidadas a ordem e a unidade nacional, a vitaliciedade perdeu o sentido:

"O senador Visconde de Ouro Preto se tornou primeiro-ministro em 1889, às vésperas da derrubada da Monarquia, tendo em seu programa de governo justamente a abolição da vitaliciedade do Senado".

Na República, os parlamentares incumbidos de aprovar a Constituição de 1891 nem discutiram a vitaliciedade. De forma quase natural e sem objeção, tornaram o Senado temporário, com mandato de nove anos, mais tarde reduzido para oito.

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