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Rejeição de PSDB a Nunes fustiga discurso de continuidade do legado de Covas

Partido lançou Datena e mira Tabata; prefeito tem apoio de filho de Bruno como trunfo e diz que sua gestão tem equipe e ideais tucanos

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São Paulo

O desembarque do PSDB da coligação do prefeito Ricardo Nunes (MDB) abalou um dos pilares do discurso do pré-candidato à reeleição: o de que sua gestão é de continuidade da do tucano Bruno Covas.

A legenda filiou neste mês o apresentador José Luiz Datena, num arranjo que prevê sua indicação a vice de Tabata Amaral (PSB), mas uma candidatura dele a prefeito de São Paulo não está descartada. Boa parte dos militantes tucanos, no entanto, fará campanha para Nunes, apesar de o diretório municipal ter votado contra o apoio à reeleição.

Nunes, que era vice, herdou a cadeira com a morte do prefeito por câncer, em 2021. Ele tem repetido que manteve o plano de governo e a equipe montada por Covas após a vitória da dupla em 2020. A inscrição "gestão Bruno Covas" até hoje é usada pela prefeitura em inaugurações e divulgações.

Ricardo Nunes (MDB) e Bruno Covas (PSDB) na posse como vice e prefeito, em 2021 - Zanone Fraissat - 1º.jan.21/Folhapress

A aproximação do PSDB com Tabata é considerada positiva pela equipe da deputada, que busca avançar sobre o perfil do eleitorado que votou no partido nos últimos anos e ficou sem alternativa após a derrocada tucana. A retirada da legenda da campanha de Nunes reforça a estratégia da deputada.

A ausência do PSDB na coalizão de Nunes também acaba, indiretamente, por reforçar uma mensagem que Guilherme Boulos (PSOL), principal adversário do prefeito, tem explorado: a de diferenciar Nunes de Covas.

O deputado afirma que o tucano, com quem rivalizou no segundo turno em 2020, tinha apreço pela democracia e resistiria a uma aliança com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é investigado por tentativa de golpe de Estado e foi cortejado por Nunes. Em janeiro, Bolsonaro deixou claro que vai apoiar o prefeito.

A participação de Bolsonaro na campanha de Nunes está no cerne da discussão sobre o atual prefeito representar a gestão Covas ou não. Em uma série de ocasiões, Covas deixou clara sua oposição a Bolsonaro e declarou que votou nulo no pleito presidencial de 2018.

O fato de Nunes ter ido ao ato do ex-presidente na avenida Paulista, em fevereiro, acabou virando munição para os adversários. "Nunes demonstra topar qualquer negócio para se manter no poder e envergonha o legado de Bruno Covas", postou Tabata na ocasião.

Boulos escreveu: "É uma vergonha que alguém que se elegeu vice de Bruno Covas, democrata que sempre foi contra o bolsonarismo, esteja hoje na Paulista defendendo justamente o ataque à democracia promovido por Bolsonaro".

Aliado de Nunes, o coordenador da campanha do PSDB em 2020, Wilson Pedroso, aponta que o PL faz parte da base e afirma que Covas já demonstrou pragmatismo em relação a se aliar a Bolsonaro. Para ele, esse argumento tem sido usado como desculpa para entregar o PSDB a Tabata.

Em evento da ala do PSDB pró-Nunes no mês passado, Pedroso afirmou que, em 2018, quando João Doria se aliou a Bolsonaro, "Covas não aplaudiu, mas respeitou, porque entendeu o momento político que era necessário para vencer".

Outro fator apontado a favor de Nunes é o apoio do filho de Bruno Covas, Tomás. O jovem tucano, ao escrever para Nunes uma dedicatória no livro que lançou sobre o pai, agradeceu ao prefeito "pelo legado que seguiu na gestão Bruno Covas".

Procurado pela Folha, o presidente do PSDB, Marconi Perillo, afirmou que "o legado do PSDB não pertence a nenhum partido e nem a ninguém a não ser o próprio PSDB".

Ele diz que a preferência é ter uma candidatura própria em São Paulo, mas que nenhum cenário, inclusive o apoio a Nunes, está descartado e a decisão, que caberá ao PSDB nacional, será tomada a partir de pesquisas eleitorais.

Apesar de Nunes ter mais chance de vitória do que Tabata ou Datena, a leitura da cúpula tucana é que o partido tem mais benefícios com a exposição na campanha municipal do que sendo mais um na coligação do prefeito.

Na condição de cabeça de chapa ou vice, o PSDB poderia exibir o presidenciável Eduardo Leite e fincar posição no campo do centro, preparando terreno para 2026. Já a opinião contrária, de que o partido deveria manter seu espaço na máquina de Nunes, é classificada como fisiologismo.

Durante a janela partidária (período em que é permitida mudança de partido sem risco de perder o mandato), encerrada no início do mês, o PSDB perdeu seus oito vereadores na capital paulista, sendo que quatro migraram para o MDB.

Na opinião do ex-secretário municipal e ex-presidente do PSDB paulistano Orlando Faria, que apoia Tabata, Nunes busca o apoio institucional do partido, apesar de já ter ao seu lado a militância tucana, justamente para não ter seu discurso de continuidade esvaziado.

Na prática, o PSDB não agregaria tempo de TV ou recursos a ele, mas a coligação seria importante pela mensagem simbólica.

Entre os fatores que distanciam Nunes e Covas, Faria afirma que o tucano tinha uma preocupação maior com questões sociais e equilíbrio fiscal. O mais emblemático para ele, no entanto, é a aproximação com Bolsonaro.

"A presença do Ricardo num ato de defesa de Bolsonaro com fundo antidemocrático foi muito traumática dentro do PSDB nacionalmente. Só quem está na máquina [da prefeitura] é que não falou nada", diz.

Apontado como artífice da rejeição do PSDB municipal à coligação com Nunes, o presidente do diretório paulistano, ex-senador José Aníbal, argumenta que o prefeito não representa os valores de Covas, seja pelo apoio de Bolsonaro ou pela falta de políticas de peso em sua gestão.

"No discurso de vitória em 2020, Covas deixou claro que não tinha nada a ver com Bolsonaro, que o campo dele era outro, o democrático. Imagina se hoje ele faria uma aliança preferencial com Bolsonaro? Depois do golpe de 8 de janeiro."

Também diz que não se vê na cidade "nenhuma política pública de destaque, a não ser que você considere asfalto política pública".

Questionado pela Folha sobre a rejeição do PSDB dificultar seu discurso de continuidade, Nunes enfatizou a posição de militantes, parlamentares e seus secretários tucanos e isolou a opinião de Aníbal.

"A gente vê hoje um PSDB municipal bem diferente. Inclusive quem está dirigindo o PSDB municipal não tinha nem sequer relação com Bruno ou com o PSDB que levou Bruno à vitória. O próprio Tomás reconhece essa questão do legado. Agora, as questões partidárias, às vezes tem situações que quem está ali naquele momento não representa a vontade da maioria."

Nunes ressaltou que Aníbal comanda o PSDB paulistano graças a uma intervenção da direção nacional. O diretório estava a cargo de Fernando Alfredo, cuja reeleição não foi reconhecida pelo partido. Alfredo defende a reeleição de Nunes e organizou um manifesto de tucanos para apoiá-lo.

O prefeito afirmou que mantém conversas com líderes tucanos para reverter a situação. "No final das contas, acho que o PSDB vai se encontrar, a gente vai continuar caminhando junto, até porque não tem sentido querer lançar uma candidatura contra a nossa gestão, que predominantemente é do PSDB."

Após a filiação de Datena ao PSDB, Nunes reagiu afirmando que "mantém uma gestão Bruno Covas, uma gestão com os ideais do PSDB, um trabalho dentro daquilo que a gente se comprometeu na campanha com o nosso plano de governo".

A relação entre Bruno Covas e Jair Bolsonaro

SELFIE E APROXIMAÇÃO
Em março de 2019, Covas, então prefeito, publicou uma selfie com João Doria, então governador, e Bolsonaro, então presidente. A selfie viralizou na campanha de 2020 e o prefeito, em resposta, disse não concordar com Bolsonaro e ter tirado a foto por educação. Na eleição anterior, de 2018, Doria, aliado de Covas, aderiu ao BolsoDoria para vencer.

PANDEMIA
O prefeito defendia o isolamento social e acusava o então presidente de ser irresponsável. Em entrevista à CNN, Covas afirmou que o governo federal não estava ajudando a enfrentar a crise.

"Não tem estimulado as pessoas a ficarem dentro de casa, muito pelo contrário, tem desestimulado, de forma irresponsável, indo contra a Organização Mundial da Saúde, indo contra o que dizem todos os especialistas."

ELEIÇÃO DE 2020
Em entrevistas, Covas se opôs a Bolsonaro argumentando que o então presidente defendia a ditadura que havia cassado e prendido seu avô, Mário Covas. O tucano reafirmou na época que votou nulo no segundo turno de 2018, entre Bolsonaro e Fernando Haddad (PT).

"Mantenho meu posicionamento contrário a vários posicionamentos dele, seja na área de direitos humanos, seja na área ambiental, seja na área da cultura. Eu continuo o mesmo Bruno de sempre, não vou mudar para ganhar eleição ou apoiador."

O tucano afirmou não ver em Bolsonaro "nenhum discurso que agregasse valores democráticos".

FRENTE AMPLA
Ainda na eleição municipal, como Covas tinha apoiadores que iam de Marta Suplicy (hoje no PT) a FHC, houve um esforço político para que sua campanha fosse lida como o embrião de uma frente ampla para derrotar o bolsonarismo em 2022.

DISCURSO DA VITÓRIA
Ao vencer a disputa contra Guilherme Boulos (PSOL) em 2020, Covas deu uma série de indiretas a Bolsonaro em seu discurso.

"São Paulo mostrou que restam poucos dias para o negacionismo e para o obscurantismo. São Paulo disse sim à democracia. São Paulo disse sim à ciência. São Paulo disse sim à moderação. São Paulo disse sim ao equilíbrio."

Ele afirmou que era "possível fazer política sem ódio" e "falando a verdade".

MORTE
Quando Covas morreu, em maio de 2021, Bolsonaro demorou quase sete horas para manifestar publicamente sua solidariedade.

Em agosto do mesmo ano, criticou Covas por ter ido a um jogo de futebol na pandemia, chamando-o de "o outro que morreu". Na época, Nunes afirmou à Folha que a fala de Bolsonaro foi "agressiva, desnecessária e desleal". Tomás Covas disse lamentar a postura "covarde" do "incompetente e negacionista" Bolsonaro.

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