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Governo e PF defendem no STF proibição de uso de softwares espiões por órgãos de inteligência

Audiência discutiu utilização de sistemas que são alvo de investigação da polícia

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Brasília

O Ministério da Justiça e a Polícia Federal defenderam no STF (Supremo Tribunal Federal) nesta terça-feira (11) que órgãos de inteligência sejam impedidos de usar equipamentos espiões com capacidade de entrar em celulares e monitorar localizações.

Os sistemas intrusivos devem ser usados somente para investigações criminais e após aval da Justiça, na avaliação dos órgãos.

Representantes das pastas participaram de audiência organizada pelo ministro Cristiano Zanin, relator de ação que pede a fixação de critérios mínimos para a utilização dos softwares espiões pelo Estado.

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Entrada da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), em Brasília, que teve sua atuação na gestão passada investigada - Pedro Ladeira - 20.out.23/Folhapress

As discussões ganharam corpo após operação da Polícia Federal revelar detalhes do uso ilegal do sistema FirstMile por integrantes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para monitorar a localização de políticos, jornalistas e opositores.

O diretor de Inteligência Policial, Rodrigo Morais, afirmou que a PF entende que a legislação brasileira não permite o uso de sistemas espiões para a atividade de inteligência.

"Eu não posso interceptar pessoas, não posso ter acesso a dados telemáticos, não posso sequer fazer infiltrações, escutas ambientais, nem mesmo com ordem judicial prévia, porque não tem permissivo legal para isso", disse Morais.

Para ele, sistemas como o FirstMile e o Pegasus —software que permite acessar remotamente o celular-alvo sem que o proprietário saiba— são importantes para a atividade de investigação policial.

"Entendo que a funcionalidade do Pegasus é imprescindível para fins de segurança pública [...]. Termos acesso a ferramentas que viabilizam esse tipo de intrusão durante as investigações, logicamente com autorização judicial prévia e nos casos que a lei permitir, seria um avanço", afirmou.

O risco, na visão de Morais, é o software ter como base para seu funcionamento fragilidades nas redes de comunicação do Brasil. O FirstMile, por exemplo, aproveita uma brecha no protocolo de telecomunicações para ter acesso à localização de celulares.

Se a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) não corrigir as vulnerabilidades, o software pode ser usado no Brasil para fazer espionagem em outros países.

"A gravidade disso é tão grande que é possível dizer, em tese, que a infraestrutura de telefonia brasileira pode estar sendo servida para espionagem internacional, porque eu consigo, por meio desses aparelhos, interceptar qualquer telefone no mundo inteiro", afirmou.

A secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Lilian Cintra, quer que o Supremo proíba que órgãos de inteligência comprem equipamentos espiões intrusivos.

"Inteligência se faz com dados abertos. Mecanismos de controle interno e externos, bem como rastreabilidade, são pressupostos de tecnologias investigativas. A inteligência não se confunde com práticas de vigilantismo e espionagem", disse Cintra.

Posição semelhante foi defendida por pesquisadores e representantes de órgãos internacionais.

Membro do Conselho Consultivo de Alto Nível da ONU para Inteligência Artificial, a advogada Estela Aranha defendeu que o uso de spywares (sistemas maliciosos usados para espionar celulares e coletar dados pessoais) seja proibido no Brasil até para a investigação policial.

O spyware funciona como um vírus que infecta o celular ou computador e rouba dados pessoais. É o caso do Pegasus. Sistemas como o FirstMile coletam informações sem invadir o dispositivo eletrônico e, na visão de Aranha, não devem necessariamente ser proibidos para uso policial.

"Existem outros meios para que seja feita a investigação criminal com todas as devidas garantias, rastreabilidade, supervisão e confiança nos sistemas computacionais. Meu encaminhamento é neste sentido: vedar o uso de spyware, inclusive com possibilidade de criminalizar esse uso", disse Aranha.

Os representantes das Forças Armadas foram os únicos a se posicionarem contra o veto aos sistemas espiões para inteligência. Eles sustentam que o uso de softwares intrusivos pode ajudar na localização de vítimas e identificação de riscos à soberania nacional.

O tenente-coronel André Luiz Corrêa, da Aeronáutica, afirmou que ferramenta semelhante ao FirstMile permitiu o rastreamento de celulares em missões de busca por desaparecidos no Rio Grande do Sul.

Quase 50 pessoas foram salvas das enchentes após serem localizadas pelos sistemas de inteligência.

"A fixação de barreiras, mesmo que provisórias, pode comprometer a eficácia das missões constitucionais das Forças Armadas, além de prejudicar missões de busca e salvamento", disse.

A audiência foi convocada por Zanin para órgãos públicos e representantes da sociedade civil apresentarem argumentos para a instrução de ação da PGR (Procuradoria-Geral da República), da qual o ministro é relator.

A Procuradoria pede ao Supremo que estabeleça como regra que todos os órgãos públicos submetam pedido à Justiça antes de usar os equipamentos espiões para investigação criminal ou para fins de inteligência.

A regra, se acatada, vale até o Congresso Nacional aprovar uma lei específica sobre o uso desse tipo de software.

"A omissão legislativa fragiliza o regime constitucional de proteção da intimidade, da vida privada e da inviolabilidade do sigilo das comunicações pessoais, com prejuízos contínuos e potenciais a direitos fundamentais de um número expressivo de cidadãos", disse a ex-procuradora-geral interina Elizeta Ramos na ação.

Zanin convidou as empresas NSO Group (dona do Pegasus) e Cognyte (dona do FirstMile e GI2) para participar da audiência, mas elas não enviaram representantes.

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