Descrição de chapéu The New York Times

Empresa tentou comprar software de espionagem com apoio da inteligência dos EUA

Negociação seria contradição entre discurso e prática depois que Biden colocou criadora do Pegasus em lista proibida

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Mark Mazzetti Ronen Bergman
The New York Times

A equipe de executivos de uma fornecedora das Forças Armadas dos EUA foi a Israel várias vezes nos últimos meses para tentar colocar em prática um plano ousado, mas arriscado: adquirir o NSO Group, empresa de hackeamento cibernético que é tão notória quanto tecnologicamente proficiente.

Executivos da L3Harris, que também tem experiência com tecnologia de espionagem, enfrentaram obstáculos grandes. O primeiro deles era o fato incômodo de que apenas alguns meses antes o governo americano havia colocado a NSO numa lista proibida porque o software de espionagem da firma israelense, Pegasus, fora usado por outros governos para invadir os telefones de líderes políticos, ativistas de direitos humanos e jornalistas.

O Pegasus é uma ferramenta de hackeamento do tipo conhecido como "zero clique" —capaz de extrair remotamente todo o conteúdo do celular de um alvo, incluindo mensagens, contatos, fotos e vídeos, sem que o usuário precise clicar sobre um link que possibilite o acesso remoto. O Pegasus também pode converter o celular do alvo em um aparelho de rastreamento e gravação.

Logotipo da NSO Group em uma das sedes da empresa, em Israel - Amir Cohen - 22.jul.21/Reuters

Quando anunciou a inclusão da firma israelense na lista de indesejáveis, em novembro, proibindo empresas americanas de fazerem negócios com ela, a administração Biden disse que a NSO agiu "contra os interesses de segurança nacional e de política externa dos Estados Unidos".

Mas cinco pessoas que estão a par das negociações disseram que a equipe da L3Harris levou a Israel uma mensagem surpreendente que fez a negociação parecer possível. Disseram que autoridades de inteligência americanas haviam apoiado discretamente os planos de comprar a NSO, cuja tecnologia há anos atrai interesse de muitas agências de inteligência e polícias pelo mundo afora, incluindo FBI e CIA.

As negociações continuaram em segredo até o mês passado, quando a notícia da possível venda da NSO vazou, para a consternação de todos os envolvidos. Representantes da Casa Branca se disseram indignados ao tomar conhecimento das negociações e afirmaram que qualquer tentativa de firmas de defesa americanas de comprar uma empresa que consta da lista proibida enfrentaria resistência séria.

Dias mais tarde, a L3Harris, que é fortemente dependente de contratos com o governo, notificou o governo Biden de que havia abandonado seus planos de adquirir a NSO, segundo três funcionários do governo americano, embora várias pessoas que estão a par das discussões digam que esforços têm sido feitos para ressuscitar as negociações.

Restam dúvidas nos EUA e em Israel sobre se partes do governo americano –com ou sem o conhecimento da Casa Branca— aproveitaram uma oportunidade para tentar colocar o poderoso software de espionagem da NSO sob controle americano, a despeito da posição pública tomada pela administração americana contra a firma israelense.

Ficou no ar, também, o destino da NSO, cuja tecnologia vem sendo uma ferramenta da política externa israelense, ao mesmo tempo em que a empresa atraiu críticas intensas pelo modo como seu software é utilizado por governos contra seus cidadãos.

O episódio é a escaramuça mais recente numa batalha em curso entre países para obter o controle de algumas das armas cibernéticas mais poderosas do mundo. E revela algumas das dificuldades enfrentadas por uma coalizão de países –incluindo os EUA sob a administração Biden— quando tenta refrear um mercado global lucrativo de sofisticados softwares de espionagem comercial.

Porta-vozes da L3Harris e da NSO se negaram a falar das negociações entre as duas companhias. Um porta-voz de Avril Haines, a diretora de inteligência nacional, negou-se a comentar se alguns funcionários de inteligência americanos teriam dado seu aval secreto às negociações. Um representante do Departamento de Comércio se negou a dar informações específicas sobre quaisquer discussões com a L3Harris sobre a aquisição da NSO.

Porta-vozes do Ministério da Defesa e do primeiro-ministro israelenses se negaram a comentar o assunto.

Uma decisão da L3Harris de cancelar as negociações para a aquisição deixaria o futuro da NSO em dúvida. A empresa havia visto sua aquisição pela firma americana de defesa como potencial salvação, depois de ser colocada na lista de indesejáveis do Departamento do Comércio, algo que a prejudicou gravemente. Empresas americanas são impedidas, sob pena de sanções, de fazer negócios com firmas que estão na lista proibida.

Devido a isso, a NSO não tem mais como comprar tecnologia americana para manter suas operações –quer seja servidores da Dell ou espaço de armazenagem na nuvem da Amazon--, e a firma israelense esperava que ser adquirida por uma companhia nos EUA pudesse levar à suspensão das sanções.

Há mais de uma década, Israel trata a NSO como braço não oficial do Estado, licenciando o Pegasus para uso de vários países –incluindo Arábia Saudita, Hungria e Índia— com os quais o governo israelense esperava fortalecer seus laços de segurança e diplomáticos.

Mas Israel também tem negado o Pegasus a alguns países por razões de diplomacia. No ano passado o país rejeitou um pedido do governo da Ucrânia de adquirir o Pegasus para uso contra alvos na Rússia. Israel temia que a venda pudesse prejudicar suas relações com o Kremlin.

O governo israelense também faz uso extenso do Pegasus e outras ferramentas cibernéticas produzidas no país para suas próprias finalidades de inteligência e policiais, fato que o incentiva ainda mais a encontrar uma maneira de a NSO sobreviver às sanções americanas.

Durante as discussões sobre a possível venda da NSO à L3Harris (discussões que incluíram pelo menos uma reunião com Amir Eshel, o diretor-geral do Ministério da Defesa israelense, que teria que aprovar qualquer negócio), representantes da L3Harris disseram ter recebido permissão do governo americano para negociar com a NSO, apesar da presença da firma na lista proibida americana.

Os representantes da L3Harris disseram aos israelenses que agências de inteligência americanas eram favoráveis à aquisição, desde que determinadas condições fossem satisfeitas, segundo cinco pessoas familiarizadas com as negociações.

Uma das condições teria sido que o arsenal de "dias zero" da NSO –as vulnerabilidades de código-fonte que permitem ao Pegasus invadir telefones celulares— pudesse ser vendido a todos os parceiros dos Estados Unidos no chamado relacionamento Cinco Olhos de partilha de inteligência. Os outros parceiros são o Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Um diplomata britânico sênior se negou a responder a perguntas sobre o grau de conhecimento que a inteligência britânica tinha sobre a negociação entre as duas empresas.

Um plano como esse, se tivesse sido concretizado, teria sido altamente incomum, já que os países da aliança Cinco Olhos geralmente só compram produtos de inteligência desenvolvidos e fabricados nesses países.

Ao longo das discussões surgiram vários pontos que teriam necessitado a aprovação do governo americano. Representantes da L3Harris disseram que discutiram as questões com funcionários americanos, que teriam concordado em princípio.

Para ajudar a negociar a venda da NSO, a L3Harris contratou um advogado influente em Israel que tem vínculos profundos com o establishment israelense de defesa. O advogado, Daniel Reisner, é ex-diretor do Departamento de Direito Internacional da Procuradoria Militar Israelense e atuou como assessor especial do ex-premiê Binyamin Netanyahu sobre o processo de paz no Oriente Médio.

Quando vazou no mês passado, a notícia das discussões da L3Harris para comprar a NSO parece ter pego representantes da Casa Branca de surpresa. Depois de o site Intelligence Online ter noticiado a possível venda, um alto funcionário da Casa Branca disse que tal transação criaria "graves preocupações de contrainteligência e segurança para o governo americano" e que a administração trabalharia para assegurar que a transação não se realizasse.

Traduzido por Clara Allain 

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