Escolas sucateadas e queda na qualidade do ensino mobilizam eleição em Maceió

Capital de Alagoas tem segundo pior Ideb dentre as capitais e sofre com realocação de unidades atingidas por afundamentos no solo

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Maceió

O relógio marcava 11h30 e as crianças suavam. As gotas caíam da testa ao chão enquanto o pequeno ventilador da sala era o trabalhador solitário para refrescar 30 cabecinhas que tentavam aprender regras básicas de português.

Sentada na primeira fila, Maria Laura da Silva Sobral, 7, estica o pescoço e mira a professora que dá a lição na lousa. Cadeirante por conta de uma distrofia muscular, ela conta com o auxílio das colegas para acompanhar as aulas e enfrenta obstáculos em série no seu dia a dia.

Prédio alugado onde fica a Escola Municipal Padre Brandão Lima, em Maceió - Pei Fon/Folhapress

O improviso dá o tom da na Escola Municipal Padre Brandão Lima, no bairro do Benedito Bentes, em Maceió. Mas a estrutura é apenas um dos problemas da educação da capital alagoana, que registrou em 2021 o segundo pior Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) dentre as capitais brasileiras para os anos iniciais do ensino fundamental.

A educação básica é um dos temas que estarão no centro do debate da disputa eleitoral em Maceió, que vai opor o prefeito João Henrique Caldas (PL), o deputado federal Rafael Brito (MDB) e o ex-deputado Lobão (Solidariedade).

A cidade enfrenta o maior desastre ambiental em área urbana do país desde 2018, quando registrou tremores de terra, afundamento no solo e rachaduras em imóveis causadas pelas atividades de mineração da Braskem.

Ao menos 40 mil pessoas dos cinco bairros atingidos tiveram que ser relocadas. O desastre também atingiu escolas –cinco delas tiveram que ser transferidas para outros bairros, incluindo a Escola Padre Brandão Lima, onde Maria Laura aprende suas primeiras letras.

A unidade saiu do bairro do Pinheiro, um dos primeiros afetados pelos problemas no solo, e foi realocada para um prédio alugado no Benedito Bentes, a cerca de 10 km de distância. A procura por vagas aumentou, já que vários bairros têm naquela região um ponto de apoio na parte alta de Maceió.

O impacto foi muito além de uma mera troca de prédio ou endereço. Os laços e o senso de comunidade construído no antigo endereço foram se perdendo em meio ao turbilhão de mudanças: professores perderam o contato com os pais e o acompanhamento dos alunos ficou mais precário.

Reuniões entre pais e professores se tornaram uma tarefa quase impossível: falta um espaço adequado para abrigar a todos na escola, que não possui auditório, quadra de esportes e sequer um refeitório –as refeições são feitas pelos alunos dentro das salas de aula.

O espaço alugado é insuficiente para atender a todas as crianças e adolescentes, divididos em turnos. Há apenas um banheiro masculino e um feminino para atender os cerca de 190 alunos.

A cozinha é improvisada, com um fogão velho e uma despensa onde não raro aparecem ratos, apesar de dedetizações trimestrais. As aulas de educação física acontecem em um campo aberto, sem nenhum tipo de proteção contra o sol.

O sistema de ar-condicionado da escola foi instalado em 2023, mas nunca entrou em funcionamento por falta de fiação e tomada. Um dos elevadores se tornou depósito, com materiais de limpeza, vassouras e rodos adornando o que seria a cabine de transporte.

Os professores, que reclamam dos baixos salários, afirmam que tiram recursos do próprio bolso para comprar adornos e cartolinas para tornar as aulas mais atrativas para as crianças.

Mãe de duas alunas da escola, incluindo Maria Laura, a dona de casa Luana Santos da Silva, 28, reconhece o esforço de professores e funcionários, mas diz que a escola não tem uma estrutura adequada para abrigar os alunos.

"Nós já fizemos diversas reclamações, mas o procedimento é muito complicado. Vamos à diretoria, que tem de encaminhar à Secretaria Municipal de Educação e depois ficamos somente com promessas. Sentimos que existe uma negligência, um descaso total com a educação", critica Luana.

A situação se replica em outras escolas da rede municipal, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas.

Escolas enfrentam problemas estruturais como rachaduras no piso, pedaços do teto caindo, além de instalações elétricas antigas e defeituosas. No centro municipal de educação infantil Lindolfo Collor, as salas são quentes a ponto de ser necessário suspender as aulas.

Ao todo, 60 mil alunos estudam na rede municipal de Maceió, formada por 150 unidades escolares próprias e 6 da rede parceira.

Na avaliação de Ivan Gontijo, gerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação, a mudança de panorama no setor passa por um compromisso dos líderes políticos com a agenda que inclua blindar a área de interferências político-partidárias.

Em Maceió, a Secretaria de Educação era comandada pela ex-deputada Jó Pereira, que deixou o cargo para disputar a eleição. Ela é prima do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP).

"Existem problemas estruturais superáveis, mas a questão é melhorar os indicadores de aprendizagem, sabendo que existe uma agenda técnica do que funciona e do que não funciona, que inclusive é aplicada em outras cidades do Brasil", analisa Gontijo.

A expectativa é que o tema ganhe uma centralidade ainda maior nesta eleição municipal. O principal adversário do prefeito, o deputado federal Rafael Brito, foi secretário estadual de Educação na gestão Renan Filho (MDB) e diz que o município vive "um de seus piores tempos" na educação básica.

O prefeito João Henrique Caldas defende sua gestão e destaca abriu 15 novas unidades escolares, com um investimento de R$ 24,5 milhões. Também informou ter gastado R$ 84 milhões na manutenção das escolas de 2021 a 2024.

Em relação ao Ideb, a prefeitura afirma que o resultado dos indicadores é consequência da pandemia, que manteve a maioria dos estudantes em aulas remotas. E destaca que o impacto foi mais significativo nos anos iniciais do ensino fundamental, por conta das dificuldades no trabalho remoto com crianças.

Também houve suspensão de aulas e evasão de estudantes de algumas unidades de ensino que tiveram que ser fechadas e posteriormente realocadas por estarem nos bairros afetados pelo afundamento do solo na capital.

Para modificar este cenário, a prefeitura diz que tem investido em ações para a recomposição de aprendizagem, avaliações externas, ampliação da rede de ensino em tempo integral e aumento da oferta de material didático para estudantes e professores. Também cita a criação de programas como o Alfabetiza Maceió e o Conquista Maceió, com foco na recomposição da aprendizagem.

O QUE DIZEM OS PRINCIPAIS PRÉ-CANDIDATOS SOBRE O TEMA:

João Henrique Caldas (PL), prefeito: "Educação é e continuará sendo prioridade. O projeto Gigantinhos, por exemplo, adicionará 10 mil vagas em creches de tempo integral com seis refeições diárias. O Bolsa Escola Municipal será expandido, incentivando as matrículas, a permanência dos alunos nas escolas. Estão previstas a reforma e construção de escolas, a aquisição de mobiliário e equipamentos, além de contratação de profissionais. O programa 'Valoriza Educação' vai garantir a reposição salarial e viabilizar o pagamento de biênios de progressão por méritos a todos os servidores."

Rafael Brito (MDB), deputado federal: "A gente precisa urgentemente criar um programa que financie a presença do aluno dentro de sala de aula financeiramente, como o Cartão Escola 10 e Pé de Meia, garantindo a conclusão dos alunos no 9º ano e a matrícula dos alunos no ensino médio. É preciso urgentemente reformar escolas, ampliar o número de escolas em tempo integral, fazer um concurso público para professores e um novo plano de cargos carreiras e salários para todos os servidores de educação municipal."

Lobão (Solidariedade), ex-deputado: "Irei investir pesado na educação, não há projeto de futuro sem um investimento robusto na educação das nossas crianças. Vou chegar ao final do meu mandato com 100% das nossas crianças atendidas em creches e vou ampliar a rede de educação em tempo integral. O objetivo inicial é atingir a meta estipulada pelo Plano Nacional da Educação.Me comprometo também a valorizar os profissionais, estabelecendo um piso salarial, um plano de cargos e carreiras, implementar uma estratégia de formação continuada, ampliar e modernizar os nossos equipamentos escolares."

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