Descrição de chapéu Seminário Coração Fraco

Mortalidade por insuficiência cardíaca cai 26% em uma década

Médicos divergem sobre avanço da doença no país; há epidemia, para uns, e, para outros, incidência diminui

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São Paulo

As taxas de mortalidade e o número de internações por insuficiência cardíaca caíram na última década, mostram dados inéditos do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade) e do SIH (Sistema de Informação Hospitalar), ambos do Ministério da Saúde.

Entre 2008 e 2017, as taxas padronizadas de mortes tiveram queda de 26% —de 15,1 para 11,2 mortes por cem mil habitantes. No mesmo período, também houve diminuição de 24% no número absoluto de internações —de 270.991 para 205.633.

A taxa padronizada de mortes leva em conta o crescimento populacional e outras doenças associadas à síndrome cardíaca. Se forem considerados apenas os números absolutos de óbitos, houve aumento de 97.629 para 106.307.

Segundo a médica Fatima Marinho, professora do Instituto de Estudos Avançados da USP e que até o ano passado coordenou o SIM, a insuficiência cardíaca raramente é uma doença isolada. Por isso, consideram-se outros problemas de saúde associados a ela no cálculo das mortes.

“A insuficiência cardíaca nunca deveria ser causa básica da morte, porque a doença é sempre secundária a alguma outra doença que é causa básica. A mais frequente é a doença cardíaca hipertensiva, a segunda é a doença isquêmica do coração e a terceira, diabetes”, explica.

A evolução da doença no país costuma provocar debates acalorados no meio médico. Enquanto alguns cardiologistas consideram que há uma epidemia silenciosa, outros descartam esse cenário.

“Temos uma epidemia ignorada por médicos, pacientes e governo”, afirmou Manoel Canesin, presidente da Rebric (Rede Brasileira de Insuficiência Cardíaca), durante o seminário Coração Fraco, realizado pela Folha.

O cardiologista Luis Correia, especializado em medicina baseada em evidência, defende que não há evidência do aumento da incidência ou da mortalidade pela doença.

“O envelhecimento populacional aumenta o número absoluto das doenças cardiovasculares em geral. Mas trabalhos epidemiológicos mundiais são consistentes em mostrar que a incidência e a mortalidade da insuficiência cardíaca estão diminuindo”, diz.

Para Correia, também é falsa a premissa de que a doença seja negligenciada. “Ela é muito respeitada por médicos e vem evoluindo em suas formas de tratamento nos últimos 25 anos”, afirma.

Salvador Rassi, presidente do departamento de insuficiência cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia, também concorda que o tratamento para insuficiência cardíaca evoluiu significativamente nas últimas décadas, mas pondera que o acesso aos medicamentos ainda é um entrave.

“Fui a uma farmácia popular na semana passada. Cheguei lá com uma lista de medicamentos para insuficiência e perguntei quais deles eu conseguiria levar sem pagar, ou seja, por quais o governo pagava. Só tinha um”, conta.

A disponibilidade de um tratamento completo para pacientes, lembrou Rassi, é fator primordial para redução de internação e, consequentemente, para a redução de gastos no setor da saúde. “Isso não é culpa do médico ou do paciente, é do sistema de saúde”, disse.

Mas não só a questão do acesso. A adesão ao tratamento e mudanças de estilo de vida por parte do paciente com insuficiência cardíaca e a capacitação dos médicos para atender esses doentes são outros importantes desafios, segundo o cardiologista Denilson Albuquerque, professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Em 2014, Albuquerque liderou um estudo (Breathe) com 1.263 pacientes de 51 hospitais públicos e privados de diferentes regiões do país que avaliou a qualidade do atendimento aos doentes com insuficiência cardíaca aguda.

Uma das conclusões foi que quase 50% dos pacientes que são internados pela doença voltam a ser hospitalizados em até seis meses após a alta. Em 40% dos casos, o retorno tem razões evitáveis, como interrupção do uso de remédios, dieta com excesso de sódio e isolamento social.

O estudo mostrou, por exemplo, que só 35% dos médicos orientam os pacientes sobre os remédios e apenas 43,5% dos doentes receberam informações sobre o reconhecimento da piora dos sintomas e consultas futuras.

“Não basta entregar a prescrição. É preciso levar em conta que muitos doentes não aderem ao tratamento. Às vezes, é preciso engajar um familiar para ajudar nisso”, diz.

Outros estudos já mostraram que entre os pacientes com doenças crônicas, a maioria idosos, cerca de 50% não tomam remédios prescritos.

Para Albuquerque, é preciso melhorar o nível de capacitação dos profissionais responsáveis pelo primeiro atendimento ao paciente cardíaco.

Segundo João Manoel de Almeida Pedroso, diretor do INC (Instituto Nacional de Cardiologia), há um projeto em parceria com a Dinamarca para o treinamento de equipes de saúde da família no acompanhamento de pacientes com a doença e prevenção dos fatores de risco. No piloto, serão seguidos mil pacientes.

Mas também existem problemas no cuidado recebido dentro dos hospitais. A taxa de mortalidade apontada pelo Breathe foi de 12,8%, o triplo do índice encontrado pelos norte-americanos e europeus.

Segundo Albuquerque, esse índice está relacionado às baixas taxas de terapias baseadas em evidências prescritas ao longo da internação.

Por meio de nota, o Ministério da Saúde informa que o SUS classifica e atende cerca de 40 doenças relacionadas ao coração, entre elas a insuficiência cardíaca, e que disponibiliza 41 remédios gratuitos para o tratamento delas.

Em relação à prevenção, diz que, entre outras ações, tem publicações que orientam a população sobre a base saudável da alimentação, como alimentos in natura ou minimamente processados, e subsidia núcleos que promovem atividades físicas.

Reforça ainda que faz capacitação da atenção primária voltada aos doentes cardíacos.

Entenda o que é insuficiência cardíaca

Coração saudável

Erika Onodera/Folhapress

- O coração funciona como uma bomba hidráulica: os músculos relaxam para encher de sangue e, depois, contraem para ejetá-lo

- O sangue que vem do corpo, rico em gás carbônico, passa pelo lado direito do coração e é mandado para os pulmões

- No pulmão, o gás carbônico é substituído por oxigênio e mandado para o lado esquerdo do coração

- O sangue rico em oxigênio é bombeado para nutrir todos os tecidos do corpo 

Coração com insuficiência sistólica

Erika Onodera/Folhapress


- As cavidades ficam finas e esticadas

 

- O órgão dilata e pode até dobrar de tamanho

- O sangue entra, mas o coração não tem força para bombeá-lo

- Causas possíveis: doenças coronarianas (como o infarto do miocárdio), doença de Chagas, miocardites (inflamações do músculo cardíaco), doenças das válvulas cardíacas e hipertensão 

Coração com insuficiência diastólica

Erika Onodera/Folhapress

 
- As cavidades ficam espessas e rígidas

- O órgão perde a capacidade de relaxamento

- Como não consegue se encher de sangue, o coração bombeia um volume pequeno para o corpo

- Causas possíveis: doenças restritivas (que deixam o coração mais rígido, como endomiocardiofibrose) e fatores que podem estar combinados –obesidade, diabetes, hipertensão, idade avançada (acima de 65 anos) e gênero (por questões hormonais, mulheres estão mais propensas a ter esse tipo de insuficiência)

Consequências
Nos dois casos, o coração não consegue bombear o sangue para nutrir os tecidos de forma adequada

Principais sintomas 

Falta de ar progressiva 
O sangue que não é bombeado para o corpo fica acumulado nos pulmões. A pessoa começa a ter dificuldade para fazer atividades que exigem esforço, como subir uma ladeira, e, depois de algum tempo, sente falta de ar para realizar tarefas simples, como escovar os dentes

Inchaço nas pernas
O sangue fica acumulado nos membros inferiores. Em alguns casos, também há aumento do volume abdominal

Fadiga
Com os órgãos e músculos mal nutridos, o indivíduo fica cansado e sem energia

Fonte: Félix Ramires, cardiologista e coordenador do programa de insuficiência cardíaca do Hcor (Hospital do Coração)

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