Descrição de chapéu 7º Fórum A Saúde do Brasil

Priorizar danos psicológicos será fundamental no pós-isolamento

Especialistas preveem crise com o adoecimento mental devido à pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A alta taxa de contágio e o número elevado de mortes diárias por Covid-19 continuam sendo as preocupações prioritárias na saúde brasileira, mas não as únicas. O adoecimento mental em decorrência da pandemia tem se delineado como uma crise emergente que vai exigir novas estratégias no atendimento à população.

Para profissionais ouvidos na sétima edição do fórum A Saúde do Brasil, realizado pela Folha na quarta-feira (26), a saída possível é apostar em uma demanda antiga dos especialistas: integrar saúde mental com a atenção primária e com os recursos comunitários.

A Rede de Atenção Psicossocial (Raps), estratégia federal que reúne os Caps (Centros de Apoio Psicossocial), as unidades de acolhimento e residências terapêuticas, é fundamental, mas insuficiente. Cuidar do bem-estar emocional dos brasileiros, em especial no pós-pandemia, dizem, exigirá outras ferramentas da saúde pública e suplementar.

Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, o acesso à psicoterapia deve ser ampliado no atendimento ambulatorial. “Manter um sistema ‘Capscêntrico’ não será suficiente”, diz.

Investir na formação continuada dos profissionais também é necessário. Débora Noal, pesquisadora da Fiocruz, diz que passar a sensação de estabilidade e de conforto para os profissionais de saúde na linha de frente do combate à Covid passa pelo sentimento de que “se sabe o que é preciso fazer”.

A capacitação ampla para o atendimento à saúde mental também ajuda a diferenciar o sofrimento do adoecimento psíquico. “É fundamental para que não se massifique a sensação de que estamos todos doentes”, explica.

A psicóloga, que já trabalhou com populações sobreviventes de desastres naturais e epidemias em diferentes continentes, acrescenta que sensações de pertencimento e acolhimento são importantes em crises como a atual.

A estratégia exige laços comunitários e familiares, mas principalmente uma política de Estado. “Políticas públicas e estratégias de comunicação em massa conseguem trazer a sensação de cuidado e configurar uma rede socioafetiva mais articulada”, diz.

Lucas Veiga, psicólogo e pesquisador sobre questões raciais e anticoloniais​, reforça que há uma “trama de problemas” a ser interseccionalizada com a assistência à saúde mental.

“A condição de vida da população periférica, majoritariamente negra, tem efeito na saúde mental. Viver na precariedade é estressante, e isso pode desencadear quadros de comorbidade física, que contribuem para a letalidade do coronavírus”, diz.

Veiga propõe que o exemplo dado por bairros periféricos como Paraisópolis (SP) e Complexo do Alemão (RJ), nos quais a própria população foi às ruas oferecer cuidados aos moradores, deve ser seguido pelo Estado.

O programa de Estratégia de Saúde da Família, diz, é uma das ferramentas que, se fortalecida, pode ajudar na construção do vínculo comunitário e na compreensão coletiva do sofrimento causado pela pandemia.

Apesar de não ser uma preocupação exclusiva brasileira, a possível crise de saúde mental se insere em um quadro delicado quando levado em conta o histórico nacional.

Ao lado do Chile e do Paraguai, o Brasil lidera o ranking de países das Américas nos quais os transtornos mentais mais afetam a qualidade de vida dos cidadãos, segundo relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Entre as principais causas que prejudicam a saúde dos brasileiros, 36% estão ligadas ao adoecimento mental, especialmente depressão (9,3%) e transtornos de ansiedade (7,5%).


Veja vídeo do debate abaixo.


“A gente já vivia no mundo uma epidemia de doenças mentais. Existia um gargalo grande, uma dificuldade de acesso ao tratamento”, afirma Eduardo Tancredi, médico psiquiatra e sócio-fundador da eCare, startup paulista especializada em transtornos mentais​.

Para Tancredi, as barreiras já começam no “preconceito e desconhecimento do que seja a doença mental”.

Em meados de agosto, a Opas, braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, alertou que a pandemia “causou uma crise de saúde mental em escala nunca vista na região”, e apelou aos governos para que expandam e invistam em serviços para mitigar esse tipo de consequência.

“A priorização da saúde mental não deve ser motivada só pela pandemia. O capital mental, ou seja, as habilidades cognitivas do indivíduo, é uma curva que começa na fecundação e vai até o final da vida. Existem diversos fatores que podem atuar positiva e negativamente”, diz Tancredi. “O cuidado deve estar desde o início da vida, para que essa curva seja crescente”, conclui.

O fórum de saúde foi realizado com patrocínio da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), Rede D’Or São Luiz e SulAmérica.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.