Escuta foi a base da filantropia empresarial na crise sanitária

Para debatedores, é preciso ouvir quem precisa de ajuda para direcionar recursos

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São Paulo

A habilidade da escuta talvez tenha sido um dos principais aprendizados que este ano de 2020, conduzido pela crise sanitária, trouxe para o empreendedorismo de impacto social.

Grandes e pequenas empresas não só correram para apoiar as parcelas populacionais mais afetadas pelas consequências socioeconômicas da pandemia como também buscaram ouvir as comunidades para definir qual era a ajuda prioritária.

A avaliação é dos participantes do webinário Boas Práticas na Resposta à Covid-19, realizado nesta segunda (7), durante a cerimônia de premiação do Empreendedor Social, concurso conduzido pela Folha e pela Fundação Schwab.

No evento, foram apresentados e debatidos os casos inspiradores selecionados entre os 414 inscritos deste ano.

A parceria com organizações do terceiro setor foi fundamental, diz o gerente corporativo de impacto social da Ambev, Carlos Eduardo Pignatari. “Essas organizações permitem alcançar quem está precisando e ter capilaridade suficiente para entender demandas específicas, em vez de chegar sempre com a mesma solução.”

Segundo Pignatari , “se no momento as pessoas estivessem precisando de álcool em gel, era isso que a gente levaria. É uma questão de ouvir, de ter essa escuta ativa”.

Luis Fernando Guggenberger, gerente-executivo de inovação e sustentabilidade da Vedacit, acrescenta que o momento também é de flexibilizar estratégias para pôr em primeiro plano o que for prioritário para a sociedade.

“Aprendemos que é hora de rasgar um pouco o planejamento estratégico que fazemos em médio e longo prazo e atacar a emergência para apoiar as populações”, afirma.

Até segunda-feira (7), pouco mais de R$ 6,4 bilhões haviam sido doados para o enfrentamento à Covid-19 no país, de acordo com o monitor das doações da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos). Desse montante, 85% foi cedido por empresas.

Segundo Marcia Woods, presidente do conselho da ABCR, o volume de doações tem caído ao longo das últimas semanas, ainda que a demanda de auxílio às populações mais vulneráveis siga alta. Apesar disso, é possível notar uma mudança na cultura de filantropia. “Muitas empresas acostumadas a doar anualmente fizeram aportes para além do que já haviam comprometido”, diz.

O avanço tecnológico permitiu que indivíduos, não somente empresas ou instituições, pudessem se engajar no movimento.

“A criação de fundos é bem democrática. Você tem grandes doadores, como empresas e pessoas de alto poder aquisitivo, mas também plataformas de financiamento coletivo, que permitem doações a partir de R$ 5 ou R$ 10”, diz Woods.

De acordo com ela, mudanças no sistema econômico, como a chegada do Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, devem facilitar o engajamento de doações de pessoas físicas e jurídicas.

A tecnologia não só foi importante para operacionalizar a doação, mas também moveu muitas das soluções criadas por empresas para apoiar o poder público e a sociedade.

O Senai, por exemplo, criou um projeto de conserto de ventiladores pulmonares estruturado a partir da junção do conhecimento técnico com o trabalho em rede.

“Ninguém inova sozinho. A tecnologia está à disposição da sociedade, mas precisamos proporcionar isso de forma rápida”, diz o gerente-executivo de inovação e tecnologia do Senai, Marcelo Prim. “A principal mensagem é a de que inovação tecnológica é, sim, um investimento que se reverte em benefícios sociais.”

Já a Vedacit, segundo o gerente-exetutivo Guggenberger, apoiou três hospitais da região norte de São Paulo —Conjunto Hospitalar do Mandaqui, Hospital Geral Vila Penteado e Hospital da Vila Nova Cachoeirinha.

A concorrência, nessas horas, deve ser colocada em segundo plano, afirma. “Chegamos a trabalhar com os nossos concorrentes do ramo da construção civil para levar materiais aos hospitais da região.”

Os debatedores concordam que, para assegurar um cenário contínuo de doações, a governança —tanto pública quanto privada— é importante, em especial para definir as prioridades no alocamento das verbas.

“Caminhamos para uma segunda onda e os desafios possivelmente são diferentes. Vemos as vacinas sendo desenvolvidas, e o grande desafio provavelmente será a distribuição e refrigeração delas”, afirma Marcelo Prim. “Precisamos de uma coordenação nacional para que as prioridades sejam definidas.”

Se o olhar do empreendedorismo social tem se atentado a ações que mitiguem os impactos da pandemia, ele se volta também para o que vem depois.

“É importante pensar em como fortalecer os microempreendedores sociais para que permaneçam ativos e, assim, garantir que esse ecossistema permaneça vivo para enfrentar o que veremos no pós-guerra”, diz Guggenberger, da Vedacit.

Para ele, as lideranças, sejam políticas, empresariais ou comunitárias, são essenciais. “Temos observado uma ausência de lideranças positivas no país, sendo que elas têm papel fundamental quando baseadas em valores de uma sociedade democrática."

Pesquisa do Instituto Datafolha em parceria com a Ambev divulgada nesta semana mostrou que a falta de apoiadores financeiros é a principal dificuldade para as organizações sociais se manterem no pós-pandemia.

Pignatari, da Ambev, acredita que aprimorar a gestão das organizações será imprescindível em um cenário menos favorável. A empresa do ramo de bebidas possui, desde 2018, um programa de mentoria para ONGs, o Voa, com mais de 330 participantes de todo o país. Durante a pandemia, todo o material foi disponibilizado online e gratuitamente para quaisquer organizações.

“É preciso entender, em um cenário com menos recursos, o que se pode deixar de fazer e o que é preciso priorizar”, diz.

Manter o engajamento de doações, dizem os debatedores, é um dos principais desafios daqui para a frente.

O webinário teve mediação de Eliane Trindade, editora do prêmio Empreendedor Social. O prêmio foi apresentado pela atriz Maria Gal e pelo colunista da Folha Zeca Camargo.


Assista à íntegra do webinário:


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