Descrição de chapéu Doenças Raras 2021

Pandemia afetou tratamentos da maioria dos pacientes raros

Pesquisa mostrou que a quase totalidade (99%), em um grupo de 1.466, sofreu algum tipo de interrupção no tratamento

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Amarilis Lage
Rio de Janeiro

O acesso a diagnóstico, exames e tratamento, que já era descrito pelos pacientes raros como uma verdadeira odisseia, ganhou novos obstáculos com a pandemia. Serviços foram interrompidos, acarretando risco de danos irreversíveis ou até fatais. A telemedicina trouxe certo alento, mas a demanda reprimida preocupa bastante.

Uma pesquisa brasileira feita com 1.466 pacientes mostrou que a quase totalidade (99%) sofreu algum tipo de interrupção no tratamento. Cerca de 71% tiveram exames cancelados ou adiados, e 68% relataram suspensão das terapias de reabilitação.

À frente do estudo está Ida Schwartz, chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um dos centros de referência em doenças raras no país, cuja fila para a primeira consulta reúne cerca de 2.000 pessoas. Cancelado no início da pandemia, o atendimento foi aos poucos retomado, mas de forma parcial: agora são cerca de 25 primeiras consultas por mês, metade do normal.

“Para contornar o problema, a equipe passou a oferecer consultas virtuais, como ocorreu em outros centros. Segundo a pesquisa, 70% dos entrevistados recorreram à telemedicina durante a pandemia.”

No Rio, membros da Associação Carioca de Distrofia Muscular (Acadim) usaram o Whatsapp para colocar os pacientes mais graves em contato com profissionais da saúde. Doenças neuromusculares podem afetar a musculatura respiratória e requerer o uso diário do Bipap, um aparelho que insufla ar no pulmão, fornecido pelo SUS.

“As visitas mensais dos fisioterapeutas foram suspensas, mas os serviços passaram a fazer chamadas de vídeo para, por exemplo, ver se o aparelho precisava ser trocado”, conta Maria Clara Barbosa, presidente da Acadim.

Mas até a telemedicina requer suporte, afirma Cristiano Machado Silveira, presidente da Associação Carioca de Assistência a Mucoviscidose (Acam). Segundo Silveira, na Inglaterra e nos EUA foram disponibilizados equipamentos, como oxímetro e espirômetro, para que os pacientes pudessem se automonitorar e enviar os dados aos médicos. “Uma coisa é um teleatendimento em que o paciente pode passar dados importantes, outra é só abrir uma câmera e responder perguntas.”

Graças a uma doação, a Acam obteve oxímetros pediátricos, entregues aos pacientes com menos de 12 anos.

Já o Instituto Vidas Raras levantou fundos de cerca de R$ 800 mil para bancar o tratamento domiciliar de alguns pacientes, conta Regina Próspero, presidente da associação. “Nossa maior preocupação foi com quem precisa de reposição enzimática, procedimento feito uma vez por semana, geralmente em hospital-escola”. O dinheiro permitiu levar o tratamento a 111 pacientes ao longo de meses.

Alguns procedimentos, porém, só podem ser feitos em ambiente hospitalar, e a dentista Grazielle Azevedo, que tem esclerose múltipla, sentiu na pele como o acesso a esses serviços ficou mais complicado. Sempre que tem um surto da doença, Grazielle é internada para receber uma dose elevada de corticóide por via venosa. Da última vez, na pandemia, isso não foi possível.

Como a médica que a acompanha há anos é idosa e não podia atendê-la no hospital, o caso foi encaminhado a outra profissional, que viajou na última hora. Grazielle só soube disso quando já estava internada. “Ninguém teve compaixão para assumir meu caso”, lembra ela, que saiu do hospital sem o tratamento e teve de tomar corticóide oral, opção que traz resultados mais lentos e lhe causa muito mais efeitos colaterais.

Ida Schwartz diz que a situação no Brasil não difere muito da relatada em estudos feitos na Europa: em geral, o sistema de saúde focou no combate à Covid e se fechou para o restante. Além da telemedicina para manter o atendimento, a médica também defende a necessidade de promover, em breve, mutirões para suprir a demanda reprimida por exames e tratamentos.

Procurada, a Coordenação-Geral das Pessoas com Doenças Raras (vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) apresentou como principais ações desenvolvidas durante a pandemia a produção de uma cartilha, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), e o apoio à pesquisa feita pelo HC de Porto Alegre.

O órgão destacou ainda a criação, em dezembro de 2020, do Comitê Interministerial de Doenças Raras, que visa realizar estudos sobre temas que afetam essa população, de modo a articular ações relacionadas, por exemplo, a medicamentos de alto custo, triagem neonatal e INSS.

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