Professores de matemática enfrentam falta de recursos didáticos e financeiros durante licenciatura

Taxa de desistência durante formação fica em torno de 70%, superior à média geral do sistema universitário

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São Paulo

O Brasil enfrenta um déficit geral de professores, sendo a área de exatas a mais afetada. Estudo do Instituto Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior) divulgado em 2022 calculou que a educação básica pode enfrentar um déficit de 235 mil professores até 2040.

No caso da licenciatura em matemática, um dos principais gargalos começa já na formação de professores, cuja taxa de desistência fica em torno de 70%, bem superior à média geral do sistema universitário.

Eloá Cristina da Silva Lemes, 22, estudante do terceiro semestre de licenciatura em matemática
Eloá Cristina da Silva Lemes, 22, estudante do terceiro semestre de licenciatura em matemática - Jardiel Carvalho/Folhapress

Para especialistas e alunos, a baixa taxa de conclusão é consequência de fatores como a desvalorização da carreira docente no país e a falta de condições socioeconômicas para permanecer no curso, além de um acúmulo de dificuldades acadêmicas que os ingressantes carregam desde a educação básica.

"Temos no Brasil uma cultura de desvalorização do professor, não somente o de matemática. De um modo geral, todos são financeiramente desvalorizados, em comparação as outras profissões", afirma Rogério Grotti, professor de matemática no Instituto Federal Farroupilha, no Rio Grande do Sul.

Ele explica que, como consequência, pessoas facilidade na área de exatas tendem a escolher um curso de engenharia, por exemplo, cuja rentabilidade financeira é maior.

Ao longo de seus 34 anos de experiência, Grotti diz ter observado que, entre os alunos que ingressam na licenciatura, há dois principais grupos. No primeiro, estão os estudantes com pré-disposição ao aprendizado da matemática. "Ele foi estimulado em algum momento da vida a gostar da matemática. É o que acaba concluindo o curso", diz.

O segundo grupo, a maioria, abarca quem não conseguiu ingressar em suas primeiras opções e decide dar uma chance ao curso, que frequentemente tem vagas excedentes e nota de corte menor.

Estudante do terceiro semestre de licenciatura em matemática no Centro Universitário Braz Cubas de Mogi das Cruzes (SP), Eloá Cristina da Silva Lemes, 22, aprendeu a enxergar os números como parte da vida com o avô, que usava grãos de feijão e exemplos sobre o troco do pastel para explicar a disciplina.

"Eu decidi fazer matemática para mostrar sua beleza para as próximas gerações. Tem muita gente que vê a matemática com um olhar meio crítico por ela ser um pouco difícil, mas quero poder demonstrar a essência dela, que está em tudo na vida", conta.

Sua expectativa é traduzir os números para alunos no futuro, mas a formação é um desafio.

Ela conta que optou pelo modelo de ensino a distância. O aprendizado fica restrito às apostilas, webconferências com professores e aulas extras no YouTube. "É uma formação muito simples para futuros professores, que vão ensinar outros alunos."

De acordo com Thiago Santos, 38, professor de matemática do Instituto Federal de São Paulo em Campos do Jordão (SP), todos os cinco alunos que se formaram em licenciatura no final ano passado tinham em comum o fato de não precisarem trabalhar ao longo da graduação. "Não eram de famílias ricas, mas tinham suporte familiar", diz.

Estudante do penúltimo semestre de licenciatura em matemática na USP (Universidade de São Paulo), André Rosenbaum Coelho, 21, vai se formar neste ano. Ele sonhava em ser professor já durante o ensino básico, mas tinha dúvidas entre matemática e história. No segundo ano do ensino médio, um docente de matemática desempatou a disputa.

Durante o terceiro ano, aos 17, Coelho deu aulas como voluntário em um cursinho popular e, em seguida, ingressou na licenciatura. Em 2023, já às vésperas de se formar, os planos mudaram.

Foto mostra um caderno cheio de contas e uma lapiseira sobre ele
Eloá se apaixonou pela matemática através do avô e, após sua morte, decidiu se tornar professora - Jardiel Carvalho/Folhapress

"Eu comecei a fazer iniciação científica em matemática, na área de teoria dos números, e me apaixonei por isso. Hoje o meu plano é terminando a graduação, seguir para o mestrado na matemática e ir nesse caminho da carreira acadêmica", conta. Mesmo assim, não descarta a possibilidade de dar aula no ensino médio depois de formado.

Embora afirme ter gostado da experiência de estar em sala, diz não ter se sentido preparado durante a graduação para ministrar o conteúdo.

O estudante reivindica mais semestres para discutir o ensino da matemática na educação básica, com disciplinas que articulem teoria e prática. "É o que eu esperava ver no curso e vi muito pouco".

Segundo ele, há apenas uma disciplina de estágio em que os graduandos acompanham professores da rede de ensino em sala de aula, com duração de um ano. Sobre os conteúdos da educação básica, ele diz ter apenas um semestre voltado ao tema.

O déficit na formação desses professores tem impacto no desempenho de alunos do ensino básico que, por consequência, podem se tornar novos graduandos a ingressarem na licenciatura e desistir.

Nedir do Espírito Santo, professora associada de matemática na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) desde 1977, acrescenta que condições de trabalho, como redução da carga horária na educação básica, pressionam e desestimulam ainda mais.

"Chegam no mercado e as condições de trabalho, junto com a desvalorização salarial, fazem com que reduzam a qualidade das aulas e acabem tentando sobreviver, mais do que exercendo a profissão da melhor forma."

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