Olimpíadas de matemática ajudam alunos a chegarem à universidade

Competição estimula o gosto pelo estudo e dá bolsas a medalhistas de escolas públicas

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Luciana Alvarez
Lisboa

Olimpíadas de matemática atraem milhões de estudantes todos os anos e, como em qualquer competição, premiam os melhores. Mas, para além de entregar medalhas, elas podem estimular nos alunos o estudo autônomo e o gosto pelo tema.

Eduardo Alves da Silva, 30, que hoje faz pós-doutorado em matemática na França, conta que se sentiu estimulado a aprender mais sobre a disciplina em 2005, com a primeira edição da Obmep (Olimpíada Brasileira de Matemática da Escola Pública). "Procurava sempre livros didáticos de séries mais avançadas. Participar da Olimpíada foi um desafio para mim, mas eu nem sabia o potencial que teria", diz. Ganhou uma medalha de prata, em 2008, e duas de bronze, em 2009 e 2011.

Jovem de óculos e cabelos encaracolados usa blusa azul e posa em meio a estante de livros
A estudante Natália Lopes na sede do Impa (Instituto de Matemática Pura Aplicada), no Rio, onde está fazendo um curso - Eduardo Anizelli/Folhapress

A Obmep é a maior competição científica do país. No ano passado, reuniu na primeira fase 18 milhões de estudantes de 55 mil escolas (incluindo particulares).

Os medalhistas têm direito ao PIC (Programa de Iniciação Científica), que oferece aulas avançadas de matemática e concede, via CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), bolsa de R$ 300 aos matriculados em escolas públicas.

Quando um premiado entra no ensino superior, tem acesso ao PICME (Programa de Iniciação Científica e Mestrado), que também concede bolsas.

As bolsas e o programa de iniciação fizeram com que Eduardo mergulhasse de vez na matemática. "Os cursos me estimularam e permitiram que continuasse estudando. Nunca passei fome, mas era de uma família muito humilde de Vacarias [RS]. Sem a bolsa, dificilmente teria conseguido terminar a faculdade."

Claudio Landim, coordenador da Obmep e pesquisador do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), destaca que a competição não exige conhecimentos específicos. "Para ir bem na prova, é preciso ter criatividade, imaginação e capacidade de raciocínio. As questões são pensadas para detectar talentos mesmo onde o ensino não é bom. Depois, ajudamos a formar esse talento, para que tenha impacto na sociedade."

Neste ano, a entidade inaugura seu curso de graduação em matemática da tecnologia e inovação, com início das aulas em abril. A seleção levou em conta o desempenho em cinco competições desse tipo, incluindo a Obmep.

No geral, as disputas têm três níveis de dificuldade, de acordo com a escolaridade, e duas fases. Na Obmep, a primeira fase é classificatória, composta por 20 questões de múltipla escolha. Na segunda, há seis questões discursivas.

Cocal dos Alves, cidade de 5.000 habitantes no sertão do Piauí, foi impactada pela Olimpíada. Na primeira edição, em 2005, teve 25 aprovados para a segunda fase e 19 premiados. Desde então, foram vários medalhistas.

Retrato de Sandoel, que é um homem branco, com cabelos e barba castanhos; ele usa um óculos de grau com armação preta e veste uma camisa azul-marinho; Sandoel está com a fisionomia séria
O professor de matemática Sandoel Vieira, na Universidade Federal do Piauí, em Teresina, onde leciona - Renato Andrade/Folhapress

Sandoel Vieira, hoje professor de matemática na UFPI (Universidade Federal do Piauí), foi um dos estudantes que passaram para a segunda fase em 2005, embora sua primeira medalha, de ouro, só tenha vindo um ano depois (conquistou mais duas de ouro e duas de bronze).

"A gente não tinha TV a cabo nem internet na cidade. Era tudo sempre igual. A Olimpíada foi algo diferente que apareceu, mas a gente achava que não teria a menor chance", diz.

As primeiras medalhas estimularam a vontade de continuar. Nesse processo, o apoio do professor de matemática foi fundamental. "A gente estudava na varanda da casa do professor Amaral, no tempo livre. Ele deixava tudo divertido e, mais importante, acreditou na gente quando nem mesmo a gente acreditava", afirma.

Vários alunos do professor Amaral são hoje médicos, contadores, fisioterapeutas e, claro, matemáticos. "Em 15 anos, o paradigma da cidade mudou", acrescenta Sandoel.


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Cocal dos Alves teve 330 de nota média no Saeb 2021 (Sistema de Avaliação da Educação Básica) no ensino médio. A média do Brasil é de 287, numa escala que vai até 500.

Antônio do Amaral, o professor Amaral, diz que o impacto da competição depende de como a escola a aproveita. "A disciplina é considerada desafiadora, mas a gente foi conseguindo criar um clima agradável para o estudo. A Olimpíada mexe com a vontade dos jovens, que passam a entender como algo possível."

De uma família de lavradores, Natália Lopes, 21, está terminando a graduação em matemática e já foi aprovada para o mestrado na UFPI. Durante estas férias, foi ao Rio de Janeiro fazer um curso no Impa.

"Sempre vi que a Obmep era a minha chance de fazer uma faculdade. Tentei todos os anos, desde o sexto. Só consegui no segundo ano do ensino médio [prata] e, depois, no terceiro também [bronze]."

Para ela, outra vantagem foi criar o hábito de estudar de modo autônomo. "Usei livros didáticos para me preparar para o Enem. Não tinha internet, só um celular velho."

Na família, ela não deve ser a única a chegar à faculdade: sua irmã mais nova já ganhou uma medalha bronze e sonha com a graduação.

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