Descrição de chapéu mercado de trabalho

Após 30 anos da lei de cotas, deficiência ainda é alvo de discriminação

Pesquisa do governo de SP aponta que 66% dos que estão empregados relataram dificuldade de entrar no mercado

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São Paulo

O ano de 2021 marca o aniversário de 30 anos da lei federal que instituiu cotas de 2% a 5% para pessoas com deficiência no quadro de empresas que, caso a descumpram, podem arcar com multas. Na prática, porém, a norma, além de não ser seguida, não conseguiu transformar a cultura corporativa.

Em pesquisa conduzida durante dezembro de 2020 e janeiro de 2021 pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 15,29% dos 8.485 entrevistados de 18 a 64 anos nunca ingressaram no mercado de trabalho. Dos que ingressaram, 65,93% afirmaram ter passado por dificuldades para entrar no mundo profissional.

“Muitas empresas dão desculpas como falta de qualificação e de acessibilidade”, afirma Carolina Ignarra, fundadora da consultoria de inclusão e diversidade Talento Incluir. Para não contratar pessoas com deficiência, segundo ela, outro argumento é que, com a crise, precisam demitir e manter os melhores, dando a entender que a pessoa que entra pela cota não é boa.

A dificuldade de ingresso mais relatada (19,99%) pelos entrevistados foi que os empregadores pareciam olhar antes para a deficiência do que para as habilidades, o que é chamado de capacitismo.

Esse foi o caso do administrador de empresas Darley Oliveira, 27, que é cego, quando tentava vaga para atuar em uma consultoria, em 2019. “Era para fazer a mesma coisa que eu fazia em outra empresa, e eu conseguiria mostrar que saberia desempenhar o trabalho se me perguntassem.” Quando informou a cegueira total e uso de cão-guia, porém, Darley ouviu da recrutadora que o gestor estava procurando alguém com deficiência visual menos severa.

Homem de camiseta e bermuda sentado no sofá, acariciando uma golden retriever com equipamento de cão guia
O administrador Darley Oliveira, 27, e a cadela Clark em casa, em São Paulo Gabriel Cabral - Gabriel Cabral/Folhapress

“Tem que olhar a experiência, conversar, pedir para realizar atividades. Não dá para barrar a pessoa pelo laudo”, afirma Ignarra.

Na empresa onde trabalha hoje, antes de entrar em home office devido à pandemia, Darley podia levar o cão-guia, no caso a cadela Clark, e contava com apoio de um jovem aprendiz, que foi contratado especificamente para acompanhá-lo. Ele conta que, durante o processo seletivo, o gestor perguntou do que ele precisava, desde o equipamento ao auxílio. Além disso, no recrutamento do auxiliar dele, uma das perguntas foi: como você poderia ajudar um colega com deficiência visual?

Para Flávio Gonzalez, executivo de negócios sociais do Instituto Jô Clemente, antiga Apae-SP, a inclusão é sabotada se a empresa não cria uma política de olhar para o outro, eliminando barreiras.

“A pessoa acaba ficando deslocada, subaproveitada e, muitas vezes, termina sendo desligada ou querendo se desligar”, afirma o executivo.

Para Célia Leão, secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência em São Paulo, a lei de cotas não existe apenas para garantir a renda de um emprego para a pessoa com deficiência, mas para “afirmar que a pessoa com deficiência também trabalha”. Ela acredita que a inclusão não deve ser vista como gasto, mas como investimento. “A independência, além de financeira, é de vida. Sentir-se útil, poder produzir. O mercado tem que ter esse olhar.”

A lei de cotas, porém, além de ainda não ser suficiente para mudar a cultura de algumas empresas, sofre tentativas constantes de flexibilização. A mais recente, retirada de pauta do Senado no dia 28 de abril, previa que, na ausência de pessoas com deficiência habilitadas para cumprimento da vaga, pais de pessoas com deficiência também pudessem ser contratados dentro da lei de cotas.

Para Flávio Gonzalez, o projeto insinuava que não há pessoas habilitadas para as vagas previstas na lei. “A rigor, você preencheria a cota das pessoas com deficiência com pessoas que não tem deficiência, o que distorce todo o propósito da lei”, diz.

O desemprego entre os entrevistados da pesquisa conduzida pela secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência atingiu 35,05%, mais de 20 pontos percentuais acima da média nacional do país para o trimestre (dezembro a fevereiro), que ficou em 14,4%.

Formado em administração de empresas em 2009, Robson da Silva, 38, foi demitido em novembro de 2019. No mês seguinte, entrou em processos seletivos, mas, com a pandemia, muitos deles foram congelados. Desde então, ainda não conseguiu se recolocar.

“Falta empatia às empresas”, diz Robson, que é deficiente visual. Ele afirma que se sente privilegiado por poder contar com as cotas, mas que só isso não é suficiente. “Nós não queremos só preencher uma cota, queremos ser valorizados e desenvolvidos como profissionais”, diz.

Durante a pandemia, foi proibida a demissão de pessoas com deficiência sem justa causa, mas o agravamento da crise econômica dificultou ainda mais a contratação.

“O problema da inclusão não é a falta de pessoas com deficiência [qualificadas]. É a falta de acessibilidade e apoio, barreira que as empresas impõem”, diz Flávio Gonzalez, do Instituto Jô Clemente.

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