Descrição de chapéu mercado de trabalho

Veja desafios e experiências de jovens autistas no mercado de trabalho

Edição da newsletter Folha Carreiras trata sobre a inclusão de pessoas do espectro autista

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São Paulo

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tema da semana: jovens autistas no mercado de trabalho

Hoje vamos entender como é ser um jovem autista no mercado de trabalho, mas antes vou explicar algo muito importante:

→ O transtorno do espectro autista não é uma doença, mas um conjunto de condições que nascem com a pessoa e que afetam em graus variáveis a comunicação, a socialização e o processamento de informações, afirma a médica especialista em autismo Raquel Del Monde.

→ Ter dificuldade de comunicação e de entender a intenção das pessoas, fazer movimentos repetitivos, ter hiperfoco (foco excessivo numa só situação) ou disfunção sensorial são alguns dos sintomas que autistas manifestam.

Na imagem, a mulher usa um colar com girassóis que identifica pessoas com deficiência invisíveis como autismo e TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) - Carolina Jaramillo/Adobe Stock

Quer saber mais sobre o assunto? A Folha ouviu neurologistas e psiquiatras para esclarecer 12 mitos e verdades sobre pessoas com autismo (leia aqui).

Agora, sim, vamos falar sobre trabalho.

Quais as dificuldades de jovens autistas no ambiente profissional?

  • Visões estereotipadas, como se autistas fossem gênios. Del Monde diz que há pessoas com esse perfil, mas generalizar pode criar expectativas sobre o profissional que não serão correspondidas;
  • Desconhecimento sobre o que é o autismo e quais características essas pessoas podem agregar na equipe;
  • Equipes de RH despreparadas para receber esses profissionais.

Como mudar esse cenário? Alô, organizações, explico para vocês:

1. Observe o ambiente: veja quais mudanças podem ser feitas e que regras deve ser liberadas para aliviar estímulos sensoriais.

  • Por quê? Alguns autistas com hipersensibilidade ao som, por exemplo, preferem trabalhar usando fones de ouvido com cancelamento de ruído para suspender os barulhos do ambiente.

2. Repense os processos seletivos: reveja requisitos e dinâmicas na hora de buscar candidatos para atender autistas com dificuldades de se comunicar ou de interagir.

  • Por quê? Pode acontecer do autista não conseguir participar de uma dinâmica em grupo ou olhar diretamente nos olhos do recrutador e ficar introvertido, diz Marcelo Vitoriano, CEO da Specialisterne Brasil, organização social que prepara e conecta autistas a vagas de emprego.

3. Depois da contratação... Crie uma rotina de diálogo e acompanhe esses profissionais para entender, junto a eles, melhorias que podem ser feitas no ambiente de trabalho.

Relato de quem já faz isso...

A SAP Brasil, empresa de software corporativo, tem o programa "Autism at Work" focado em contratar pessoas no aspectro autista desde 2013.

As contratações começaram para a área administrativa e depois expandiram para outros segmentos.

  • Como é: a adaptação inicia na entrevista de emprego, porque a companhia notou uma dificuldade do autista em falar sobre suas habilidades e conseguir se vender, diz Eliane DeMitry, gerente de relacionamento de pessoas da SAP.
  • Então... A equipe de RH faz as entrevistas acompanhada do gestor da área, de alguém da Specialisterne Brasil e de uma pessoa denominada "buddy" —funcionário que dá suporte para o autista.

Por que contratar uma pessoa no espectro autista? Traz diversidade à organização, estimula as pessoas ao diálogo, à resiliência, ao entendimento do outro, e amplia perspectivas de mundo. Tudo isso constrói um ambiente saudável de trabalho, diz Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, consultoria de sustentabilidade e diversidade.

  • Além disso... Se o hiperfoco do autista coincidir com a área ofertada, ele pode deslanchar no cargo, porque é o segmento que ele gosta e no qual consegue focar seu interesse, diz Del Monde.


"Sou autista. Devo falar isso nas entrevistas de emprego?" Isso vai depender se você se sentir confortável em compartilhar.

  • É recomendado compartilhar, defende Del Monde, especialmente para que as pessoas conheçam mais sobre o autismo e possam fazer adaptações para melhorar o ambiente de trabalho.
  • Porém, devido ao pouco conhecimento das pessoas sobre o autismo, é possível ter respostas negativas, afirma a médica.


Importante saber: os autistas são considerados pessoas com deficiência, segundo a lei 12.764 de 2012 que institui a proteção dos direitos de pessoas autistas. Por isso, podem ocupar cargos na empresa que sejam destinados aos PCDs.


Minha Experiência

Jovens autistas contam desafios relacionados ao mercado de trabalho.

tais tan - news carreiras
Taís Tan, 26, formada em economia, ela trabalha com os pais mas está a procura de um novo emprego - Leitor

Taís foi diagnosticada com autismo em janeiro deste ano. "É como se tivesse nascido de novo", diz sobre a descoberta

Ela lida com ansiedade e descobriu que tem TDAH. É uma pessoa superdotada com altas habilidades em entender ciências exatas e linguagens de programação.

Desafios nas experiências profissionais: "Percebi que tinha dificuldade em prestar atenção quando minha gestora falava. Se ela apontava um detalhe faltando em um material específico para uma reunião, eu não conseguia me concentrar no que ela estava pedindo. Parecia que o assunto entrava na minha cabeça, mas saía no mesmo momento. Para me organizar melhor, ela pedia para calcular quanto tempo gastava em cada atividade e, apesar de parecer algo simples, não era na minha cabeça. Me sentia inútil e começava com processo de autossabotagem".

Nas entrevistas de emprego, você compartilha sua condição? Ainda tenho muito receio em falar ou assinalar na ficha de inscrição que sou uma pessoa com deficiência. O autismo entra como pessoa com deficiência intelectual. O fato de colocar que sou PCD me incomoda, porque não é uma deficiência, é um funcionamento [do cérebro] diferente do normal.

Taís diz que há vagas em que não menciona ser PCD por acreditar que terá mais chances de passar. "Fiz até um teste com vagas para as quais eu tinha todos os requisitos, mas não mencionava que tinha autismo, e tive mais chances de prosseguir para outras etapas."

Isabela Brelaz - news carreiras
Isabela Brelaz, 20, estudante de administração e estagiária de pesquisa de mídia - Leitor

Isabela também recebeu um diagnóstico tardio. Ela descobriu que é autista em fevereiro e também tem ansiedade e depressão.

Depois do diagnóstico, Isabela buscou na faculdade pessoas com quem poderia partilhar suas vivências como autista.

"Por mais que eu converse com meus amigos, eles nunca vão entender. Ao buscar essa rede de apoio, fui informada que ainda não existia nenhuma iniciativa. Então, criei o coletivo Fecatipícos. Foi incrível poder conhecer pessoas que me entendem".

Desafios nas experiências profissionais: Isabela diz que seu primeiro emprego era com atendimento ao cliente. "Eu trabalhava em home office e a minha maior dificuldade era em relação ao sono, porque tenho a mente muito agitada e não consigo dormir. Chego da faculdade e meu cérebro ainda está pensando na aula".

Já na segunda experiência..."Agora, meu estágio é trabalho híbrido. A dificuldade é o excesso de coisas ao mesmo tempo. Em dias corridos, quando estou fazendo algo e recebo outra demanda, começo e não consigo terminar aquilo que estava fazendo antes. Nos dias presenciais, tenho dificuldade em entender ironias e sarcasmo. Às vezes, meu chefe ou alguém da minha equipe faz algumas brincadeiras que não entendo. Eu acho que é sério. Fico pensando, será que se eu perguntar, serei estraga prazer?".

Falou com o gestor sobre sua condição? "Conversei com a equipe e fui acolhida. Inclusive, um dos diretores de outra área também declarou ser autista".

Caio Bogos - news carreiras
Caio Bogos, 27, fundador da aTip, startup focada em dar acesso e viabilizar empregabilidade aos autistas - Renata Carelli / Expande Comunicação

A aTip, startup fundada por Caio, surgiu em 2019 com soluções voltadas para crianças autistas. Ele percebeu, porém, que teria mais potencial focando em adultos com essa condição. "Há altos índices de desemprego entre a comunidade autista e, ao mesmo tempo, as empresas estavam começando a buscar diversidade e inclusão. Por isso, em 2020, mudamos o rumo da aTip".

Foi quando ele também descobriu que era autista. "Foi a partir do contato com a comunidade que fui percebendo algumas características que tinham consonância com as pessoas autistas, principalmente nos casos de interação social. Tive o diagnóstico há um ano."

Desafios nas experiências profissionais: "Tive problemas de relacionamento em todas as empresas que trabalhei. Por isso, era interpretado como uma pessoa grossa e direta. Achavam que eu era metido e antissocial. Minhas avaliações diziam que eu era bom tecnicamente, mas não no nível de relacionamento. Sou uma pessoa introspectiva e evito ambientes aglomerados".

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