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Vale do Silício não espera relacionamento amistoso com Biden

Democrata Barack Obama apoiou setor, mas big techs vivem outro momento

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Kiran Stacey Richard Waters
Washington e San Francisco | Financial Times

Se os executivos do Vale do Silício esperavam que o próximo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, promoveria o tipo de relacionamento amistoso que desfrutaram na época de Barack Obama, eles rapidamente se desiludiram dessa ideia na manhã de domingo (8).

Horas depois que o presidente eleito discursou, o seu chefe de imprensa, Bill Russo, retuitou uma foto enviada pelo comediante e cineasta Sacha Baron Cohen. A imagem mostra o presidente de saída, Donald Trump, encontrando-se com o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, e comenta: "Um já foi, falta o outro". Russo acrescentou seu próprio comentário: "Diabos, sim".

Foi o sinal mais claro de que a equipe de Biden compartilha a antipatia por Zuckerberg e seus colegas magnatas do Vale do Silício, que cresceu entre os democratas nos últimos quatro anos.

Em 2011, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, esteve na sede do Facebook, em Palo Alto, onde participou de encontro com o presidente da rede social, Mark Zuckerberg; os tempos era outros e as relações entre democratas e empresas de tecnologia eram melhores - Jim Young - 20.abr.2011/Reuters

Tim Wu, que trabalhou com questões de tecnologia na Casa Branca de Obama, disse: "Houve uma mudança desde o governo Obama, mesmo entre as pessoas que trabalharam nesse governo, em seu modo de pensar sobre o poder no mundo tecnológico.

"Obama chegou ao poder em 2008, quando o Google era muito pequeno na indústria, assim como o Facebook, e ninguém sabia se eles sobreviveriam. Os fatos mudaram."

Durante a campanha, Biden manifestou irritação com o Facebook, em particular, questionando a decisão da empresa de não checar a veracidade de anúncios políticos. Alguns esperam que a abordagem geral de Biden em relação à indústria possa ser moldada por alguns dos poderosos ex-executivos de tecnologia que o cercam.

O presidente eleito contratou para sua equipe de transição Jessica Hertz, ex-advogada-geral associada do Facebook, e Cynthia Hogan, ex-vice-presidente da Apple para assuntos governamentais. Eric Schmidt, que foi executivo-chefe do Google, tem sido um grande arrecadador de fundos e é citado para liderar uma nova força-tarefa sobre a indústria tecnológica na Casa Branca.

Enquanto isso, Kamala Harris, a vice-presidente eleita, há muito é apoiada por nomes como Sheryl Sandberg, do Facebook, e Marc Benioff, da Salesforce. Seu cunhado e ex-chefe de gabinete, Tony West, é o diretor jurídico do Uber.

Um executivo sênior de uma grande empresa de tecnologia disse que Biden "tem muitos amigos na indústria –é um mundo com o qual ele se sente muito à vontade".

Barack Obama e o presidente eleito Joe Biden em evento de campanha em Flint, Michigan, no fim de outubro - Jim Watson - 31.out.20/AFP

​No entanto, com a indústria de tecnologia enfrentando uma série de desafios políticos nos próximos quatro anos, desde tentativas de limitar as proteções legais das empresas a ameaças de dividi-las totalmente, poucos esperam um retorno à "era de ouro" do governo Obama.

"Achamos que será Barack Obama 2.0? Não, de forma alguma", disse um executivo de tecnologia.

Pelo menos, afirmou outro executivo, o drama deve diminuir depois de quatro anos de pânico com o governo Trump.

"Mal posso esperar para acordar todas as manhãs e não ter que combater incêndios por causa de um tuíte presidencial", disse um executivo do setor. "Estou ansioso pelo dia em que não teremos nossas proteções legais ameaçadas porque o Twitter marcou um de seus tuítes."

Antitruste

A decisão mais importante de Biden será como abordar a questão da concorrência. No passado, ele disse que dividir empresas como o Facebook era "algo que deveríamos analisar muito bem", sem se comprometer a fazê-lo.

Ele terá que decidir se pressionará por uma nova legislação antitruste, conforme solicitado no influente relatório de David Cicilline, o chefe democrata da subcomissão antitruste da Câmara dos Deputados.

Biden é um centrista, e um assessor democrata do Congresso previu que ele tentaria evitar dramas. "Ele não dirá que se deve desmembrar esta empresa, mas dirá que é preciso implementar uma fiscalização agressiva e, possivelmente, algumas mudanças nas regras."

Mas outros acreditam que Biden, que vem recebendo conselhos informais de Sarah Miller, diretora-executiva do American Economic Liberties Project e proponente de grandes desmembramentos nas tecnológicas, poderá ser forçado a adotar uma linha mais dura pela esquerda de seu partido.

Barry Lynn, diretor do Open Markets Institute, grupo de pensadores que também pediu a ruptura das "big techs", disse: "Eles estão chegando com diversas crises —a última coisa que querem é enfrentar uma briga com [Elizabeth] Warren ou [Bernie] Sanders, ou 52 secretários de Justiça estaduais [que estão processando seus próprios casos antitruste de tecnologia]".

O novo presidente também nomeará novos chefes do Departamento de Justiça e da Comissão Federal de Comércio, que por sua vez decidirão como conduzir as investigações contra Google, Facebook, Amazon e Apple.

Mas essas nomeações terão de ser aprovadas pelo Senado, o que pode inclinar Biden para um candidato moderado se os republicanos conseguirem manter o controle depois das eleições para a câmara alta, em janeiro.

Tom Wheeler, presidente da Comissão Federal de Comunicações de Obama, disse: "Muito depende do Senado. Se os republicanos fizerem o que Mitch McConnell [o líder da maioria republicana no Senado] fez com Barack Obama e bloquearem nomeação após nomeação, essas questões se tornarão uma confusão".

China

Outra preocupação que paira sobre o Vale do Silício é a relação cada vez mais acirrada entre os Estados Unidos e a China.

É improvável que Biden reverta totalmente o curso –ele atacou Trump durante os debates presidenciais por estar muito próximo de Xi Jinping, o presidente chinês, e prometeu forçar o país a "seguir as regras internacionais".

Mesmo assim, pessoas informadas sobre o pensamento do presidente eleito dizem que ele deseja vincular comércio, diplomacia, tecnologia e até mesmo questões como mudança climática a uma política mais coerente em relação à China. E isso poderia dar um fôlego para empresas como Huawei e as firmas americanas suas fornecedoras.

"Ele provavelmente ouvirá pelo menos o argumento de que, perseguindo a Huawei, você prejudica as empresas americanas ao encorajar a China a desenvolver seus próprios produtos", disse Paul Triolo, analista do Eurasia Group que está em contato com a equipe de transição de Biden.

Impostos

Para as empresas americanas em geral, a promessa de Biden de aumentar os impostos corporativos em 7 pontos percentuais, para 28%, representa a ameaça mais imediata para seus resultados financeiros.

Mas para as empresas de tecnologia em particular é sua promessa de aumentar o imposto sobre os lucros que as empresas obtêm com seus ativos intangíveis mantidos no exterior —conhecido como imposto GILTI— que poderá ter o impacto mais direto.

Esse imposto foi projetado para atingir ativos como propriedade intelectual, que as empresas de tecnologia muitas vezes localizam no exterior para fins fiscais, e resultou em bilhões de dólares em pagamentos extras das empresas quando foi introduzido. A IBM, por exemplo, teve uma cobrança de US$ 2 bilhões em impostos em 2018 após sua implementação.

A promessa de Biden de dobrar sua taxa mínima para 21% pode fazer que as empresas enfrentem mais uma rodada de pagamentos pesados. Mas isso depende da vitória dos democratas no Senado. Se eles perderem, muitos planos fiscais de Biden provavelmente também fracassarão.

Vistos

Se forem atingidas por mais impostos, as grandes empresas de tecnologia esperam pelo menos que Biden as ajude a contratar trabalhadores estrangeiros.

Trump restringiu a ap rovação de vistos em uma série de áreas, mas talvez os mais significativos para as empresas de tecnologia sejam os vistos H1-B, dos quais o Vale do Silício depende para contratar engenheiros, cientistas e codificadores do exterior.

Biden criticou Trump quando o presidente impôs novas restrições a esses vistos, embora não tenha se comprometido totalmente a reverter as mudanças.

"Você verá uma virada de 180 graus quase da noite para o dia", previu um executivo do Vale do Silício. "Não se trata de trabalhadores agrícolas, trata-se de programadores de software."

Regulamentação de conteúdo

Uma área de que Biden tem falado abertamente é sobre a Seção 230 —a parte da lei americana que impede que as empresas de rede social sejam processadas por conteúdo postado por usuários em seus sites.

Trump já pediu à Comissão Federal de Comunicações que acrescente novas limitações à lei.

Biden também não é fã, dizendo no ano passado que "a Seção 230 deveria ser revogada, deveria ser revogada imediatamente". Ele acrescentou: "Para Zuckerberg e outras plataformas. [Facebook] está propagando falsidades que eles sabem serem falsas".

Se Biden decidir limitar as proteções da Seção 230, terá o apoio de muitos senadores republicanos, como Josh Hawley e Lindsey Graham, que propuseram seus próprios projetos de lei nesse sentido. Ele poderá ter dificuldades, entretanto, para garantir o apoio de McConnell, que ainda não aprovou publicamente os esforços de seus colegas.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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