Agora são empregos de escritório os que correm mais risco devido à IA

Antes, homens do setor da manufatura eram principais vítimas da automação

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Claire Cain Miller Courtney Cox
Nova York | The New York Times

Os trabalhadores americanos que tiveram suas carreiras viradas do avesso nas últimas décadas devido à automação têm em sua maioria sido pouco qualificados –principalmente homens que trabalhavam no setor manufatureiro.

Mas isso está mudando em função do novo tipo de automação: sistemas de inteligência artificial chamados grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT ou o Bard, do Google. Essas ferramentas podem processar e sintetizar informações rapidamente e gerar novos conteúdos.

Os empregos mais expostos à automação, hoje, são os de escritório, que requerem mais habilidades cognitivas, criatividade e nível superior de instrução. Os profissionais envolvidos têm probabilidade maior de ser bem pagos e um pouco maior de ser mulheres, conforme constataram várias pesquisas.

Cubículo de escritório vazio durante o período de isolamento social na pandemia de Covid, em Nova York. Há uma cadeira de escritório à frente de uma escrivaninha, que abriga uma luminária de mesa
Cubículo de escritório vazio durante o período de isolamento social na pandemia de Covid, em Nova York - Gabriela Bhaskar/NYT

"Isso pegou a maioria das pessoas de surpresa, inclusive eu", comentou Erik Brynjolfsson, professor do Stanford Institute for Human-Centered AI, que havia previsto que a criatividade e as habilidades tecnológicas protegeriam as pessoas dos efeitos da automação. "Para ser brutalmente franco, tínhamos uma hierarquia de coisas que a tecnologia seria capaz de fazer e nos sentíamos à vontade em dizer que coisas como trabalho criativo, trabalho profissional, inteligência emocional, dificilmente seriam feitas por máquinas algum dia. Agora isso foi subvertido."

Diversas pesquisas novas analisaram as tarefas de trabalhadores americanos usando o banco de dados O*Net do Departamento do Trabalho americano e traçaram hipóteses sobre quais das tarefas poderiam ser desempenhadas por grandes modelos de linguagem. As pesquisas concluíram que esses modelos podem ajudar significativamente com tarefas em um quinto a um quarto das profissões. As análises, incluindo algumas do Pew Research Center e do Goldman Sachs, concluíram que os modelos poderiam realizar algumas das tarefas na maioria dos empregos.

Por enquanto, os modelos ainda ocasionalmente produzem informação incorreta, e é mais provável que auxiliem profissionais do que que os substituam, disseram Pamela Mishkin e Tyna Eloundou, pesquisadoras da OpenAI, a empresa e laboratório de pesquisas responsável pelo ChatGPT. Elas fizeram um estudo semelhante, analisando as 19.265 tarefas realizadas em 923 profissões, e concluíram que os grandes modelos de linguagem podem realizar algumas das tarefas que 80% dos trabalhadores americanos executam.

Mas elas também encontraram razões para alguns trabalhadores temerem que os grandes modelos de linguagem possam tomar seu lugar, conforme o CEO da OpenAI, Sam Altman, disse à revista The Atlantic no mês passado: "Empregos vão desaparecer, sem dúvida alguma".

Os pesquisadores pediram a um modelo avançado de ChatGPT para analisar os dados da O*Net e determinar quais tarefas podem ser feitas por grandes modelos de linguagem. O modelo respondeu que 86 profissões estão totalmente expostas (ou seja, todas as tarefas envolvidas poderiam ser assistidas pela ferramenta). Os pesquisadores humanos disseram 15 profissões correm risco. Os humanos e a IA estavam de acordo sobre um ponto: a profissão mais exposta é a do matemático.

A análise concluiu que apenas 4% das profissões incluem 0% de tarefas que poderiam ser assistidas pela tecnologia. Entre elas estão: atleta, lavador de pratos e ajudantes de marceneiros, pintores de paredes e telhadores. Mas mesmo profissionais como encanadores ou afins podem usar IA para parte de suas tarefas, como agendamento de trabalhos, atendimento a clientes e otimização de rotas, disse Mike Bidwell, CEP da Neighborly, firma de prestação de serviços residenciais.

A OpenAI tem interesse comercial em promover sua tecnologia como sendo muito útil a profissionais, mas outros pesquisadores dizem que ainda existem habilidades singularmente humanas que não podem ser automatizadas –como habilidades sociais, trabalho em equipe, cuidado de doentes e idosos e trabalhos manuais ou mecânicos. "Não faltarão coisas para os humanos fazerem, não no futuro próximo", disse Brynjolfsson. "Mas as coisas são diferentes: aprender a fazer as perguntas certas, realmente interagir com pessoas, trabalho físico que requer destreza."

Por enquanto, os grandes modelos de linguagem provavelmente ajudarão muitos profissionais a ser mais produtivos em seus empregos existentes, disseram pesquisadores –algo como oferecer a profissionais de escritório, mesmo os de nível iniciante, um chefe de gabinete ou assistente de pesquisas (se bem que isso pode ser indício de problemas para os assistentes humanos).

Veja o caso de quem escreve código de computador: um estudo do Github’s Copilot, programa de IA que ajuda programadores, sugerindo código e funções, descobriu que os profissionais que usam o programa trabalham 56% mais rapidamente que os que realizam a mesma tarefa sem ele.

"Existe uma ideia equivocada de que a exposição é necessariamente algo negativo", comentou Mishkin. Depois de ler descrições de todas as ocupações, ela e suas colegas aprenderam uma lição importante: "Nenhum modelo jamais vai conseguir fazer tudo isso".

Os grandes modelos de linguagem podem ajudar a redigir leis, por exemplo, mas não poderiam aprovar leis. Poderiam atuar como terapeutas –as pessoas poderiam compartilhar seus pensamentos, e os modelos poderiam reagir dando ideias baseadas em casos de valor comprovado--, mas eles não possuem empatia humana nem a capacidade de interpretar situações com nuances.

A versão do ChatGPT aberta ao público encerra riscos para trabalhadores: comete erros frequentes, pode refletir vieses humanos e não é suficientemente segura para que empresas possam lhe confiar informações confidenciais. As empresas que a utilizam contornam esses obstáculo com ferramentas que empregam a tecnologia em um chamado domínio fechado –ou seja, elas treinam o modelo usando apenas determinados conteúdos, e mantêm em sigilo as informações com as quais alimentam o modelo.

O Morgan Stanley usa uma versão do modelo da OpenAI feita para seu negócio e que foi alimentada com 100 mil documentos internos, mais de 1 milhão de páginas. Assessores financeiros a utilizam para ajudá-los a encontrar informação para responder prontamente às perguntas de clientes, por exemplo, se devem ou não investir em determinada empresa (anteriormente, para responder a essa pergunta era preciso localizar e ler vários relatórios).

Isso dá aos assessores mais tempo para conversar com clientes, disse Jeff McMillan, diretor de data analytics e gestão de riqueza na firma. A ferramenta não sabe sobre clientes individuais nem sobre qualquer toque humano que possa ser necessário, por exemplo se o cliente está doente ou está passando por um divórcio.

A Aquent Talent, firma de recrutamento de profissionais, está usando uma versão do Bard para empresas. Geralmente, humanos leem os currículos e portfólios de profissionais para encontrar alguém cujas qualificações correspondem ao que é buscado em uma vaga de emprego. A ferramenta pode fazer isso de modo muito mais eficiente. Mas o trabalho ainda exige uma revisão humana, especialmente na contratação, porque vieses humanos estão embutidos, disse Rohshann Pilla, presidente da Aquent Talento.

A Harvey, financiada pela OpenAI, é uma startup que está vendendo uma ferramenta desse tipo a firmas de direito. Os diretores usam a ferramenta para traçar estratégias, por exemplo, idealizar dez perguntas para fazer em um depoimento judicial ou fazer um resumo de como a firma negociou acordos semelhantes.

"Não é uma questão de ‘este é o conselho que eu daria a um cliente’", disse um dos co-fundadores da Harvey, Winston Weinberg. "É ‘como posso filtrar essa informação rapidamente para chegar ao ponto de definir um conselho?’. Ainda é necessária a pessoa que toma a decisão."

Ele disse que a ferramenta é especialmente útil para assistentes de advogados. Eles a utilizam para aprender –fazendo perguntas como "para que serve esse tipo de contrato" ou "por que foi escrito assim?"—ou para redigir primeiros esboços de textos, por exemplo resumos de extratos financeiros.

"De repente eles contam com um assistente", ele disse. "As pessoas poderão fazer trabalhos de nível mais alto em menos tempo, chegando em menos tempo a uma posição mais avançada em sua carreira."

Outras pessoas que estudam como empresas utilizam grandes modelos de linguagem encontraram um padrão semelhante: os modelos ajudam principalmente os funcionários mais juniores. Um estudo feito por Brynjolfsson e colegas com agentes de atendimento ao consumidor concluiu que o uso de IA aumentou sua produtividade em 14%, no geral, e 35% no caso dos profissionais menos qualificados, que avançaram mais rapidamente na curva de aprendizagem com a ajuda dos modelos.

"A IA reduz a distância entre os profissionais iniciantes e os altamente competentes", comentou Robert Seamans, da Stern School of Business da New York University, que co-escreveu um artigo dizendo que as profissões mais expostas aos grandes modelos de linguagem são as na área do telemarketing e certos professores escolares.

A onda mais recente de automação, afetando empregos no setor manufatureiro, intensificou a desigualdade de renda, revelam pesquisas, ao privar trabalhadores sem formação universitária de empregos bem pagos. Mas alguns estudiosos dizem que os grandes modelos de linguagem podem fazer o contrário, reduzindo a disparidade entre os profissionais mais bem pagos e todos os outros.

"Minha esperança é que a IA ajude pessoas com menos educação formal a fazer mais coisas", disse David Autor, economista do trabalho no MIT, "reduzindo as barreiras ao ingresso nos empregos de elite bem remunerados."

Tradução de Clara Allain

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