A revolução da IA está chegando, mas não tão rápido quanto algumas pessoas imaginam

Empresários veem tecnologia por trás do ChatGPT como uma onda empolgante, mas negócios estão antes de tudo experimentando

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Steve Lohr
Nova York | The New York Times

Lori Beer, diretora global de informação do JPMorgan Chase, fala da inteligência artificial mais recente com o entusiasmo de uma convertida. Ela descreve chatbots de IA como o ChatGPT, com sua capacidade de produzir desde poesia até programas de computador, como "transformadores" e "uma mudança de paradigma".

Mas a IA não vai chegar logo ao maior banco dos Estados Unidos. O JPMorgan bloqueou o acesso de seus computadores ao ChatGPT e instruiu seus 300 mil funcionários a não colocar qualquer informação do banco em chatbots ou outras ferramentas de IA generativa.

Fachada de arranha-céu em Nova York. O prédio tem janelas de vidro, com esquadrias em metal. Luzes internas estão acesas de forma aleatória ao longo dos andares. A estrutura tem três partes: uma mais parruda na base, uma mais fina no topo e uma intermediária no meio.
Sede do banco JPMorgan Chase em Nova York. A instituição financeira bloqueou acesso ao ChatGPT no início do ano - Hiroko Masuike/The New York Times

Por enquanto, disse Beer, é grande demais o risco de vazamento de dados confidenciais e há dúvidas demais sobre como os dados são usados e sobre a precisão das respostas geradas pela IA. O banco criou uma rede privada fechada para permitir que algumas poucas centenas de engenheiros e cientistas de dados façam experimentos com a tecnologia. Eles estão explorando utilizações como a automação e melhoria do suporte técnico e desenvolvimento de softwares.

A perspectiva é mais ou menos a mesma em boa parte da América corporativa. Chamado de IA generativa, o software por trás do ChatGPT é visto como uma onda de tecnologia nova e empolgante. Mas empresas em todas as indústrias estão principalmente experimentando a tecnologia e ponderando as implicações econômicas. Seu uso generalizado por muitas empresas ainda pode levar anos.

De acordo com as previsões, a IA generativa poderá aumentar a produtividade fortemente e acrescentar trilhões de dólares à economia global. Mas a lição que a história nos ensina, desde a energia a vapor até a internet, é que geralmente há um intervalo prolongado que transcorre entre a chegada de uma nova tecnologia importante e sua adoção generalizada, que é o que transforma indústrias e ajuda a alimentar a economia.

Tome-se o caso da internet. Nos anos 1990 faziam-se previsões de que a internet e a web iriam revolucionar as indústrias do varejo, publicidade e mídia. Essas previsões se realizaram, mas isso aconteceu mais de uma década mais tarde, bem depois de a bolha ponto.com haver estourado.

Durante esse intervalo a tecnologia foi aprimorada e os custos caíram, de modo que os pontos de estrangulamento se desfizeram. Com o tempo, as conexões de internet por banda larga viraram comuns. Foram desenvolvidos sistemas de pagamento de utilização fácil. A tecnologia de streaming de áudio e vídeo melhorou muito.

O desenvolvimento foi alimentado por uma enxurrada de dinheiro e uma onda de tentativa e erro por parte de empreendedores.

Evelyn Freja/The New York Times
Davis Liang deixou a equipe de inteligência artificial da Meta, dona do Facebook, para entrar na Abridge, startup que usa IA para melhorar comunicação em hospitais - Evelyn Freja/The New York Times

"Vamos assistir a uma corrida ao ouro semelhante desta vez", antevê Vijay Sankaran, diretor de tecnologia da Johnson Controls, grande fornecedora de equipamentos de construção, softwares e serviços. "Muita coisa será aprendida."

O frenesi de investimentos já começou. No primeiro semestre deste ano, os investimentos em startups de IA generativa chegaram a US$15,3 bilhões, quase três vezes o total do ano passado, segundo a PitchBook, que rastreia investimentos em startups.

Gerentes de tecnologia de grandes empresas estão testando softwares de IA generativa de uma série de fornecedores e observando para ver como as coisas se desenrolam na indústria.

Em novembro, quando o ChatGPT foi disponibilizado para o público, foi um "momento Netscape" para a IA generativa, disse Rob Thomas, diretor comercial da IBM, aludindo à introdução do browser pela Netscape em 1994. "Aquilo infundiu vida à internet." Mas foi apenas um começo, algo que abriu a porta para novas oportunidades de negócios que levaram anos para ser exploradas.

Em um relatório recente, o McKinsey Global Institute, o braço de pesquisas da consultoria McKinsey, incluiu uma linha do tempo para a adoção generalizada de aplicativos de IA generativa. Ele partiu da premissa de que a tecnologia atualmente conhecida será aprimorada constantemente, mas não incluiu uma previsão de grandes descobertas novas futuras. Sua previsão quanto à adoção generalizada não foi curta nem precisa –variou entre oito e 27 anos.

Essa gama ampla se explica pela inclusão de premissas diferentes sobre ciclos econômicos, regulamentação governamental, culturas corporativas e decisões executivas.

"Não estamos traçando modelos baseados nas leis da física –estamos fazendo modelos de economias e sociedades, de pessoas e empresas", disse Michael Chui, do McKinsey Global Institute. "O que acontece é em grande medida resultante de escolhas humanas."

A tecnologia se alastra pela economia através de pessoas, que levam seu know-how a novas indústrias. Alguns meses atrás, Davis Liang deixou um grupo de IA na Meta para trabalhar na Abridge, uma startup de saúde que grava e faz resumos de consultas com pacientes, para uso de seus médicos. Seu software de IA generativa possibilita aos médicos poupar horas de seu tempo que eles gastariam digitando as anotações das consultas e redigindo faturas.

Liang, cientista de computação de 29 anos, é autor de artigos científicos e ajudou a construir chamados grandes modelos de linguagem que estão à base da IA generativa.

Há uma demanda grande por suas habilidades hoje em dia. Liang se negou a revelar quanto ganha, mas pessoas com sua experiência e formação trabalhando em startups de IA generativa geralmente recebem um salário base anual de mais de US$200 mil, e ações das empresas podem elevar muito mais sua remuneração total.

Liang disse que a vantagem principal da Abridge é a aplicação da "ferramenta superpoderosa" da IA ao setor médico "para melhorar a vida profissional de médicos". Ele foi recrutado por Zachary Lipton, ex-cientista pesquisador do grupo de IA da Amazon que é professor adjunto na Universidade Carnegie Mellon. Lipton entrou para a Abridge este ano como diretor científico.

"Não estamos trabalhando com publicidade ou algo assim", disse Lipton. "É altamente realizador quando você recebe cartas de agradecimento de médicos todos os dias."

Tecnologias novas importantes representam vantagens competitivas sustentáveis que promovem inovações posteriores, levando à criação de startups que criam aplicativos que tornam a tecnologia subjacente útil e acessível. Em seus primórdios, o computador pessoal era visto como um brinquedo para diletantes. Mas a criação do programa de planilha, o aplicativo inovador de sua época, fez do PC uma ferramenta essencial para os negócios.

Nagy é uma mulher ruiva, de cabelos ondulados. Veste camisa preta e calça jeans, desfiada à altura das canelas. Calça sandálias trançadas pretas. Ela está sentada à beira de uma fonte de pedra. O piso sob os pés dela está molhado.
Sarah Nagy deixou o fundo de investimento Citadel para fundar a startup Seek AI, que usa inteligência artificial para impulsionar painéis e análises de dados para empresas - Evelyn Freja/The New York Times

Sarah Nagy encabeçava uma equipe de ciência de dados na Citadel, firma gigante de investimentos, em 2020, quando primeiro mexeu com o GPT-3. Isso foi mais de dois anos antes de a OpenAI lançar o ChatGPT. Mas o poder da tecnologia fundamental já estava aparente em 2020.

Nagy ficou especialmente impressionada com a capacidade do software de gerar código de computador com comandos de texto. Ela pensou que isso ajudaria a democratizar a análise de dados nas empresas, tornando-a amplamente acessível a vários profissionais, não apenas um grupo de elite.

Em 2021 ela fundou a Seek AI para perseguir esse objetivo. Hoje, a startup nova-iorquina tem duas dúzias de clientes nas indústrias de tecnologia, varejista e financeira, trabalhando principalmente com projetos piloto.

Usando o software da Seek AI, um gerente varejista, por exemplo, pode digitar perguntas sobre vendas, campanhas publicitárias e performance online versus nas lojas, para orientar a estratégia de marketing e os gastos. O software então transforma as palavras em uma pergunta codificada, pesquisa o depósito de dados da empresa e apresenta respostas em texto ou recupera os dados relevantes.

Nagy disse que os empresários podem obter respostas quase instantaneamente ou em um dia, em vez de duas ou três semanas, como seria o caso se tivessem que solicitar algo que necessitasse a atenção de um membro de uma equipe de ciência de dados.

"Em última análise, estamos tentando reduzir o tempo levado para receber uma resposta ou acessar dados úteis", disse Nagy.

Poupar tempo e enxugar o trabalho nas empresas são os maiores objetivos iniciais que a maioria das empresas busca com a IA generativa. Novos produtos e serviços virão mais tarde.

Este ano o JPMorgan registrou IndexGPT como possível nome para um produto de assessoria de investimentos movido por IA generativa.

"Isso é algo que vamos pesquisar e continuar a avaliar com tempo", disse Beer, a diretora tec do banco. "Mas ainda não está perto de ser lançado."

Tradução de Clara Allain

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