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Jeff Bezos e Lina Khan travam a verdadeira luta entre as big techs

Comissão Federal de Comércio dos EUA processa Amazon por violação das leis antitruste

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David Streitfeld
The New York Times

Jeff Bezos fez sua fortuna com uma ideia realmente grande: e se um varejista fizesse de tudo para deixar os clientes felizes?

Sua criação, a Amazon, foi alimentada de forma enérgica, vendendo o maior número possível de itens pelo menor preço possível e entregando-os o mais rápido possível. O resultado é que US$ 40 (R$ 200) de cada US$100 (cerca de R$ 500) gastos online nos Estados Unidos vão para a Amazon, e Bezos tem uma fortuna avaliada em US$ 150 bilhões (cerca de R$ 760 bilhões).

Homem careca de paletó e gravata borboleta preto e camisa branca, mulher de cabelos pretos de cumprimento médio e camisa azul
O CEO da Amazon, Jeff Bezos, e a chefe da FTC (comissão federal de comércio), Laura Sanchez - Danny Moloshok/Reuters e Michael M. Santiago/Getty Images/AFP

Lina Khan construiu sua reputação com uma ideia muito diferente: e se satisfazer o cliente não fosse o suficiente?

Preços baixos podem mascarar comportamentos que sufocam a concorrência e minam a sociedade, argumentou Khan em uma análise de 95 páginas sobre a Amazon no Yale Law Journal. Publicado em 2017, quando ela ainda era estudante de direito, já é um dos artigos acadêmicos mais importantes dos tempos modernos.

Essas duas filosofias muito diferentes, cada uma impulsionada por uma pessoa destemida e disposta a assumir riscos, finalmente têm seu confronto muito aguardado.

A FTC (Comissão Federal de Comércio), agora liderada por Khan após sua ascensão impressionante de especialista em políticas para participante dessas políticas, entrou com uma ação contra a Amazon na corte federal em Seattle na terça-feira (26). A denúncia acusou a Amazon de ser monopolista, que usou táticas injustas e ilegais para manter seu poder. A Amazon afirmou que a ação está "equivocada nos fatos e na lei".

Bezos, 59 anos, não comanda mais a Amazon no dia a dia. Ele entregou as rédeas de CEO para Andy Jassy há dois anos. Mas não se engane: Bezos é o presidente-executivo do conselho da Amazon e possui mais ações da empresa do que qualquer outra pessoa. São suas inovações, realizadas ao longo de mais de 20 anos, que Khan está desafiando. A queixa da FTC o cita repetidamente.

Imagem mostra Bezos em cima de um púlpito. É possível ver a logo da Amazon.
O empresário Jeff Bezos - Gus Ruelas - 6.set.12/Reuters

Nada de Zuckerberg x Musk

O Vale do Silício passou o verão fascinado com a perspectiva de Elon Musk e Mark Zuckerberg lutando em um ringue, mas a chance disso realmente acontecer é próxima de zero. Já o embate entre Khan e Bezos, no entanto, é uma realidade. Um confronto no tribunal que pode ter implicações muito além dos 1,5 milhão de funcionários da Amazon, 300 milhões de clientes e empresas que somadas valem US$ 1,3 trilhão.

Se os argumentos de Khan prevalecerem, o cenário competitivo para empresas de tecnologia será muito diferente daqui para frente. Grandes casos antitruste tendem a ter esse efeito. O governo alcançou apenas uma vitória confusa em sua perseguição à Microsoft há 25 anos. No entanto, isso ainda teve força suficiente para enfraquecer um império de software muito temido, permitindo que 1.000 startups florescessem, incluindo a Amazon.

Isso se deve em grande parte a Khan, de 34 anos. Depois de passar alguns dias entrevistando-a e as pessoas ao seu redor para uma reportagem em 2018, eu pensei que ela compreendia Bezos por ser muito parecida com ele. Pouquíssimas pessoas conseguem enxergar possibilidades que outros não veem e ter sucesso na busca por elas por anos, e ainda trazendo outras pessoas consigo. Mas esses eram atributos que ambos compartilhavam.

Lina M. Khan depõe em comitê do Senad
Lina M. Khan depõe em comitê do Senado - Graeme Jennings - 21.abr.2021 / Reuters

"Como ocorre a mudança na história?" perguntou Stacy Mitchell, uma aliada de Khan no início da trajetória e que atualmente integra a direção executiva do Instituto para a Autossuficiência Local, um grupo de pesquisa e defesa que promove o poder local para combater as corporações. "Lina capturou a imaginação de uma forma que permitiu ao movimento de reforma envolver um conjunto mais amplo de pessoas."

Khan e Bezos eram até mesmo semelhantes em seu silêncio. Por anos, todo artigo sobre a Amazon trazia a frase "A Amazon se recusou a comentar", o que indica uma outra forma de controle. Khan também nunca voluntariamente me entregou um pedaço de dado pessoal, mesmo que fosse insignificante.

A Amazon e a FTC se recusaram a comentar para este artigo.

Bezos: do risco da falência ao domínio

A improvável saga de Bezos há muito tempo tornou-se um folclore. Ele passou os verões de sua infância na fazenda de seu avô no oeste do Texas, queria ser um físico teórico, mas acabou se tornando um analista de Wall Street. Ele não tinha experiência no varejo. Ele estava interessado em ideias, não em coisas.

A Amazon não foi a primeira loja online - nem mesmo a primeira livraria online. Ela gastou muito dinheiro em apostas tolas e pressionou impiedosamente os seus funcionários. Todo o empreendimento quase ruiu durante a crise das empresas de internet no início dos anos 2000. Mas a mídia ficou fascinada pela ideia, os clientes gostaram e isso deu espaço para Bezos agir.

Um ex-engenheiro da Amazon descreveu Bezos como alguém que faz "controladores obsessivos comuns parecerem hippies chapados". Uma empresa que coloca placas de "lembrete de presença" nas portas do banheiro, dizendo aos trabalhadores que serão "avaliados para demissão" se errarem na marcação de ponto, é uma empresa com ambição avassaladora.

Os reformadores são como empreendedores: eles também estão lutando contra a realidade, tentando abrir espaço para sua visão de como as coisas poderiam ser melhores. A jornada de Khan ao confrontar a Amazon em um tribunal federal é, de certa forma, uma história ainda menos provável do que a de Bezos. E assim, como Bezos nos primeiros anos da Amazon, ela se tornou uma figura fascinante.

Khan e a busca para entender o poder

Filha de imigrantes paquistaneses moradores de Londres, Khan tinha os instintos naturais de uma boa jornalista. Na escola, ela participou do jornal escolar. Um amigo a descreveu como uma pessoa interessada em entender o poder, particularmente a forma para ter ainda mais força. Ela estava na casa dos 20 anos quando escreveu seu trabalho sobre a Amazon - aproximadamente a mesma idade de Bezos quando ele deixou seu emprego em Wall Street para dirigir com sua esposa na época, MacKenzie Scott, rumo a Seattle e seu destino.

A lei antitruste era a ferramenta tradicional usada para conter empresas que se tornavam muito poderosas. A lei antitruste desempenhou um papel importante na década de 1890, marcando o início da Era Progressista, e novamente na década de 1930, durante o New Deal. Mas, no início da década de 1980, a lei antitruste caiu em desuso. Ela foi reduzida a uma finalidade: o preço que os clientes pagavam. Se os preços fossem baixos, não havia problema.

O caso da Microsoft foi importante e influente, mas foi muito mais uma aberração. Nos primeiros anos deste século, a filosofia predominante do laissez-faire (deixe fazer, em francês) permitiu que a Amazon e outras startups se destacassem muito mais rapidamente do que poderiam. O Facebook e o Google não cobravam nada dos usuários e tiveram o caminho aberto para a dominação. Seis das oito empresas mais valiosas dos Estados Unidos são empresas de tecnologia - sete se considerarmos a Tesla uma empresa de tecnologia.

O governo foi lento; o Vale do Silício foi rápido. O mercado eletrônico decidiria o destino dos impérios corporativos. Em 2015, quando Khan estava entrando na faculdade de direito, quase ninguém estava interessado em promover a concorrência por meio de intervenção governamental. Reforma da justiça criminal, direito ambiental, imigração - esses eram os tópicos que atraíam os estudantes. Ela escolheu o direito antitruste, praticamente sozinha.

As acusações da Amazon contra a presidente da FTC

Qualquer pessoa com uma ideia radical em Washington enfrenta tantos obstáculos que não é surpreendente que isso aconteça tão raramente. Quando Khan foi indicada para ser presidente da FTC em 2021, a Amazon reclamou que ela era tendenciosa.

"Em várias ocasiões, ela argumentou que a Amazon era culpada de violações antitruste e deveria ser repartida", escreveu a empresa em uma petição de 25 páginas, solicitando que Khan fosse impedida de julgar qualquer questão relacionada à empresa.

A lógica: Se você é crítico de uma empresa, não pode ser permitido que esteja perto dela como regulador. Khan sobreviveu a esse desafio, mas foi apenas o primeiro. Para ir contra a atitude de deixar as coisas acontecerem de muitos burocratas, é necessária uma determinação implacável.

Uma mídia hostil é outro obstáculo. Dezenas de editoriais, ensaios de opinião e cartas ao editor do Wall Street Journal criticaram Khan nos últimos dois anos. Eles pediram ao Congresso que a investigasse, argumentaram que ela não entendia que os monopólios eram realmente bons e a acusaram de deixar pessoas morrerem ao bloquear uma fusão entre empresas farmacêuticas.

Então, há também o lobby. A Amazon gastou US$ 10 milhões na primeira metade deste ano, cinco vezes mais do que em 2013. Ela doou dinheiro para centenas de associações comerciais e organizações sem fins lucrativos em 2022, algumas das quais emitem relatórios pró-Amazon sem divulgar que são financiadas por ela. Seguindo a filosofia de "conheça o seu inimigo", a Amazon também tem contratado ex-colegas de Khan na FTC.

Ir para o tribunal não traz muito alívio. Bem familiarizados com décadas do padrão de bem-estar do consumidor, os juízes não são particularmente favoráveis aos argumentos de Khan. Os casos contra a Meta, empresa controladora do Facebook, e mais recentemente contra a Microsoft, fracassaram. A ação contra a Amazon incorpora aspectos do padrão de bem-estar do consumidor, o que pode torná-lo mais aceitável no tribunal.

É uma quantidade formidável de oposição. Até mesmo alguns de seus inimigos ideológicos estão impressionados que Khan está, no entanto, tendo um impacto tão grande. Por sua força intelectual, ela está abrindo uma conversa sobre como as empresas são permitidas a se comportar.

"Há cinco anos, você seria ridicularizado se desafiasse o padrão de bem-estar do consumidor", disse Konstantin Medvedovsky, um ex-advogado antitruste que agora é analista de fundos de hedge. "Agora, pessoas sérias fazem esse argumento em conferências importantes e são levadas a sério. Isso é o triunfo da Lina."

Medvedovsky não é muito simpático às metas de Khan. Ele foi um dos críticos que ridicularizaram o movimento de reforma como "antitruste hipster". Ainda assim, ele disse: "É difícil não ficar um pouco impressionado."

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