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Desafio do Copacabana Palace é continuar sendo 'coisa nossa'

Em 2018, os donos da Louis Vuitton compraram os hotéis da rede Belmond, incluindo o icônico carioca

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São Paulo

Um dos desafios da grande hotelaria de hoje é o mesmo que vejo em outros ramos associados ao consumo de luxo: é manter um caráter e uma personalidade (pois, sim, coisas caras e famosas podem muito bem ser apenas padronizadas, perdidas na multidão).

O capitalismo ruma, há muito, para a apropriação de marcas em conglomerados financeiros, inclusive marcas historicamente associadas ao nome de seus artesãos criadores. Corporações tendem a tragar e empilhar antigas tradições. Vale para moda, bebidas, automóveis, livros.

Fachada do hotel Copacabana Palace, na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro - Folhapress

Na hotelaria, seus princípios modernos foram instituídos pela dupla Ritz-Escoffier. Que não eram marcas, eram pessoas: o hoteleiro suíço César Ritz (1850-1918) e o chef de cozinha francês Auguste Escoffier (1846-1935). Os hotéis que criaram eram administrados por eles, que deixavam sua filosofia e sua marca pessoal em cada cortina suspensa, em cada xícara de chá.

Conversando há pouco com um diretor do centenário hotel La Mamounia, de Marrakesh (tendo sempre como dono principal uma empresa estatal –portanto, sob os auspícios da família real), ele contou que seu trabalho anterior, numa grande rede, foi implantar um novo hotel. Inaugurado, ele foi destacado para uma nova função em outro país, frustrando seu desejo de ficar acompanhando o crescimento da obra que ele tanto fez para erguer. Desistiu então das grandes redes.

Tenho esta mania de perscrutar restaurantes e hotéis à procura da "mão do dono". Lamentei quando soube que o majestoso Crillon, de Paris, não pertencia mais à família Taittinger (aquela mesma, dos champanhes). E exultei quando vi que o Hôtel de Paris, de Monte Carlo, que pertence à empresa do príncipe de Mônaco, ao passar por uma reforma multimilionária ressurgiu renovado, mas mantendo sempre o mesmo padrão (de elegância até mais discreta, menos ostentatória, apesar de tanta futilidade ao redor).

Fico feliz em ver, mesmo com marcas que se expandem, a mão de um criador, que permanece como proprietário ou sócio –no caso do Brasil, ocorre com hotéis de rede como Fasano (o exemplo mais exuberante), Emiliano, Unique.

Sei que não adianta ser saudosista, a máquina é voraz e seguirá devorando marcas e produtos locais. Mas acho interessante quando o processo se dá em pequenos nichos –como, na hotelaria, acontece com pequenas coleções de hotéis de luxo ou de charme.

Foi o que aconteceu com o Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, que ao sair do controle da família fundadora, logo faria parte de uma boutique de hotéis históricos com uma visão clara de recuperar antigas joias da hotelaria.

Dado que a família fundadora não mais se dedicava ao hotel, foi uma boa notícia. Sou um velho frequentador, especialmente em função do meu trabalho (não do meu bolso...). Sempre gostei do seu ambiente, do seu edifício (mera imitação –mas com o tempo, ela se incorpora na paisagem e ganha nosso afeto).

Durante anos tive um cartão de crédito somente porque acumulava pontos que podiam ser trocados por hospedagens no Copa (num apartamento de fundos e sem direito ao caríssimo café da manhã –que eu tomava com a família na casa de sucos baratinha ali perto). Pois mesmo eu sendo este hóspede mixo, pagando com pontos um quarto dos fundos e ainda economizando no café, era tratado como um habitué (que de fato fui me tornando): já no check-in sempre era presenteado com um quarto melhor, de frente para o glorioso mar de Copacabana.

Com gestos destes você se sente em casa: como se estivesse na pensão familiar de uma tia, se me perdoam o certo exagero. Um dos motivos pelo qual sempre me agradou ficar lá é que, coisa raríssima num hotel, eu convido meus amigos cariocas para um drinque na Pérgula (o restaurante "confinado" entre a vista do mar e a da piscina), e eles vão. É como se eu estivesse em casa, e eles também.

Contra a padronização da hotelaria, contra o espírito americano de exportar mundo afora um estilo de vida que não é o do mundo afora, é muito bom ver um hotel que consegue manter, mesmo para os locais, o papel de ser um espelho da cidade —a ponto de ter até apelido que todos (frequentadores ou não) conhecem.

Depois de ser comprado pelo pequeno grupo de hotéis históricos, agora o Copa pertence a uma corporação gigante, a LVMH, que comprou a marca Belmond e seu charmoso portfólio. É o novo desafio que se impõe. Conseguirá o hotel, daqui a uma década, ser ainda considerado pelos cariocas como "coisa nossa"? Conseguirei eu seguir sentindo ali o acolhimento da pensão da tia? Porque o melhor teste para um hotel de qualquer porte não é oferecer o luxo, mas a sensação de acolhimento.

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