Análise: Internet expõe o abismo entre o poder público e a população
O volume de recursos em poder do Estado aumentou, seja pelo crescimento da economia ou pelo aumento na taxa de arrecadação. Nesse cenário vieram o séquito de assessores, subordinados e as inúmeras empresas contratadas que formaram um colchão protetor entre governo e sociedade.
Isso tirou dos governantes o contato com aquilo que cidadãos se deparam o tempo todo em seu trabalho diário: o cliente exigente, o aluno que reclama da aula, ou o paciente que não responde ao tratamento, por exemplo.
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A mídia tradicional, muitas vezes revelando escândalos de corrupção, mas sempre cobrindo pequenas escaramuças internas do poder como um jogo de futebol, cheio de táticas e grandes jogadas, parece ter aumentado esse colchão.
Ocorre que com os novos meios de comunicação esse abismo entre Estado e sociedade se tornou mais visível. A elevação do nível de instrução do brasileiro, a exposição a novas formas de organização social, por conta da globalização, e a maior capacidade de debate, possibilitada pela internet, deram lugar a um cidadão mais curioso, crítico e ativo.
A pressão pela transparência, vinda dos novos hábitos de pesquisa com a internet, e também de pressões sociais articuladas, ajudaram a revelar as entranhas do Estado. Foi aí que nos deparamos com os mecanismos de proteção dos grupos encastelados no Estado --o estamento, no termo usado por Raymundo Faoro ainda em 1950.
Os meios de comunicação tradicionais mostraram gastos e obras inacabadas! Mas foi na internet que o tamanho do fosso mental que separa Estado e sociedade no Brasil se revelou.
É difícil para os homens públicos, na interação cotidiana das redes sociais, dos emails formais ou trocados sem reflexão, deixar de dizer como enxergam a realidade e como entendem seu papel no mundo.
Os pequenos rancores partidários, a vaidade e principalmente o descaso pelas tarefas públicas que os cidadãos consideram mais urgentes acabam sendo expostos a cada vez que interagimos com os governantes nesse ambiente mediado em que eles entram a contragosto.
As políticas públicas agora são explicadas por modos de pensar que podem ser criticados, julgados e condenados. O Twitter puxou o véu do estamento governamental. E parece que muita gente não gostou do que viu.
Heloisa Pait é professora de sociologia da Unesp e membro do conselho consultivo da Open Knowledge Foundation-Brasil.
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