A
ignorância é o pior desperdício de energia
O noticiário
sobre o risco de colapso já foi suficiente para fazer
o consumo de energia cair 10% e ajudou a afastar, mesmo que
temporariamente, os apagões.
Para que
tal redução ocorresse, não se fez sacrifício
algum e não havia ainda nenhuma ameaça de multa:
cortaram-se, simplesmente, os desperdícios, as luzes
que ficavam acesas sem necessidade.
Há
no ar uma sensação de medo e de derrota: o país
estava embalado pela convicção de que, depois
de tantos tropeços, a economia continuaria crescendo
e gerando empregos. Ninguém sabe agora qual será
o tamanho da tragédia.
Em meio
a sombrias previsões -semáforos desligados,
salas de cirurgia às escuras, ataques de bandidos nos
bairros sem iluminação-, a população
recebe aulas de alfabetização energética.
Fica sabendo
quais aparelhos eletrodomésticos consomem mais e o
custo que o seu uso representa por mês; descobre a voracidade
de um ar-condicionado ou de um chuveiro e a possibilidade
de usar lâmpadas mais econômicas. A maioria dos
cidadãos, entre os quais este colunista, nunca se deu
ao trabalho de analisar a evolução de suas contas
de energia elétrica, devido à suposição
de que não houvesse risco de escassez.
Só
na distribuição, segundo o governo, já
há uma perda desnecessária, equivalente a 13%
do total -quando o padrão internacional não
ultrapassa 6%.
Por causa
da ilusão de abundância, não se investiu
na reciclagem de resíduos, que, se não fossem
apenas lançados no ambiente, poderiam produzir energia.
Desperdiçam-se, diariamente, os raios solares -tão
intensos no país-, que também poderiam compensar
a carência de energia hidrelétrica.
Pela primeira
vez, a nação aprende, de fato, o valor da energia,
ao avaliar os possíveis transtornos em sua rotina:
desaparece a sensação de abundância e
constatam-se, além da irresponsabilidade dos governantes,
com o presidente Fernando Henrique Cardoso à sua frente,
os desperdícios privados.
A energia
está, no momento, no topo das preocupações,
mas encontram-se displicências em todos os segmentos
da vida do país, acarretando monumentais prejuízos
-a corrupção, crônica e disseminada, é,
em essência, modalidade de desperdício. Afinal,
recursos que deveriam ser drenados ao combate à miséria
acabam em bolsos inescrupulosos.
Além
do racionamento de energia, São Paulo está na
expectativa do rodízio de água. E a Sabesp (Companhia
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo)
tem uma perda diária de 35% de sua produção
de água.
É
fácil perceber o que significa o mau uso dos recursos
naturais quando não se pode tomar banho ou assistir
à TV; são carências palpáveis e
visíveis.
O pior
e mais crônico desperdício da sociedade brasileira,
que compromete a produção de riquezas, comove
pouca gente, apesar de suas consequências diárias.
É o desperdício do conhecimento, calculado em
documentos oficiais do governo.
Documento
do Ministério da Educação calculou quanto
a União, os Estados e os municípios perdem anualmente
graças à evasão e à repetência
nos ensinos fundamental e médio.
Os cálculos
são feitos com base nas taxas de repetência e
de evasão escolar, que, no ensino fundamental, são,
respectivamente, de 22% e de 4% e, no ensino médio,
de 17% e de 9%. O custo anual do aluno sai, em média,
por R$ 600.
Segundo
o governo, o desperdício, provocado especialmente pelo
fato de o aluno repetir o ano, não é inferior
a R$ 5,5 bilhões ao ano. Para ter uma idéia
do que significa esse valor, note que os recursos prometidos
para novos investimentos da Eletrobrás, destinados
a evitar o colapso, não passam de R$ 1,5 bilhão.
Pode-se
dizer, seguramente e sem o menor exagero, que esses R$ 5,5
bilhões não são a pior parte dessa conta
de mau uso. Muitos dos estudantes que deixam a escola vão,
por falta de opção de progresso, cair na marginalidade
e na criminalidade. Mão-de-obra com baixa escolaridade
representa comprometimento da produtividade econômica.
São
centenas de milhares de talentos impedidos de prosperar e
de enriquecer o país, criando novos negócios,
invenções, músicas, pinturas.
Se tivessem
mais conhecimento e capacidade de abstração,
os brasileiros seriam mais rigorosos na escolha de seus representantes,
condição indispensável para a construção
de sociedades mais eficientes.
O avanço
da democracia brasileira só vai se acelerar de fato
quando as pessoas perceberem que a educação
é uma forma de energia -e que a sua escassez é
o pior apagão que uma nação pode sofrer.
A ignorância, como mostram os números, é,
de longe, o pior dos desperdícios.
A crise
energética é grave politicamente porque a população
consegue entendê-la, já que vai senti-la na pele.
A falta de educação faz com que muitas crises
não sejam percebidas e, depois, sejam esquecidas justamente
porque não tinham sido entendidas. Daí a ignorância
ser, muitas vezes, conveniente aos homens do poder.
PS -Por
falar em ignorância, lançou-se, na semana passada,
uma campanha pelo fim da violência doméstica
contra crianças -mais um daqueles assuntos fora da
agenda brasileira. Preparei para o leitor desta coluna um
dossiê com dados, a maioria desconhecidos, sobre o terror
doméstico.
Leia
o dossiê
|
|
|
Subir
|
|
|