Home
 Tempo Real
 Coluna GD
 Só Nosso
 Asneiras e Equívocos 
 Imprescindível
 Urbanidade
 Palavr@ do Leitor
 Aprendiz
 
 Quem Somos
 Expediente
gdimen@uol.com.br

Secreções, excreções e desatinos

Suponha-se um empregado que ganhe um salário de R$ 5.000. Somando todos os impostos descontados em seus vencimentos, quantos dias ele trabalha apenas para manter os governos federal, estadual e municipal?

Propus esse exercício ao secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, que, na ponta do lápis, tentou encontrar uma média. O resultado pode afetar o humor do leitor neste final de semana prolongado.

A mordida do Imposto de Renda custaria, anualmente, ao trabalhador cerca de R$ 6.000. Joguem-se, pelo menos, mais R$ 1.600 na conta da Previdência Social, subtraídos do contracheque.

Encargos como IPVA (automóvel) e IPTU (imóvel) -supondo-se que quem recebe aquele salário tenha carro e casa própria- dragariam, nos cálculos de Everardo, no mínimo, R$ 1.000 em um ano.

Em 12 meses, portanto, com essas tungadas, teriam sido levados R$ 8.600 -ou seja, R$ 716 mensais. Daqueles R$ 5.000 mensais, ele ficaria, ao final do mês, com R$ 4.284. Mas não é só, a maior pancada ainda está a caminho.
Vamos imaginar que, da sobra, depois das mordidas no contracheque, o empregado conseguisse poupar, todos os meses, R$ 500; com o restante, R$ 3.784, pagaria mensalidades escolares, alimentos, combustível, roupas etc.

Só que, pelo menos, 30% do valor dos produtos vem dos impostos (IPI, Cofins, IR, CPMF, IPI, entre outros), embutidos nos preços -o que totaliza, em um ano, R$ 13.620. Chegamos, assim, ao seguinte resultado: aquele indivíduo pagaria, em impostos diretos e indiretos (que incidem sobre o consumo), R$ 22.220.

Fim do exercício: quem ganha R$ 5.000 mensais trabalha, por ano, cerca de quatro meses e meio -135 dias- para sustentar os governantes; são 11 dias por mês. É muito ou pouco? Depende. Se esse dinheiro retornar de modo produtivo, transformado em boas escolas, hospitais decentes, coleta regular do lixo, segurança nas ruas, até pode ser pouco.

Um pedaço dessa conta apareceu no papel, na semana passada, para os milhões de contribuintes que fizeram suas declarações de Imposto de Renda. Se tivessem na cabeça a noção do calendário dos 135 dias dedicados só a manter os cofres públicos, ficariam ainda mais indignados com as excreções e secreções reveladas nas últimas semanas -e ainda mais graves nos últimos dias.

Foi divulgado, na semana passada, que as bandalheiras da Sudene já acarretaram prejuízos de R$ 2,2 bilhões; mais R$ 1,5 bilhão foi desviado da Sudam. A generosidade estendeu-se à mulher de Jader Barbalho, favorecida com quantia vultosa destinada à construção de um ranário.

Conheceram-se mais detalhes sobre o afundamento da plataforma da Petrobras (P-36), que acarretou um prejuízo de R$ 1 bilhão, levantando mais suspeitas de que sua construção não tenha passado por critérios rigorosos de licitação e inspeção. As revelações sobre a violação do painel do Senado, que atingiram Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, serviram para intensificar o odor putrefato em torno da administração pública.

Para completar, o traficante Fernandinho Beira-Mar insinuou que, para garantir sua impunidade, distribuiu dinheiro ao poder público -de policiais a políticos.

De um lado, o desatino das delinquências e, de outro, o desatino das investigações: a oposição articula uma CPI, motivada por questões essencialmente eleitorais, não morais.

No começo da semana, os paulistanos foram brindados com a notícia de que, devido à desordem administrativa, o SOS Criança foi desativado, pois a prefeitura não teve tempo de se preparar para receber as crianças, a maioria delas abandonadas ou desprezadas pela família. Diante da gritaria, tiveram de, improvisadamente e às pressas, retroceder.

Os paulistanos viram nos jornais as fotos do acúmulo de lixo nas ruas, resultado da incompetência do poder público em organizar a coleta e das empresas em cumprir sua tarefa.

Acusações para todos os lados. O governo estadual culpa o governo municipal, que culpa o governo anterior. Não importa aqui discutir quem é o responsável pelas crianças que não encontram abrigo ou pelo lixo espalhado nas esquinas. Independentemente das responsabilidades, o fato é que o contribuinte pagou a conta, em dias de trabalho, aos governantes, mas vê lixo pelas ruas e crianças abandonadas, além das vias esburacadas, dos hospitais deficientes, das escolas públicas de péssima qualidade e dos marginais dominando as ruas.

Suponha-se, numa hipótese absurda, que os brasileiros não precisassem pagar impostos, nenhum imposto, durante sete meses e meio. Teriam, porém, de fazer os desembolsos só nos tais 135 dias - justamente naquele período em que estivessem labutando para manter os governos. Não receberiam nada, pois esses seriam os meses trabalhados apenas para pagar impostos.

Se a indignação da população ante os desperdícios já incomoda os governantes, calcule o que aconteceria se, por acaso, um escândalo ocorresse coincidentemente naqueles meses em que o contracheque viesse vazio.

No seu mais recente livro, intitulado "Secreções, Excreções e Desatinos", Rubem Fonseca, mestre do conto, criou um personagem que lê o futuro nas fezes. Sem querer, criou um símbolo da condição atual do brasileiro, obrigado a descobrir no excremento público seu destino. O símbolo combina com a peça produzida pelo artista plástico Siron Franco, exposta em frente ao Congresso -é um cubo com o nome de "Fezes".


 
 
                                                Subir    


Biografia

   ANTERIORES
  ACM é um fenômeno de antimarketing
  Marta, Marluce, Maria Silvia, Regina e Ligia
  E se não houvesse corrupção?
  Um bonde chamado desejo
  Especialistas ensinam que a bondade é bom negócio
  Cadeia não é lugar de drogado
  Corrupção é o ópio dos políticos
  O governo FHC rouba, mas faz?
  As flores do esgoto
  A vida desses brasileiros já é um imenso "provão"
  Sempre estudaram em escolas públicas e viraram heróis
  Jovens selvagens ensinam pela didática do medo
  Dia Internacional da "Popozuda"
  Covas morreu quando a festa ia começar
  Carnaval mostra o pânico e dá lição de civilidade
  O debate sobre "Tapa na Cara" não é fútil nem cretino
  Do Morumbi ao Carandiru
  Crime organizado dá aula sobre sociedade de informação