Fazer romance em vez de tese pode ser produtivo, diz Tatiana Levy
Portuguesa por nascimento, brasileira pela família e andarilha por identidade. É assim que se define a escritora Tatiana Salem Levy, 30, que estreou na literatura em 2007 com o premiado romance "A Chave de Casa" (Record, 2007).
Descendente de judeus turcos que foram obrigados a abandonar seus países de origem por motivos políticos ou religiosos, ela sempre ouviu muitas histórias sobre a família, especialmente do avô. Foi em busca delas que a escritora partiu ao iniciar seu romance, que terminou por ser também sua tese de doutoramento na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Não foi uma defesa qualquer, uma vez que o meio acadêmico ainda não está acostumado a ter romances defendidos e lugar de teses; mas a orientadora de Levy percebeu o envolvimento da autora com o romance e insistiu que ela deveria perseguir um caminho só.
Na entrevista que concedeu à Folha Online, por telefone, ela falou sobre descobertas, judaísmo, herança e a vontade de escrever. Tinha acabado de chegar de Portugal, em busca, sempre, de sua chave de casa.
Leia trecho da entrevista concedida à Folha Online.
Folha Online - Como surgiu a ideia para o romance, havia algum objetivo específico?
Tatiana Salem Levy - O objetivo era escrever um romance. A ideia da chave surgiu com as histórias que ouvia da minha família. Na época da Inquisição, um tio-avô que foi expulso da Turquia e foi para Portugal levando a chave de casa que tinha passado de geração em geração. O que achava interessante era o desejo de um dia voltar a aquela casa que tinha sido abandonada. Por isso, acabei decidindo trazer essa historia para hoje, com uma personagem fictícia que vai em busca da casa do avô na Turquia.
Folha Online - Como foi defender uma tese de doutorado que é um romance?
Levy - Essa era a grande questão, na verdade. Fazer um romance ao invés de fazer uma tese pode ser bastante produtivo, embora seja raro, acaba sendo bastante frequente no Brasil. Temos o caso da Adriana Lisboa, que na dissertação de mestrado e na tese defendeu o romance, o próprio Ages Nascimento que na década de 70 fez isso e tem cada vez mais gente fazendo o mesmo, e a universidade está abrindo cada vez mais esse espaço. Era inusitado até mesmo para a banca, estar arguindo sobre um romance, alguns professores falaram mais do romance outras do pós-escrito teórico, para ter material para a discussão.
Fotomontagem Folha Online |
Escritora dissocia judaísmo, religião na busca pela chave de casa |
Folha Online - Como trabalha então a sua herança judaica, tão presente nessa questão da busca de identidade?
O judaísmo é muito complexo, não é só uma religião, envolve uma questão cultural e genética, que é diferente da própria crença. Sempre recebi essa herança de uma forma muito fragmentada, como nas comemorações familiares. Participava da Páscoa judaica ou do Dia do Perdão, mas era algo sempre de fora, com um olhar meio estrangeiro. Judia de certa forma, e ao mesmo tempo estrangeira dentro desse judaísmo. Foi com isso que eu trabalhei no romance: um judaísmo estilhaçado, que realmente não passa por Deus, passa por uma cultura, cultura de imigrantes, muita cultura do livro, os judeus têm tradicionalmente essa tradição com o livro, com o saber. Já que tiveram que se deslocar tantas vezes, a casa você não leva, mas aquilo que você leu, você leva consigo.
Folha Online - Seu livro e a história contada nele retratam o mundo de alguém que busca uma identidade, seja ela a pátria, a família, a cultura. Você nasceu em Portugal, mas mora no Brasil, e tem uma herança familiar bastante extensa. Isso dificultou o encontro da sua própria identidade?
Levi - Não, ao contrario, talvez tenha dificultado, mas é enriquecedor. Mas, todo mundo tem muitas misturas de família no Brasil, tem sempre um história para contar de um lugar, que não o Brasil. Vim de família judaica que saiu da Turquia e por acaso nasci em Portugal. Existe uma relação entre o sentir estrangeiro e o ser escritor. O escritor tem sempre um olhar que é de estrangeiro, pois não importa de onde você veio, qual a crença e origens. Você sempre se sentirá meio estrangeiro no mundo. É um olhar esquisito, de fazer parte e não fazer parte. Na verdade, a multiplicidade de origens contribui de forma rica para a identidade. A formação da identidade é muito mais uma busca do que algo já pronto, que a gente pode simplesmente encontrar. O grande barato é estar entra ambas as coisas, você procurar uma raiz, mas ao mesmo tempo você desapegar dela. Eu particularmente gosto muito de viajar e a literatura pra mim está muito relacionada a viagens, a literatura é um outro tipo de viagem. Eu acho que faz parte de mim gostar de viajar, seja fisicamente ou no imaginário. Eu gosto da ideia de poder transitar pelos lugares sem fronteira. Mas a gente sempre é brasileiro, é sempre aquilo que você trás consigo, um pouquinho judeu, um pouquinho português, mas eu sempre vou ter um olhar que por mais um pouquinho que seja tem alguma raiz.
Folha Online - O livro "A chave de Casa" fala muito de dor. O processo de escrevê-lo foi doloroso?
Levy - É um romance dolorido. Acho que a alegria e a dor nunca vem sozinha, pode vir tudo misturado. A vida é dolorida até pelo começar do nascer rumo à morte, pois passamos toda a vida sabendo que um dia vai acabar. Logo, já existe uma dor, essencial do ser.
Folha Online - Você busca por uma chave de casa?
Levy - Vivo perdendo a minha chave de casa e quem perde está sempre procurando, acho que é isso.
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