Nelson Pereira dos Santos fecha noite na Flip com anedotas cinematográficas
O dia em que a cachorra Baleia foi ao Festival de Cannes, depois de ser alimentada às escondidas pelo ator Jofre Soares, e a impressão de Nelson Pereira dos Santos de estar num campo de concentração durante visita ao sertão da Bahia foram alguns dos assuntos da última mesa de sexta (3) na Flip, estrelada pelo cineasta.
O "mais literário dos nossos diretores", nas palavras do mediador Claudiney Ferreira, teve a trajetória repassada em mesa em sua homenagem na Tenda dos Autores, em Paraty. Ao seu lado, a cantora Miúcha, que escreveu roteiros com Pereira dos Santos, fez poucos apartes. A mesa começou com atraso e acabou depois das 23h, devido ao atraso da mesa anterior, com dona Cleo e Maria Bethânia.
Pereira dos Santos contou que, antes de resolver adaptar para o cinema "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, homenageado desta edição, pensou em criar um roteiro do zero. Na época, trabalhava em jornais e fazia documentários sob encomenda. Ao realizar um deles em Juazeiro, na Bahia, sentiu que aquele ambiente inóspito merecia um filme exclusivo.
"Comecei a escrever meu roteiro. Parecia um trabalho de foca [jargão para iniciante em jornalismo], superficial, não tinha conteúdo. Comecei a buscar informações nas obras que já tinham tratado do tema e me bateu uma luzinha: 'Por que não pegar o que Graciliano já fez?'"
As histórias de Baleia, cachorra homônima que interpretou a mais célebre personagem de "Vidas Secas", deliciou o público. Pereira dos Santos contou que, para dar credibilidade à personagem, deixava a Baleia sem comer antes das filmagens, inclusive para conseguir, por exemplo, que ela fizesse determinados percursos atrás de carne escondida na locação.
Mas várias vezes a Baleia não ia, e Pereira dos Santos descobria que o ator Jofre Soares ficava com pena dela passando fome e dava comida escondido antes das filmagens. "Falei pro Jofre: 'Então vai você dirigir a Baleia!'
Noutra feita, surgiu o boato de que a cadela tinha morrido de verdade em cena. "Uma condessa falou que só no Brasil, país subdesenvolvido, matavam um cachorro para fazer um filme", lembrou o cineasta.
O filme estava na época prestes a ser exibido no Festival de Cannes. Para faturar em cima, a Air France ofereceu uma passagem para a Baleia comparecer ao festival e provar que estava viva. Saiu no jornal, ela virou estrela. "Mas a condessa continuou achando que ela tinha morrido. 'Viralata é tudo igual, pegaram outro', ela disse", contou Pereira dos Santos.
MÚSICA E PARATY
Miúcha, que assinou com o cineasta o roteiro do documentário "A Música Segundo Tom Jobim" (2011), disse que Nelson Pereira dos Santos "foi o primeiro a ter a ideia de fazer um filme sobre música no qual a música se bastasse".
"Ele batalhou por isso, porque as pessoas ficavam preocupadas: 'Como assim um documentário sem fala nenhuma?' E no fim veio essa obra prima. Nelson é muito moderno", comentou.
O cineasta falou ainda sobre "Como Era Gostoso o Meu Francês" (1971), parcialmente filmado em Paraty, com as ocas indígenas montanas na praia da Graúna.
"Ali fomos vítimas de censura, de uma proibição absoluta. A censura permitiu que o filme pudesse ser exibido fora do Brasil, então foi para Cannes, para os Estados Unidos. Aqui, tempos depois eles pediram para fazer alguns cortes. Foi lançado no cinema e ficou incompreensível, mas, como era uma coisa diferente, pegou."
Pereira dos Santos deu ainda dicas a iniciantes, respondendo a questionamentos do público. "Para o aluno que está interessado em se tornar um profissional de cinema, recomendo não ser assim tão seguro no que faz, não ser, digamos, quadrado. Tem que ser solto para poder tomar conhecimento de novos temas ou realidades que desconheça"
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