Crítica: Devoção de Bárbara Heliodora guia história de encenações no Rio
Bárbara Heliodora questiona repetidamente, em seu novo livro, "a afirmação de que o Brasil não teve teatro" até meados do século 20. Responde à visão, disseminada a partir de São Paulo, de que o teatro só se estabeleceu com Nelson Rodrigues e, sobretudo, com o Teatro Brasileiro de Comédia, na capital paulista.
Ela não volta muito no tempo. Concorda com a avaliação de que houve pouco teatro no Brasil colonial; por exemplo, escreve que Antônio José da Silva, o Judeu, embora nascido e encenado no Rio do século 18, não tinha vínculos com a cidade e era um autor português. Pelo que indica, o teatro brasileiro só nasce na década de 1830.
É quando "aparecem três notáveis para dar vida às artes cênicas brasileiras": Gonçalves de Magalhães, "autor, como afirma, da primeira tragédia", Martins Pena, "criador da comédia de costumes", e João Caetano, primeiro ator a ser "consagrado nos palcos nacionais". E "todos os três são nativos do Rio".
Depois vieram José de Alencar, França Jr., Machado de Assis, Artur Azevedo. Embora traga preciosidades, como Machado ter feito uma paródia de "La Traviata", intitulada "Cenas da Vida no Rio", o livro não expressa a riqueza do pensamento teatral da época, na cidade.
Lenise Pinheiro/Folhapress |
A crítica teatral Barbara Heliodora durante entrevista em sua casa, no Rio |
"A História do Teatro no Rio" passa ao largo de obras recentes que revelaram um Rio em ebulição intelectual no século 19, como "Ideias Teatrais" (Perspectiva, 2001), de João Roberto Faria, que analisa e reproduz parte dos embates sobre romantismo e realismo nos palcos cariocas.
Outras lacunas podem ser notadas, como "Vínculos de Fogo" (Companhia das Letras, 1992), de Alberto Dines, que mostra um elo familiar e cultural maior de Antônio José da Silva com o Rio.
O melhor do livro está no relato que Heliodora, 90, faz do que viu com os próprios olhos. Criança, estava na plateia de "Romeu e Julieta" em 1938, direção de Itália Fausta para o Teatro do Estudante do Brasil. Daí por diante, de "Vestido de Noiva" e "Hamlet" nos anos 40 até hoje, é a maior testemunha do teatro.
Estende-se sobre as carreiras de Fausta e Leopoldo Fróes, Cacilda Becker e Maria Della Costa, Sérgio Cardoso e Sérgio Britto, Tônia Carrero e Fernanda Montenegro, todos exitosos no Rio, antes e depois de passarem por São Paulo. O mesmo vale para diretores como Ziembinski.
São de especial importância as narrativas sobre dois movimentos históricos nos palcos cariocas, o musical e o besteirol, que ecoam até hoje no restante do país.
Sobre o primeiro, confirma como é distorcida a visão de que as franquias da Broadway chegaram na última década. Elas vêm dos anos 60, assim como seu estímulo e influência sobre criações nacionais.
Percebem-se no livro suas preferências quase pessoais, do Teatro dos Sete a Miguel Falabella, assim como as restrições, por exemplo, ao evitar "Roda Viva".
De modo geral, ela privilegia o teatro divertido, despretensioso, como escreve Montenegro no prefácio. Mas o que sobressai é sua "perseverança e devoção" ao teatro.
A HISTÓRIA DO TEATRO NO RIO DE JANEIRO
AUTOR Bárbara Heliodora
EDITORA Novas Direções
QUANTO R$ 100 (255 págs.)
AVALIAÇÃO bom
Livraria da Folha
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