Região separatista da Moldova ainda tem traços comunistas
O taxista Gennaddi Vihristina não anda pelas ruas de Tiraspol sem o seu passaporte amarfanhado, onde se lê CCCP (URSS). "Ninguém mais reconhece isso. Mas, aqui em Transnístria, é o único documento oficial."
Pouco conhecida até dentro da Europa, a Transnístria vive no limbo.
A região tem presidente, ministros, moeda, bandeira, Constituição, Parlamento e controles fronteiriços próprios. Mas a sua independência não é reconhecida nem mesmo pela aliada Rússia, que mantém algumas centenas de soldados ali há 20 anos.
Com uma área de 4,1 mil km² (pouco menor que o Distrito Federal) e população de 500 mil habitantes, a Transnístria, de maioria eslava e idioma russo, pertence formalmente à Moldova, de maioria étnica romena.
Em 1992, uma tentativa do governo central de impor a língua romena a todo o país desatou uma guerra civil. Desde então, o Exército russo faz a vigilância da fronteira, marcada pelo rio Dniester.
Desde a secessão, a região é governada pelo nacionalista Igor Smirnov, 70. Ex-prefeito na era soviética de Tiraspol, a capital, ele tenta no próximo domingo a sua quinta reeleição. Mas, desta vez, ele perdeu o apoio do Kremlin, aparentemente insatisfeito com o impasse nas negociações com a Moldova.
Moscou agora favorece o deputado Anatoly Kaminsky, cuja campanha, bastante visível, consiste em dezenas de outdoors e pôsteres ao lado do premiê russo, Vladimir Putin.
"Não posso dizer que as mudanças foram grandes", diz Vihristina, que, aos 40 anos, passou metade da vida sob a URSS e fala um português aprendido após oito anos trabalhando em Lisboa como pedreiro e motorista. "Você não pode fazer nada. Trabalha só para comer, aqui não se ganha dinheiro."
Quase tudo em Transnístria tem a aura do período soviético: blocos de apartamentos mal conservados, a bandeira oficial com a foice e o martelo, estátuas de Lênin, ônibus elétricos enferrujados, viaturas Lada da polícia, militares russos nos postos de fronteira e fábricas cinzentas.
MONOPÓLIO
Enquanto a estrela da URSS continua nos símbolos políticos, a que detém o monopólio é a da empresa Sheriff. Fundada por dois ex-agentes secretos, é ligada a Smirnov e se beneficia do limbo jurídico da região: controla supermercados, bancos, a única empresa de celular, TV a cabo, cassinos, fábricas privatizadas da era soviética e até mesmo os dois principais times de futebol da região, que treinam no mesmo local.
"Está vendo aquela agência bancária?", diz o volante baiano Fred Nelson de Oliveira, 25, há quatro anos na cidade, durante uma caminhada na rua principal. "É a única coisa em volta que não pertence ao Sheriff."
A hegemonia diminui os salários e provoca emigração de jovens, a maioria para Moscou -muitas famílias sobrevivem graças a remessas.
Desiludido, Vihristina diz que não votará no domingo "porque já está tudo combinado" e que planeja voltar a Portugal no ano que vem.
"O importante é fazer parte de um país, não importa com quem. Com a Moldova faz mais sentido, porque a Rússia está a 1000 km. Mas ninguém vai se unificar com ninguém, os que dominam a Transnístria não querem perder o poder."
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