Análise: Não interferir na Síria seria a decisão mais ousada, para Obama
No Ocidente, queremos que nossos líderes sejam fortes e decididos. Os presidentes dos Estados Unidos deveriam se comportar como heróis de aventura. Essa ideia foi capturada em um comercial de campanha de Hillary Clinton, que falava sobre "o telefonema das três da manhã".
Ouve-se um telefone tocando na Casa Branca em plena madrugada, e o telespectador é informado de que "algo está acontecendo no mundo". Não sabemos a natureza da crise que o presidente terá de enfrentar.
Mas podemos ficar certos de que a resposta apropriada não é bocejar, virar para o outro lado no colchão e dizer que "vou pensar sobre isso amanhã cedo".
O comercial sobre o telefonema das três da manhã tinha Barack Obama como alvo. Por isso, é potencialmente embaraçoso que o presidente Obama esteja agora sendo acusado de perigosa indecisão, no exercício de seu cargo.
A guerra civil na Síria já custou mais de 70 mil vidas. A "linha vermelha" que o presidente anunciou quanto ao uso de armas químicas já pode ter sido cruzada. E mesmo assim Obama está mantendo os Estados Unidos à margem do conflito.
Para seus críticos, o presidente está provando ser uma pessoa que hesita em agir durante uma crise - e portanto um mau líder.
No entanto, há ocasiões em que as melhores decisões presidenciais são decisões de não agir. O argumento é apresentado em um novo e excelente livro de Joseph Nye, da Universidade Harvard, intitulado "Presidential Leadership and the Creation of the American Era" [liderança presidencial e a criação da era americana].
O professor Nye aponta que, nos anos 50, o presidente Eisenhower resistiu a se envolver na guerra do Vietnã e reagiu com grande cautela à invasão soviética da Hungria. Ele também "se opôs resolutamente a numerosas recomendações de uso de armas nucleares nas crises da Coreia, Dien Bien Phu e Quemoy-Matsu". Como escreve o professor Nye, "o resultado da prudência de Ike foram oito anos de paz e prosperidade".
O fato de que Eisenhower, como autêntico herói de guerra, tivesse a confiança de dizer aos seus assessores obcecados pelo uso de armas nucleares, que "vocês estão malucos, rapaziada", certamente ajudou.
Em contraste, o presidente George W. Bush --cujo histórico militar era notavelmente menos brilhante-- sentiu a necessidade de demonstrar dureza quanto ao Iraque. Definiu-se como "um homem de decisão" e gostava de imaginar que seu estilo de liderança era audacioso e decidido. Outros podem descrevê-lo como impetuoso e imponderado.
E isso não seria problema, exceto que muitas de suas "decisões duras" sobre o Iraque se provaram desastrosamente erradas.
Obama não seria um ser humano decente --e muito menos um bom líder-- se não sentisse o ímpeto de tentar deter a matança na Síria. Ele não está agindo porque não tem respostas para algumas perguntas cruciais.
Caso forneçamos armas aos rebeldes, como saber que isso simplesmente não agravará o morticínio? Se uma intervenção ocidental for decisiva o bastante para alterar o balanço militar, será que compreendemos a natureza das forças que tomarão o controle da Síria?
Existe alguma maneira de garantir que um regime decente emergirá na Síria, sem um compromisso de uma década de duração, ao modo do Afeganistão, para com a construção de um Estado viável? (E, incidentalmente, o Afeganistão não parece ter funcionado tão bem.)
Os críticos do presidente respondem que se ele não agir decisivamente e rápido, o conflito sírio se espalhará pela região. Podem apontar para recentes atentados a bomba na Turquia e para os ataques aéreos israelenses contra a Síria como prova. O argumento deles é de que o Oriente Médio inteiro será estabilizado e que os Estados Unidos perderão poder e credibilidade na região.
Mas mesmo que os Estados Unidos acreditem ter identificado forças genuinamente positivas às quais fornecer armas na Síria, não há como determinar que elas terão a capacidade de reter o poder, depois da queda do presidente Bashar Assad.
As lições do Iraque e do Afeganistão apontam que é necessária humildade quanto ao que se pode realizar - e realismo quanto às dimensões do compromisso que pode se provar necessário, se os Estados Unidos por fim decidirem que têm de agir.
O fato de que Obama esteja se recusando a responder a apelos por "ação dura" e imediata na Síria não é um sinal de que ele é um líder fraco - é um sinal de que ele é um bom líder.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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