Análise: Militares alimentam radicais, e reconciliação é improvável no Egito
O mais recente massacre do Egito é um daqueles acontecimentos profundamente chocantes, mas nada surpreendentes, dada a determinação das Forças Armadas de reprimir a Irmandade Muçulmana depois da derrubada de Mohammed Mursi.
Qualquer que seja o cômputo final de novos "mártires", a lição inescapável --para ambos os lados-- é que o Egito precisa desesperadamente de compromisso político, e não de força bruta, para resolver seus problemas.
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Mesmo se ontem não tiver sido o mais sangrento dia da Primavera Árabe --a guerra da Síria oferece um parâmetro difícil de superar--, certamente será um golpe mortal para as esperanças de mudança pacífica, no Egito e em outros países.
Os esforços diplomáticos para negociar o fim do impasse no Cairo jamais ganharam empuxo. Os Estados Unidos e a União Europeia claramente deixaram de condenar o golpe do Exército, em parte porque ele desfrutou de imenso apoio popular.
A Irmandade, repleta de raiva pelo modo de remoção de Mursi, mostra tão pouca disposição quanto o Exército para aceitar um acordo.
A campanha de repressão violenta opera sob uma lógica sombria. A Irmandade foi severamente enfraquecida, ainda que certamente deva se reagrupar em algum lugar.
A organização, ainda forte na região rural, não desaparecerá. E as raízes do islamismo político no país em que esse movimento nasceu tampouco serão arrancadas. Os ataques a igrejas coptas alimentarão o medo de um agravamento no sectarismo.
Os generais serão os árbitros finais do poder, mas, por quanto mais tempo governarem --mesmo que por trás da fachada de um presidente interino e de um gabinete civil--, mais terão de assumir a responsabilidade pela crise política e econômica.
O maior perigo, porém, é o aumento da violência. A comparação óbvia, e apavorante, é com a Argélia em 1991, quando o Exército cancelou eleições que um partido islâmico era favorito a vencer. O resultado foi quase uma década de guerra civil, com 150 mil mortos, enquanto o mundo desviava o olhar.
As perspectivas de reconciliação parecem ter desaparecido no Egito. Os jihadistas, que nunca acreditaram que o percurso para o poder passasse pelas urnas, se sentirão justificados.
Há informações sobre grande contrabando de armas vindas da Líbia e crescentes ataques a postos do Exército no Sinai. São indicadores de algo que pode se tornar tendência em um cenário de incerteza e medo.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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