Análise: Rússia vê avanço dos EUA e teme ascensão da China
Herdeiros dos czares e dos ditadores soviéticos enfrentam uma das situações geopolíticas mais adversas da história russa. Ficaram para trás os tempos de bonança territorial, quando a Rússia contava com "zonas-tampão" polpudas para garantir ganhos políticos, econômicos e, sobretudo, uma vantagem militar a defender seus centros de poder, como Moscou e São Petersburgo.
No século 21, o Kremlin lamenta perdas de satélites na Europa oriental, testemunha o avanço da influência de EUA e Alemanha na Europa e ainda teme a ascensão do vizinho oriental, a China.
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Vladimir Putin chegou ao poder com a missão de estancar a decadência, após os turbulentos anos de Mikhail Gorbatchov (1985-91) e Boris Ieltsin (1991-99). Colheu bons resultados econômicos, graças a petróleo e gás, e domou a instabilidade política ao fazer recuar a incipiente democracia russa. Atravessa agora fase difícil de seu reinado.
Putin se gabava de ter recuperado peso internacional para Moscou e de ter sufocado o separatismo e o terrorismo no Cáucaso. A sangrenta guerra da Tchetchênia tornou-se marca do putinismo.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Rússia x EUA |
Mas a mão pesada do Kremlin se mostra inútil contra o avanço de rivais ocidentais em solo europeu.
Desde o fim da Guerra Fria, EUA e Alemanha implantam a estratégia, via União Europeia e Otan, de empurrar a influência russa para trás. Sob liderança germânica, o bloco europeu encampou 13 países de 2004 a 2013, em sua maioria na Europa oriental, como Romênia, Polônia e Bulgária. Flerta agora com a Ucrânia.
Do Kremlin, sinais de incômodo profundo substituíram as esperanças de cooperação estratégica com Washington e Berlim. A opção inicial russa era uma aproximação dos rivais da Guerra Fria, para obter investimentos e tecnologia. Desistiram de aguardar.
Responsável pela pá de cal na moribunda URSS, Ieltsin esperava ser recompensado por um Plano Marshall para a cambaleante economia russa dos anos 90. Adotou uma diplomacia pró-Washington, apesar de momentos de atrito. Seu sucessor, Putin, foi o primeiro chefe de governo a dar solidariedade a George W. Bush no 11 de Setembro.
A Casa Branca rejeitou as investidas russas. Vê Moscou mais como ameaça do que como parceiro, e mesmo Barack Obama não conseguiu livrar o establishment dos EUA das lentes da Guerra Fria.
Com as negativas em inglês, Moscou passou a privilegiar laços com a China. O comércio bilateral decolou, as relações políticas se aqueceram. Os russos fornecem aos chineses armas e petróleo, numa estratégia que provoca calafrios em diversos setores da elite moscovita.
Pululam na capital russa as avaliações sobre ameaças vindas de Pequim. O histórico dos dois países exibe mais rivalidade que cooperação. Em 1969, por exemplo, quase protagonizaram uma guerra nuclear, devido a disputas territoriais no leste asiático.
Regiões siberianas e do extremo oriente da Rússia avistam a trepidância das reformas econômicas da China. Seus líderes advertem o Kremlin da "invasão silenciosa" chinesa, por meio de comerciantes que atravessam a fronteira e lotam mercados.
No jogo triangular entre os grandes protagonistas das últimas seis décadas, a Rússia enfrenta seu momento mais adverso. EUA e China crescem, direta ou indiretamente, nas fronteiras de um império que, do ponto de vista geopolítico, já viveu dias bem mais confortáveis.
JAIME SPITZCOVSKY foi correspondente da Folha em Moscou (1990-94) e em Pequim (1994 e 1997). Integra o Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP.
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