Menores refugiados sofrem acidentes e maus-tratos a caminho da Suécia
Marko Drobnjakovic/Associated Press | ||
Criança é vista em acampamento temporário em Roszke, Hungria, perto da fronteira com a Sérvia |
Cerca de 700 menores refugiados estão chegando semanalmente à Suécia desacompanhados dos pais, muitos dos quais feridos em acidentes e alguns mostrando as cicatrizes físicas e psicológicas de espancamentos ou estupros cometidos por aqueles que os contrabandearam.
Usualmente os menores, em sua maioria meninos adolescentes, concluem sua longa jornada do Oriente Médio, África e Ásia atravessando a ponte de Oresund da Dinamarca para a Suécia, e a primeira cidade sueca a que chegam é Malmo.
A equipe do centro de trânsito de Malmo, que cuida dos menores desacompanhados em seus primeiros dias no país, descreve sua chegada com ferimentos na cabeça e fraturas.
As lesões em muitos casos foram sofridas em quedas de caminhões nos quais tentavam escapar clandestinamente. Mas as lesões também podem ter sido infligidas pelos contrabandistas pagos por seus pais para os conduzir à segurança da Europa Setentrional.
Alguns, por exemplo, mostram perda de audição por terem sido esbofeteados no ouvido durante uma jornada que inclui uma travessia marítima arriscada na direção da Europa, em jangadas ou barcos que em muitos casos mal têm condição de navegar.
"Também recebemos muita gente que veio via Líbia, incluindo passageiros de barcos que emborcaram", disse Kristina Rosen, a diretora do centro.
Um menor desacompanhado contou que seu irmão se afogou no Mediterrâneo; os funcionários do centro estimam que mais de metade dos recém-chegados venham a precisar de cuidados psicológicos em algum momento.
Em proporção à sua população, a Suécia recebe mais pessoas em busca de asilo do que qualquer outra nação europeia, e o número vem subindo rapidamente, com muita gente em fuga da guerra civil na Síria.
Pedidos de asilo - Entre 2011 e 2014, em milhares
O país, que acolhe refugiados desde os anos 70, também recebe um terço dos menores desacompanhados que chegam à União Europeia, e a expectativa é de que o número deles dobre este ano, para 12 mil.
As autoridades dizem que os pais muitas vezes só têm dinheiro para contrabandear uma pessoa da família. Por isso enviam um menor à Suécia, em muitos casos para evitar que sejam recrutados como combatentes por grupos militantes, a exemplo do Estado Islâmico, que conquistou grandes áreas da Síria e Iraque, ou do Al Shabaab, da Somália.
Menos de um terço dos desacompanhadas volta a ver os pais.
DESGASTE
Malmo, a apenas 35 minutos de Copenhagen de trem, é o principal porto de entrada para menores na Suécia.
Alguns são encontrados vagando nas ruas da cidade por desconhecidos que os levam às autoridades. Outros procuram a polícia ou assistentes sociais, ou são deixados pelos contrabandistas perto da sede da Agência de Migração, com informações sobre a localização do escritório.
Até agosto, 9.383 menores desacompanhados haviam solicitado asilo na Suécia este ano, ante 7.049 em todo o ano de 2014. Os pedidos se aceleraram acentuadamente nos últimos meses.
Os refugiados provêm principalmente do Afeganistão, Eritreia, Somália e Síria, mostram dados da Agência de Migração sueca, e são majoritariamente meninos.
No ano passado, 29% dos menores desacompanhados que buscaram asilo na União Europeia vieram à Suécia, segundo a agência, que estima o custo de atendê-los em 9,1 bilhões de coroas suecas (US$ 1,1 bilhão) este ano.
Os menores passam apenas alguns dias no centro de trânsito de Malmo antes de serem transferidos a outros centros em todo o país, ou, no caso das mais jovens, aos cuidados de famílias que as abrigarão.
A equipe tenta criar no centro de Malmo uma atmosfera mais de lar que de instituição. Os adolescentes estão acomodados em um espaço com cara de sala de estar e jogam videogames ou navegam no Facebook.
Quando um menino sírio, que diz ter 12 anos, chegou ao centro, ele falava baixinho, em inglês básico. Usava calças de moletom limpas e carregava uma malinha. A equipe diz que crianças pequenas muitas vezes chegam de trem.
Mas os mais velhos muitas vezes chegam em forma muito pior e, em certos casos, muito sujas depois de viajar até a Suécia penduradas sob um caminhão.
"O que mais impressiona quando chegam é que estão extremamente cansados e famintos. Comem sem parar", diz Rosen. Cerca de 92% dos menores desacompanhados que buscam asilo têm entre 13 e 17 anos.
Com 40 a 50 crianças chegando a cada dia, os recursos da cidade estão sob pressão, diz a prefeita de Malmo, Katrin Stjernfeldt Jammeh, mencionando problemas de superlotação e a dificuldade de recrutar pessoal.
Depois que se estabelecem, a maioria dos adolescentes refugiados se sai bem ao crescer.
Um estudo da Universidade de Estocolmo sobre menores que chegaram entre 2003 e 2013 mostra que, apesar de seu índice de emprego ser inferior ao da população sueca, um número maior deles havia encontrado emprego em comparação a menores refugiados que chegaram com os pais.
Aref Karami, 21, do Afeganistão, chegou sozinho à Suécia aos 16 anos. Ele viajou pela Turquia, Grécia, Itália, França, Alemanha e Dinamarca. Entre a Grécia e a Itália, fez a travessia em um bote de borracha que transportava 34 pessoas; o percurso durou sete horas.
"Tinha ouvido dizer que a Suécia é o melhor país onde estudar, e estudar era o meu sonho", disse Karami, que está fazendo o segundo grau e sonha se tornar arquiteto.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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