Campanha de relações públicas da Coreia do Norte sai pela culatra
A Coreia do Norte expulsou um jornalista britânico nesta segunda (9), no mais recente exemplo de como os esforços de propaganda internacional do país estão saindo pela culatra.
Rupert Wingfield-Hayes, correspondente da BBC em Tóquio, foi detido na sexta (3) ao tentar deixar o país depois de uma viagem jornalística de uma semana de duração, interrogado em seu hotel por oito horas e forçado a assinar uma declaração na qual se desculpa por suas reportagens.
Na segunda-feira, ele foi oficialmente expulso e deixou Pyongyang com seu câmera e sua produtora, que também ficaram detidos no hotel contra sua vontade por cerca de oito horas, na semana passada. A BBC manteve a situação dos jornalistas em segredo até segunda-feira, a fim de tirá-los do país em segurança.
CIRCULAÇÃO CONTROLADA
A experiência dos jornalistas britânicos agrava o medo e a frustração do grupo de cerca de 130 jornalistas convidados a cobrir o histórico congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia, que volta a acontecer em 2016 pela primeira vez em 36 anos.
Em lugar de irem ao local do congresso ou de serem autorizados a falar com qualquer um dos 3.500 delegados, os jornalistas, entre os quais dois do "Financial Times", foram mantidos sob rigoroso controle.
Nos primeiros quatro dias do conclave, eles foram levados a uma fábrica de cabos elétricos, a uma tecelagem de seda, ao metrô de Pyongyang, ao local de nascimento do presidente Kim Il Sung e à casa de um trabalhador modelo.
Um ou dois "guias" que falam fluentemente o idioma dos visitantes foram designados para cada veículo de mídia, e os acompanham sempre que eles saem do hotel, que fica em uma ilha no meio do rio que atravessa Pyongyang.
Os guias deixaram claro que os repórteres não devem sair sozinhos do hotel, sob qualquer circunstância, o que torna impossível reportar independentemente.
No domingo, os repórteres foram colocados em um ônibus e levados a um local no qual importantes líderes norte-coreanos estavam claramente presentes, mas terminaram enviados de volta ao hotel imediatamente, e não foram autorizados a sair de lá pelo resto do dia.
Na segunda-feira, um grupo seleto de 30 jornalistas, entre os quais dois da BBC, foi levado secretamente ao local do congresso, deixando quase cem outros no hotel, brigando com seus guias, que tentaram levá-los a uma fábrica de alimentos.
Um funcionário do governo disse que uma estação de TV e um jornal ou agência de notícias de cada país foram selecionados para visitar o congresso, e que o "Financial Times" havia sido o jornal britânico selecionado, já que era o único jornal britânico presente em Pyongyang.
Mas outro funcionário afirmou que o "Financial Times" não estava na lista e que os jornalistas que o representavam não poderiam embarcar no ônibus.
Em lugar disso, eles foram levados a um campo de treino de tiro onde os únicos usuários presentes eram um casal que estava celebrando seu casamento posando para fotos diante de rifles de grande calibre.
NO CONGRESSO
Os repórteres levados ao local do congresso foram mantidos lá por três horas, depois de passar por uma verificação de segurança rigorosa, e tiveram seus celulares, microfones e baterias adicionais retidos. Depois, foram autorizados a testemunhar a entrada do ditador Kim Jong-un.
Outro funcionário do governo fez um discurso de cinco minutos para anunciar que o título oficial de Kim havia sido mudado para algo um pouco mais prestigioso, e depois os repórteres foram conduzidos para fora do local e devolvidos ao hotel.
Julie Makinen, repórter do "Los Angeles Times", disse ter sido informada de que não poderia ir ao local do congresso porque suas "reportagens não são bonitas", e porque os norte-americanos não compreendem a República Democrática Popular da Coréia.
Enquanto isso, Wingfield-Hayes foi autorizado a deixar o país com sua equipe e aterrissou em segurança em Pequim na noite de segunda-feira.
Durante sua semana no país, acompanhando uma "delegação de paz" de detentores do Prêmio Nobel, as autoridades norte-coreanas expressaram profunda insatisfação com o conteúdo de suas reportagens.
Repórteres que compareceram a uma entrevista coletiva anunciando a expulsão de Wingfield-Hayes disseram que as autoridades haviam objetado especialmente a uma reportagem da BBC na qual Kim Jong Un era descrito como "corpulento".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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