Medidas do governo fazem Maduro resistir como presidente da Venezuela
Ameaçado pela crise econômica e social que está devastando a Venezuela, o chavismo manobra para se manter no poder. Mesmo quebrado, endividado e impopular, o governo de Nicolás Maduro resiste a investidas internas e externas.
Chavistas perderam o domínio da Assembleia Nacional para a oposição em janeiro, mas ainda controlam três instituições-chave: o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ, corte suprema), o Conselho Nacional Eleitoral (CNE, órgão eleitoral) e as Forças Armadas.
Federico Parra/AFP | ||
Moradora de Caracas grita com policiais em fila para comprar produtos básicos em um supermercado |
"Engana-se quem pensa que o governo está morto. Pelo contrário, ainda detém o monopólio do poder no país", diz um importante estrategista da oposição. "O governo de Cuba esteve em situação muito pior e não caiu."
No plano interno, Maduro neutralizou a Assembleia graças ao TSJ. Nenhuma lei aprovada pelo Legislativo entrou em vigor —muito menos a que visava desaparelhar a Corte.
Vetos parlamentares a iniciativas presidenciais, incluindo controversas medidas econômicas, foram contornados graças ao TSJ, que valida tudo do Executivo.
O governo também se blinda contra um projeto de referendo revogatório para abreviar a presidência de Maduro, eleito em 2013 para um mandato de seis anos. O mecanismo está previsto na Constituição, mas novas eleições só ocorrerão se Maduro for destituído até o fim deste ano. Se isso ocorrer em 2017, o vice-presidente assumiria até o fim do mandato.
Por isso, o CNE atravanca a ativação do referendo revogatório, que depende de sucessivas coletas e verificações de assinaturas. Protestos pela aceleração dos trâmites foram reprimidos. Na semana passada, um deputado opositor teve o nariz fraturado por militantes chavistas. Ninguém foi preso.
Apesar de recorrentes relatos de insatisfação nas forças de segurança, o alto comando militar e policial continua aplacando com eficiência protestos e saques contra a falta de alimentos e remédios.
"Se houver convulsão social, não seria a oposição quem se beneficiaria, pois ela está desorganizada, não tem lideres nem armas. Quem se beneficiaria seriam o Exército e o governo", diz o analista Luis Vicente León.
Os indicadores econômicos são desastrosos, mas o governo tomou medidas capazes de ao menos atenuar a espiral negativa. O dólar turismo foi desvalorizado em 180% nos últimos dois meses, o que ajuda a diluir dívidas do Estado em bolívares.
Importações foram cortadas em 50% para economizar dólares, cada vez mais escassos devido à queda do preço do petróleo.
O governo também flexibilizou preços de alimentos básicos, como a farinha de milho. O vice-presidente para a área econômica, Miguel Pérez Abad, disse que as medidas surtirão efeito no dia a dia da população em seis meses.
A Venezuela obteve da China empréstimo adicional de US$ 5 bilhões e renegociou velhas dívidas. Somado à venda dos estoques de ouro do Banco Central, isso deverá ajudar a Venezuela a honrar o pagamento de US$ 10 bilhões em títulos da dívida soberana até o fim do ano.
Maduro reverteu parte da pressão externa graças à vitória diplomática contra o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, que havia endossado pedido da oposição venezuelana para aplicar a Carta Democrática contra a Venezuela e expulsá-la do órgão.
A iniciativa até agora foi freada pela diplomacia venezuelana, que costurou apoios suficientes para evitar sanções. O assunto voltará a ser debatido em 23 de junho, mas diplomatas veem poucas chances de sanções.
Críticos dizem, porém, que a situação é tão crítica que as medidas podem permitir ao governo, no máximo, uma sobrevida. Para a socióloga Margarita López Maya, parte do futuro reside na capacidade da oposição. "Se atuarem mal, é possível que ajudem o governo a ressuscitar."
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MEDIDAS DO GOVERNO
> Vendeu US$ 1,7 bilhões de seu estoque em ouro desde o início de 2016
> Corte de importações em quase 50% para economizar dólares
> Renegociação da dívida com a China para obter US$ 5 bilhões adicionais. Total emprestado por Pequim supera US$ 55 bi
> Desvalorização do dólar turismo em 180% nos últimos dois meses para quitar dívidas
> Aumento de 1000% do preço de alguns itens tabelados
> Ofensiva diplomática na busca de votos para impedir aplicação da Carta Democrática da OEA
> Estado de exceção e emergência econômica em todo o país
> Veto a lei da Assembleia Nacional para reformar o Tribunal Supremo de Justiça, hoje controlado pelo chavismo
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