Chavismo assume distribuição de comida em sistema de racionamento
Dezenas de pessoas se enfileiravam, numa manhã recente, diante de um mercado estatal em Catia La Mar, periferia pobre de Caracas. Mas, ao entrar na loja, os clientes não se dirigiam às prateleiras –quase todas vazias.
Eles iam diretamente ao caixa para receber um pacote de alimentos básicos a preço regulado: uma lata de óleo de cozinha, dois pacotes de farinha de milho, um de macarrão e um de leite em pó.
Os mesmos produtos, na mesma quantidade e pelo mesmo preço (900 bolívares o pacote, US$ 1,50 na cotação turismo) para cada pessoa.
Assim funciona o novo sistema de racionamento de comida na Venezuela, país onde a escassez e a inflação alimentam saques e protestos.
Ronaldo Schemidt/AFP | ||
Homem carrega sacola de alimentos após deixar comitê de abastecimento, em favela de Caracas |
Com a promessa de acabar com as filas e com o mercado negro de itens tabelados, o governo chavista está tirando os gêneros alimentícios do comércio privado para vendê-los nas zonas pobres em forma de "combo". O sistema se baseia em organizações de vizinhança batizadas de Clap (Comitês Locais de Abastecimento e Produção).
"Primeiro, os Clap. Depois, o resto", diz o presidente Nicolás Maduro, que atribui o desabastecimento a um complô da oposição.
As sacolas de comida são vendidas de casa em casa ou em mutirões, como no mercado de Catia La Mar. Moradora do bairro, a desempregada Yaneth Mailin, 24, vê vantagens. "É uma iniciativa justa porque todo mundo recebe a mesma coisa."
Mas o modelo parece longe de atender as necessidades da população de baixa renda que depende dos produtos regulados. Os Clap são criticados sobretudo por funcionarem de forma aleatória.
INCERTEZA
O governo promete distribuição quinzenal, mas há bairros onde houve apenas um mutirão desde abril, quando começou o sistema.
Moradores das populosas favelas a leste de Caracas, como Petare e Guarenas, dizem não ter visto nenhuma distribuição. Enquanto isso, há cada vez menos comida nos mercados da região.
Quem depende do sistema também afirma que o conteúdo da bolsa é irregular e insuficiente. "Tenho quatro filhos. O que diabos o governo quer que faça com dois pacotes de farinha de milho?", revolta-se a cabeleireira María Perez, 38, na fila de um mercado onde tentava adquirir aquilo que o Clap não supriu.
A aposentada Maria Blanco, 83, diz nunca ter visto pacote de Clap com carne ou frango. "Só comemos aquilo que o governo decide."
Sob comando do Ministério da Alimentação, os Clap são mantidos por grupos ligados ao chavista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Entre eles estão os Conselhos Comunais, fóruns políticos de bairro, e facções de militância eleitoral conhecidas como Unidades de Batalha Bolívar-Chávez.
Os centros têm um chefe em cada quadra, rua ou prédio. Cabe a ele listar moradores. Cada família registrada tem um representante autorizado a portar o cartão de compra. Lares com idosos, deficientes ou mais de quatro crianças têm direito a um cartão adicional.
"No bairro, todos se conhecem, o que nos permite atender de forma eficiente e justa", diz Hector Montilla, chefe de um Clap no oeste de Caracas. Ele nega relatos de que opositores são excluídos, mas admite ter visto irregularidades, que diz combater.
A Folha ouviu relatos de combos sendo revendidos pelo triplo do preço ou de famílias recebendo além da cota.
Cansado de esperar para entrar no censo, o motoboy Alfredo Pérez, 31, foi reclamar no Conselho Comunal de seu bairro, mas ouviu que teria de esperar. "É claro que favorecem amigos e parentes."
Críticos preveem mais tensão. Há três semanas, houve revolta em um mercado ao lado do palácio presidencial após um caminhão de comida ser desviado para os Clap.
Segundo o analista Luis Vicente León, em texto no site Oridavinci, Maduro continua ignorando o problema de fundo: a destruição do aparato produtivo pelos controles chavistas na economia. "Os Clap só servem para distribuir aquilo que está faltando."
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