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Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

Mais sobre os vazamentos

Imprensa tratou a Lava Jato com condescendência e agora colhe os frutos

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"Hacker diz que não alterou material encaminhado a site", diz manchete de sábado (27) no impresso da Folha de S.Paulo.

Todos os principais jornais fizeram diferente.

Eles decidiram destacar o fato mais surpreendente do dia anterior, segundo o qual a ex-deputada pelo PC do B e candidata à vice-presidência na chapa de Fernando Haddad (PT), Manuela d'Ávila, confirmara ter feito a ponte entre o hacker e o fundador do site The Intercept, Glenn Greenwald.

O hacker é Walter Delgatti Neto, responsável, segundo a Polícia Federal, por invadir celulares de autoridades, entre as quais o procurador Deltan Dallagnol, e repassar o conteúdo de conversas ao The Intercept.

Desconfio que a palavra de Delgatti Neto neste momento não valha muito. Logo, a escolha da manchete pela Folha agrega pouca informação ao leitor, denota certa hesitação do jornal e só alimenta teorias da conspiração.

Melhor fez a Folha um dia antes, quando, em meio ao estouro da apresentação dos suspeitos e das primeiras revelações sobre as invasões dos celulares, decidiu publicar a sexta reportagem da série que vem tocando com base no conteúdo das conversas vazadas.

Se as investigações estiverem no caminho certo, sabemos agora que o material é ilegal e o contato entre Greenwald e o hacker foi possível graças a um ator político.

O novo pano de fundo, aliado ao fato de que a Folha decidiu previamente analisar e publicar o conteúdo das conversas, deve provocar outra onda de questionamentos dos leitores e vou buscar me adiantar a ela.

Seguem alguns pontos: 

— O jornalista pode publicar material cuja origem é ilegal sem que necessariamente incorra em crime, sobretudo se o material é de interesse público. Seu trabalho está amparado pela Constituição Federal.

— A descoberta dos criminosos e o interesse público nas informações veiculadas com base no conteúdo das conversas não se misturam. O hackeamento não anula os questionamentos feitos sobre a atuação conjunta entre o ex-juiz e a parte acusadora no âmbito da operação Lava Jato.

— A Folha não participou da obtenção do material ilícito e, analisando-o, não detectou indício de que ele possa ter sido adulterado. O jornal também enviou áudio do procurador Deltan Dallagnol à perícia, que apontou indícios de autenticidade.

— A estratégia dos envolvidos nas conversas tem sido desqualificar seu conteúdo. Agora, a Polícia Federal está de posse de todas as mensagens e pode, como sugeriu o próprio ministro Sergio Moro em depoimento no Congresso, averiguar a autenticidade delas.

Por certo, há ainda muitas perguntas não respondidas. Não se sabe exatamente quantas pessoas foram hackeadas e se por um mesmo hacker, se há mais gente envolvida nos crimes e, principalmente, se alguém pagou pelo material obtido pelas invasões

O caso obviamente só tem a ganhar se a imprensa sair da posição de aceitar passivamente as informações e vazamentos da própria PF e fazer o seu papel de questionar. 

Quem são os suspeitos, onde circulavam, há como obter mais informações sobre eles? 

De quem são os cerca de mil celulares que sofreram os ataques? Há mais alguém por trás disso tudo?

Em meio à avalanche de dúvidas, parte do leitorado diz que é hora de a Folha deixar de publicar o material e sair de uma situação que consideram constrangedora, em que o jornal age como blog partidário.

Outros sugerem que o jornal estaria segurando o ritmo das publicações de acordo com conveniências editoriais.

Na minha avaliação, a Folha e a imprensa como um todo de forma geral trataram a Lava Jato com condescendência e agora colhem os frutos disso em forma de desconfiança.

Parece custar a uma parte dos leitores acreditar que um grupo que estava 100% certo por todo o tempo tenha feito algo de errado no curso dos acontecimentos. E, se fez, isso não seria nada de mais. 

Pois bem, os jornais têm agora a chance de revisitar o processo da operação —e o conteúdo das conversas é um bom gancho para isso.

O material é imenso e a percepção de pessoas envolvidas é que apenas cerca de 20% dele tenha sido examinado.

Talvez a paciência dos leitores se esgote antes que se consiga analisar todo o conteúdo ou ainda se nada bombástico vier à tona. Às vezes, o jornalismo pode ser menos eletrizante do que os filmes fazem parecer.

A Folha fez uma escolha editorial ao decidir enviar alguns de seus repórteres mais experientes para analisar o conteúdo das conversas obtidas pelo The Intercept e, a partir, daí produzir material jornalístico.

Por força das circunstâncias, o jornal será cobrado por suas escolhas e deve agir com cautela redobrada. Mas não precisa das palavras do hacker gritando em manchete para justificar as suas ações.

Erramos: o texto foi alterado

O nome do hacker que afirma ter obtido conversas de investigadores da Lava Jato é Walter Delgatti Neto, e não Walter Delgatti Júnior. O texto foi corrigido.
 

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