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Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

Testando a paciência do leitor

Eventos irritam leitorado e põem em xeque o trabalho dos repórteres do jornal

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Pouca coisa tem mobilizado mais o leitor da Folha do que o acesso às notícias sobre o coronavírus do jornal.

Em nome do legítimo interesse público, chegam desde sugestões de liberação do conteúdo por prazo determinado até pedidos de acesso irrestrito.

Os pedidos se intensificaram depois que a Folha decidiu liberar o acesso de não assinantes a reportagens sobre o coronavírus—o que ocorreu um dia depois de a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarar pandemia.

Segundo a Folha, estão liberadas as reportagens que esclarecem dúvidas sobre o vírus e trazem informações essenciais para o leitor lidar com a doença—o que também acontece em outros jornais brasileiros e estrangeiros.

A medida tem relevância sobretudo em um momento no qual a população é exposta à desinformação cuja fonte não são só aplicativos de mensagens e as redes sociais, mas a Presidência da República.

Ter acesso ao conteúdo dos jornais é instrumento contra a ignorância, a irresponsabilidade e a má-fé—além de autodefesa.

No entanto, a decisão de liberar o acesso é atípica. E, por mais indelicado que pareça lembrar isso num momento como o atual, o jornal continua precisando de assinantes para manter o seu negócio.

A coluna apurou que, no domingo (22), as vendas de assinaturas pelos canais digitais bateram o recorde diário, um sinal auspicioso de que o leitor reconhece o valor da notícia e está disposto a pagar por ela.

Dito isso, é tênue a linha que separa a tentativa de atrair o leitor com conteúdo e a atitude de torrar a sua paciência com o que parece ser pouco-caso.

A Folha montou uma lista de matérias relacionadas à pandemia com livre acesso, mas, no mar de reportagens produzidas, ainda que seja raro encontrar um texto que não esteja relacionado ao tema, a lista dos que foram liberados é muito limitada.

Na sexta-feira (27), foram publicados no jornal impresso, apenas no caderno Saúde, mais de 15 textos de conteúdo noticioso (portanto sem contar colunas e análises) cujo tema era o coronavírus. No mesmo dia, eram duas as matérias na lista de textos liberados.

Além disso, há leitores desesperados por não conseguir acessar reportagens que fazem parte da lista.

O secretário de Redação, Vinicius Mota, diz que as reportagens sobre a epidemia de coronavírus consideradas de utilidade pública pela Redação são liberadas do paywall. "Gostaríamos que os leitores nos informassem de quaisquer problemas de acesso a esse conteúdo gratuito para solucionarmos logo o defeito", diz ele.

O leitor vem fazendo isso, sou testemunha.

Dada a necessidade de informação, a lista de matérias com livre acesso precisa ser ampliada. Além disso, a Folha deveria ao menos deixar claro quais são os critérios usados para selecionar as reportagens, pois parecem arbitrários.

No mais, blogs e colunas seguem disponíveis apenas para assinantes. No caso específico de coluna publicada na quarta (25), ainda bem.

O não assinante foi poupado de um texto recebido com desagrado por muitos leitores.

Nele, o engenheiro Helio Beltrão pede a liberação do uso da hidroxicloroquina em casos sintomáticos da Covid-19.

A coluna, escrita por uma pessoa que não é especialista, fala em "resultados excelentes" da substância e sugere a liberação do uso para todos os casos sintomáticos, não apenas os graves.

A droga, usada para tratar o lúpus, por exemplo, vem sendo testada de modo preliminar em pacientes infectados pelo coronavírus, sem, por ora, resultados conclusivos.

O presidente é outro que fala sobre a substância, no que parece ser uma tentativa de desviar a atenção. Entre quem entende do assunto, o extremo cuidado com que o tema vem sendo tratado busca sobretudo evitar a automedicação.

Mota, secretário de Redação, diz que "é um texto de opinião, cuja liberdade tem ampla guarida na Folha. Questionamentos à posição do colunista também têm sido publicados".

Por definição, o colunista tem independência. Mas o texto desinforma e, no limite, pode expor os leitores a riscos.

Praticar o pluralismo não significa abrir mão da apuração factual. Isso está dito no Manual da Redação, que, entre outros pontos, recomenda aos colunistas que "fatos recém-ocorridos e de grande impacto devem ser tratados com cautela".

Há inúmeras maneiras de afastar o leitor. Parecem bons exemplos disso tanto os testes de paciência com a lista de reportagens liberadas sobre o coronavírus quanto a irresponsabilidade de um colunista.

São eventos que, ainda mais num momento tão sensível, mais do que irritar o leitor, como ocorre no primeiro caso, podem até pôr em xeque o trabalho dos repórteres do jornal. "Não é pluralidade, é temeridade", diz um leitor.

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