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Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

Descrição de chapéu China

Morte de Li Keqiang joga luz sobre relação do ex-premiê com Xi Jinping

Contraste entre os dois serve como desculpa para quem não está feliz com os rumos do regime externalizar sentimento

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Mais do que apenas repentina, a morte do ex-premiê chinês Li Keqiang, falecido em Xangai na madrugada desta sexta (27) vítima de um ataque cardíaco, é simbólica do fim de uma era.

Relativamente novo e até poucos anos atrás visto por parte da cúpula do Partido Comunista como uma opção viável à sucessão de Hu Jintao, Li entra para a história como um líder moderado e reformista; motivos que o fizeram ser colocado de lado pelo colega Xi Jinping.

O ex-premiê chinês Li Keqiang, ao centro, e o líder Xi Jinping, à direita, durante evento do Partido Comunista Chinês em Pequim - Florence Lo - 30.set.23/Reuters

Cria da Universidade de Pequim, instituição conhecida pelo relativo progressismo, Li talvez tenha sido um dos exemplos mais bem acabados do Partido Comunista pós-Deng Xiaoping e sua política de reabertura.

Ele criou fama de ser um oficial diligente e um exímio economista. Com vazamentos de memorandos do Departamento de Estado americano pelo Wikileaks, por exemplo, ficou famosa a transcrição de uma reunião entre Li, então secretário do Comitê do Partido Comunista em Liaoning, e o embaixador americano, Clark T. Randt Jr., em que o chinês dava pistas de como ler a saúde econômica do país.

Ele confessou a Randt Jr. não acreditar nos dados reportados de crescimento na sua província, preferindo medir o sucesso da economia com base em três indicadores: o volume de carga ferroviária, o consumo de eletricidade e os empréstimos concedidos pelos bancos a empresas. As observações provaram-se tão precisas que passaram a ser utilizadas por diplomatas, empresários e jornalistas no mundo todo no que ficou conhecido como "índice Keqiang".

Mas seu perfil pragmático, orientado mais para reformas e melhorias na competitividade chinesa e menos para temas políticos também significariam um inevitável racha com Xi Jinping. Os dois subiram juntos ao poder, com Li ocupando o cargo de premiê com as bênçãos do líder anterior, Hu Jintao, e com considerável influência na Liga da Juventude (uma das grandes facções do PC Chinês).

Embora no primeiro mandato de Xi a relação entre os dois tenha sido relativamente harmônica, ela nunca chegou a ser amigável. Mais poderoso, o Xi do segundo mandato minou o poder e a influência das facções internas e, especialmente durante a pandemia de Covid, mandou sinais claros de discordância e desaprovação das ideias de Li.

Ao longo dos piores momentos do controle pandêmico, os dois travaram uma guerra silenciosa. Li alertou publicamente para os riscos e prejuízos advindos da política de Covid zero, apenas para ser desautorizado indiretamente por Xi semanas depois. Em outro momento, o então premiê defendeu apoio a pequenos e médios empresários em todo o país, mas sua ideia foi demovida por um artigo do estatal Diário do Povo que exortava apoio de acordo com a realidade de cada local —um jeito de Xi dizer que discordava da ideia.

São exemplos que ilustram duas personalidades políticas distintas, com Xi claramente priorizando controle ideológico, segurança nacional e primazia do Partido Comunista. Ao ser reeleito para um inédito terceiro mandato, o líder chinês fez praticamente desaparecer de cargos importantes quaisquer membros da Liga da Juventude. Ao se aposentar, Li perdeu a influência que seus antecessores costumavam conservar mesmo depois de sair do cargo.

Em virtude do pouco poder que ainda mantinha, sua morte não representa ameaça direta a Xi e aos legalistas que escolheu promover no ano passado. Mas o contraste entre os dois não deixa de servir como desculpas para quem não está feliz com os rumos do governo externalizar esse sentimento.

Em menos de um ano desde a recondução, Xi demoveu seu chanceler e seu ministro da Defesa, sua política econômica parece não surtir efeito, o desemprego juvenil aumenta e a deflação também. É cedo para decretar o fim do milagre chinês, mas não é impossível atribuir a Xi a responsabilidade por escolhas pouco ortodoxas com impacto direto na conjuntura doméstica e internacional chinesa atualmente.

O risco de uso político do falecimento de Li Keqiang não é desprezível e certamente estará no radar do PC Chinês. No passado, a morte de oficiais comunistas populares, como Zhou Enlai e Hu Yaobang, levou a agitações e protestos. Internautas reagiram à notícia da morte de Li republicando no Weibo a música "Infelizmente não foi você" (可惜不是你) da cantora malaia Fish Leong. O sujeito na frase é oculto, mas os censores fizeram as postagens desaparecerem mesmo assim.

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