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Influencers no STF teve selfie de bolsonarista com 'Xandão', Fachin 'dinossauro' e Barroso convidado para 'collab'

Supremo recebeu comitiva de criadores de conteúdo em iniciativa que buscou aproximar a corte de parcela da sociedade pouco familiarizada com o tribunal

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Brasília

Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) há quase uma década, Edson Fachin diz imaginar a resposta que daria se, anos atrás, afirmassem que ele teria que se sentar com influenciadores digitais para conversar sobre o sistema de Justiça brasileiro. "Isso não é do meu physique du rôle", brinca.

O magistrado foi um dos integrantes do tribunal que, nesta semana, dedicaram sua disputada atenção a uma comitiva de 25 comunicadores que desembarcou em Brasília para conhecer a mais alta corte do país.

A iniciativa, encabeçada pelo Supremo em parceria com o Redes Cordiais e com o Instituto Vero, nasceu a partir da vontade de aproximar o STF de uma parcela da sociedade pouco familiarizada com o tribunal.

A programação teve dois dias de duração e foi marcada por conversas sobre democracia e eleições, mas também por interações inusitadas que renderam até mesmo uma selfie entre um pastor próximo da família Bolsonaro e Alexandre de Moraes.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, se reúne com influenciadores digitais na sede da corte, em Brasília - Gustavo Moreno/STF

A ruidosa peregrinação dos influenciadores na quarta (21) e na quinta-feira (22), acompanhada de perto pela coluna, despertou curiosidades. Enquanto se posicionavam para tirar uma foto com o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, e aguardavam a sua chegada, eles foram discretamente observados pelo ministro Luiz Fux, que acompanhou a movimentação à distância.

Cármen Lúcia foi recebida com aplausos e gritos de comemoração ao dar as boas-vindas ao grupo. Ela e outros magistrados se depararam com os visitantes enquanto se encaminhavam para o plenário do STF, onde foi realizada a sessão de quarta-feira.

Luiza Brunet, modelo que tem investido nas redes para promover o combate à violência contra a mulher e hoje se apresenta como uma influenciadora, foi reconhecida e cumprimentada pelos magistrados —talvez a única do grupo a receber tal distinção por sua notoriedade gestada em tempos analógicos.

Enquanto os minutos se passavam à espera de Barroso para a foto oficial, a influenciadora de moda Laryssa Schneider brincou, provocando risos: "Ela não vem mais". A frase —um meme, na verdade— faz referência ao vídeo que viralizou em 2017 depois que Lady Gaga cancelou sua participação no Rock in Rio e fãs seguiram à sua espera em frente ao hotel Fasano de Ipanema, no Rio.

O clima de excitação entre aqueles que visitavam pela primeira vez a sede da corte foi expressivamente elevado quando Alexandre de Moraes apareceu para cumprimentá-los.

"Xandão! Xandão! Xandão!", gritavam, entusiasmados. O ministro foi chamado de herói enquanto atendia aos intermináveis pedidos de fotografias. Nem mesmo o influenciador pastor Pedrão, que celebrou o casamento de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e prometeu uma "oração de libertação" para Moraes dias antes da visita, resistiu ao impulso de tietá-lo e fazer uma selfie sorridente ao lado do magistrado.

Spartakus, que soma mais de 2 milhões de curtidas no TikTok, diz se considerar um "xandete". "Ver alguém com tanta coragem para defender a nossa voz nas redes e os nossos direitos é muito importante. Não só por ele ser o terror de Elon Musk, mas por estar ativamente lutando contra as pessoas que atentam contra a nossa democracia", explica.

Os comunicadores foram apresentados ao "Guia para Influenciadores nas Eleições", que é publicado pelo Redes Cordiais desde o pleito de 2020. A edição deste ano, elaborada em parceria com o Internetlab, traz uma série de perguntas e respostas sobre como compartilhar informações de forma segura no período eleitoral.

No Palácio do STF, a comitiva também fez uma imersão nos ataques golpistas de 8 de janeiro. Enquanto apresentava os bustos de juristas homenageados pela corte e contava suas histórias aos presentes, o cerimonialista do tribunal Cleber Mariano alertou que não iria "romantizar" o passeio.

"Todo esse espaço maravilhoso e todo restaurado que vocês estão vendo foi totalmente destruído e invadido no dia 8 de janeiro", disse o condutor da visita guiada.

"Todos os bustos foram jogados ao chão, muitos sofreram vários danos. Face a isso, Rui Barbosa ficou com afundamento craniano —não foi na infância, foi no 8 de janeiro", brincou, apontando para a escultura do jurista.

Inicialmente, apenas Barroso e Fachin conversariam com os influenciadores, mas ao longo da imersão outros ministros quiseram prestigiá-los. No primeiro dia de conversas, foi Flávio Dino quem apareceu de surpresa e discursou por cerca de nove minutos.

"Espero que vocês coloquem nas pautas de vocês essa imensa instituição [o Supremo] imensamente desconhecida, tanto nas suas virtudes quanto nos seus defeitos", afirmou Dino, sob olhares atentos.

"Hoje, falar do Supremo é meio como falar de seleção brasileira antigamente. Era um assunto do ‘sextou’, do sábado, da mesa de domingo e do Natal. Todo mundo tinha a sua escalação ideal da seleção brasileira. A minha, hoje, seria trocar a masculina pela feminina", brincou.

Já no segundo dia quem surpreendeu até mesmo a equipe do STF que organizava o evento foi Edson Fachin, de perfil reservado e pouco chegado a declarações públicas. O ministro não só aceitou o convite para participar do evento como acabou respondendo a perguntas dos influenciadores por mais de uma hora.

O magistrado despontou sorridente no Salão Nobre do STF e, ao ser notado, pediu desculpas "por atrapalhar", provocando risadas entre os influenciadores.

"Eu tinha lá uns 16, 17 anos quando fundamos um movimento de iniciação literária. E nós usamos uma frase do Drummond de Andrade em que ele dizia: 'Não é fácil nascer novo'. Com o passar do tempo, eu fui aprendendo que não só não é fácil nascer novo, no sentido da idade, mas não é fácil se manter novo", disse Fachin.

"Isto me veio à mente para dizer que vocês estão contemplando, embora de terno e gravata, um dinossauro cibernético", completou, fazendo rir e rindo junto.

"É claro que eu sou uma espécie em extinção, mas tenho aprendido e procurado, obviamente, aprender e reaprender continuamente, especialmente para não cair em qualquer tipo de divinização nem de demonização", arrematou o ministro.

Os comunicadores se dirigiam ao magistrado e, por vezes, também aos seus seguidores —como fez a cientista Kananda Eller, que alternou entre olhar para Fachin e para a câmera de um celular que a filmava enquanto fazia uma pergunta.

A modelo e influenciadora Luiza Brunet faz uma selfie em frente à estátua "A Justiça", na Praça dos Três Poderes, em Brasília - Gustavo Moreno/STF

Fachin foi questionado sobre a ausência de uma ministra negra em 133 anos de história de corte e também sobre as prisões de envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. A pergunta sobre os golpistas foi feita por Pedrão, que acusou o STF de não garantir ampla defesa aos réus e questionou o fato de civis sem foro privilegiado serem julgados pela corte.

Em resposta, Fachin disse não concordar com o foro privilegiado na forma prevista pelo sistema jurídico brasileiro. "A ideia de que há pessoas que têm um lugar especial para serem processadas não me parece republicana."

O ministro ponderou, no entanto, que no caso do 8 de janeiro o inquérito envolvia autoridades "com esse tal foro privilegiado" e, por conexão, as ações acabaram sendo mantidas no Supremo.

"Quanto à ampla defesa, ela tem que valer para Chico e para Francisco, para Jesus e para Genésio", disse. "Vale para quem pensa como eu penso e vale para quem pensa o contrário do que eu penso."

O pastor concordou com um sorriso. Após deixar a conversa, Pedrão se disse admirado com o que chamou de "tom professoral, didático e lúcido" de Fachin e afirmou que o Supremo, ao levar influencers para o seu reduto, tenta mostrar à população que "não é o bicho papão que o povo todo pensa".

"Acho que existem alguns excessos que seriam desnecessários, ninguém é perfeito. Eu, como pastor, também posso cometer um excesso ou outro às vezes, mas o lance deles [do STF] é que eles não têm direito a muito erro. Eles são a boia de salvação da galera", afirma o evangélico à coluna.

Apesar de ser acompanhado por bolsonaristas nas redes, Pedrão diz que não perdeu seguidores por ter topado a visita ao Supremo e pedido uma foto com Moraes. "Eu sou um pastor de gente de esquerda e de gente de direita", diz ele.

O influenciador pastor Pedrão no Salão Nobre do STF, durante roda de conversa do evento "Leis e Likes", em Brasília - Antonio Augusto/STF

No segundo dia de imersão, Barroso comentou com os convidados sobre o episódio em que o STF fez uma publicação nas redes inspirada na saga "Star Wars" e se tornou alvo de críticas. "Venha para o lado Supremo da força", dizia a peça.

"Tem muita gente que torce o nariz para essas modernidades", afirmou o presidente da corte, defendendo que a Justiça deve se esforçar para conseguir se comunicar com a população.

"As pessoas não entendem o que a gente faz. E quando você não entende, você não gosta. E quando você não gosta, você despreza, e o país precisa de Justiça", acrescentou Barroso.

"A gente tem que ter a capacidade de falar para todo mundo mesmo que haja resistência, mesmo que haja choro e ranger de dentes. Tem hater? Tem um monte. Todos nós temos. Isso foi uma coisa ruim que aconteceu no mundo e no Brasil, em particular: uma certa liberação dos demônios. As pessoas se sentem à vontade para serem racistas, para serem misóginas, para serem homofóbicas", disse o presidente.

O ministro André Mendonça se juntou a Barroso durante a exposição e, ao tomar a palavra, fez uma saudação ao presidente da corte. "Parabéns pela coragem de enfrentar aqui um auditório eclético, no bom sentido, distinto do nosso habitat natural, que é a formalidade", afirmou.

"A minha palavra para vocês é a de incentivá-los a continuar nessa caminhada. Acho que um exercício bom é nós procurarmos sermos um instrumento dessa busca de civilidade e integridade na sociedade como um todo", seguiu Mendonça.

A jornada influencer pelo Supremo foi encerrada com uma participação da ministra do STF e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Cármen Lúcia, que estava com a agenda apertada por causa do período eleitoral, mas conseguiu comparecer.

A magistrada acompanhou uma demonstração de funcionamento da urna eletrônica e fez um apelo aos influenciadores. "Eu, como cidadã, estou pedindo e esperando que cada um dos senhores, que têm um papel muito importante porque têm a capacidade de falar com muita gente, confie em você mesmo e confie nesta urna. Ela pode dar a resposta que você quer."

Cármen ainda afirmou que o fato de todos os influenciadores estarem reunidos no Salão Nobre do Supremo, restaurado após o 8 de janeiro, tinha "uma importância muito especial". "Isso aqui virou uma grande lama", disse sobre a depredação da sala.

"Nos dias que se seguiram à destruição, subiu aqui comigo a minha sobrinha-neta de sete anos de idade, e ela chorou copiosamente. Eu, depois, dizia: era o povo brasileiro chorando pelo que nós não fomos capazes —nós, a minha geração— de fazer com que jamais tivesse acontecido aquilo", disse a única mulher ministra do Supremo.

Na despedida da empreitada em Brasília, o carioca Fábio Cruz, mais conhecido como Fabão, ri ao lembrar de um diálogo que teve com Barroso. "Falei para ele: 'Vamos fazer uma collab?'. Ele ficou parado por uns cinco segundos e respondeu: 'O que é collab?'", conta, se referindo à possibilidade de fazer publicações colaborativas no Instagram.

"Foi nesse momento que eu vi que ele estava aberto a ouvir os criadores de diversos nichos, de vários lugares e de vários segmentos. Ele poderia muito bem falar 'não', mas quis entender", segue Fabão. "E ele se comprometeu a buscar os meus conteúdos. Fiquei um pouco tenso. Vai que eu me exponho demais", diz, rindo.

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