Descrição de chapéu Folhajus STF

Insistência e frustração marcam articulação por ministra negra no STF

Movimentos tentam fortalecer diálogo, apesar de falta de comprometimento de Lula

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São Paulo

Integrantes de diferentes movimentos que trabalham pela escolha de uma primeira ministra negra para o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda insistem em angariar apoio para essa indicação, mas acumulam frustrações em meio à corrida aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski.

O principal ponto de decepção de parte desses grupos vem do fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não ter se comprometido com esse perfil.

Nas últimas semanas, a indicação de uma mulher negra recebeu declarações simpáticas de integrantes do primeiro escalão do governo, entidades jurídicas e do ministro do STF Edson Fachin.

Ao mesmo tempo, uma ofensiva de defensores do advogado Cristiano Zanin, já citado pelo próprio Lula, e a falta de um apoio amplo no Judiciário fizeram o movimento perder fôlego na disputa da vez.

Os ministros do STF Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes durante sessão solene no plenário - Rosinei Coutinho/SCO/STF

Presidente da Anan (Associação Nacional da Advocacia Negra), Estevão Silva afirma que a indicação de Zanin é dada como certa nos bastidores, com a manutenção de um homem na vaga, apesar da falta de paridade histórica na corte.

"A pressão que tenho notado é o silêncio, que é uma das formas adotadas por séculos como forma de diminuir os pleitos das pautas negras. Ficam o movimento negro e as pessoas negras puxando a corda e não estamos encontrando eco em outros setores, como a magistratura, o Ministério Público e a Advocacia-Geral", afirma Silva.

Como mostrou a Folha, em quase 40 anos de redemocratização no Brasil, a cúpula da República contou com 66 homens e só 4 mulheres. No STF, só 3 mulheres —contra 26 homens— se tornaram ministras nesse período, nenhuma delas negra.

Em seus dois primeiros mandatos, Lula indicou 8 ministros para a corte, sendo 1 negro, Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014. Escolhido pelo petista em 2003, o magistrado foi o terceiro e último ministro negro no Supremo. Dos 10 ministros da atual composição da corte, 6 foram indicados por Lula e Dilma Rousseff (PT).

Até o momento, as apostas na corrida pela cadeira de Lewandowski são lideradas por dois advogados homens e brancos. Além de Zanin, advogado pessoal de Lula nos processos da Operação Lava Jato, Manoel Carlos de Almeida Neto, ex-assessor do agora ex-ministro do Supremo, também é cotado.

No início de março, Lula afirmou que "todo mundo compreenderia" se ele indicasse Zanin, a quem chamou de amigo e companheiro. O aceno vem também de canais de comunicação e advogados ligados à esquerda, com discursos que classificam a falta de representatividade no STF como um aspecto menor.

"Se olhar a reação da militância digital, houve uma série de posicionamentos muito preconceituosos com relação aos ministros que já ocuparam cargos no STF, dizendo que tem que ser uma pessoa fiel ao partido. A parte da diversidade acabou sendo descartada em relação à ideologia", diz o advogado e doutor em direito Irapuã Santana, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB São Paulo.

Em recente reportagem, a Folha mostrou que, segundo especialistas, a eventual indicação de Zanin pode violar o princípio da impessoalidade e comprometer a legitimidade do tribunal perante a sociedade.

Por outro lado, advogados, integrantes da magistratura e de movimentos negros ouvidos pela Folha consideram que a fala de Lula após a saída de Lewandowski deixou a disputa em aberto.

"Se vai ser negro, se vai ser mulher, se vai ser homem, é um critério que eu vou levar muito em conta na escolha. Mas não te darei nenhuma referência, porque, se eu der uma referência, estarei carimbando a futura pessoa que vai ser a ministra da Suprema Corte", disse o presidente no dia 6, após decretar a aposentadoria do magistrado.

Representante do Enajun (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros), coletivo criado há seis anos para aumentar a presença de magistrados negros nas cúpulas do Poder Judiciário, o juiz Fabio Esteves afirma que tem recebido um retorno positivo nas conversas com integrantes de tribunais superiores.

"A principal consideração que deve ser feita pelo presidente é que a nomeação de uma mulher preta é uma ressignificação da democracia, do Poder Judiciário e da própria Constituição quando pede a construção de uma sociedade livre, justa e solidária", diz ele, sem citar qual nome tem sido trabalhado pelo grupo.

Na falta de uma sinalização positiva do Planalto, o coletivo decidiu esperar o surgimento da segunda vaga com a aposentadoria da presidente do STF, a ministra Rosa Weber, para apresentar o nome da juíza candidata. A outra indicação de Lula ao STF é prevista para ocorrer a partir de outubro, quando a atual presidente da corte completará 75 anos, idade-limite para permanecer no tribunal.

A presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Silvia Souza, considera que o movimento tem escalado apesar das reações contrárias.

"Há um setor da sociedade que entende que essa é apenas uma pauta identitária, quando não é. É uma pauta estrutural de enfrentamento ao racismo, que é uma questão sistêmica da sociedade. A indicação de uma jurista negra em muitas dimensões vai na mão do enfrentamento ao racismo, e é desleal relativizar isso", afirma.

Para Chiara Ramos, cofundadora da Associação Abayomi Juristas Negras, a presença inédita de uma ministra negra no STF busca melhorar a qualidade das decisões judiciais.

"O ambiente plural, diverso, vai trazer soluções mais eficientes e que se adequem melhor aos problemas dentro de uma sociedade complexa como é a nossa. Nós acreditamos nessa possibilidade e vamos insistir com todas as campanhas como uma necessidade de construir uma nova cultura dentro do sistema de Justiça", diz.

A advogada Lilian Azevedo, que integra a associação, afirma que é preciso cobrar responsabilidade institucional diante da falta de mulheres negras nesses espaços e reconhecer nelas a capacidade para também ocupar vagas.

"A gente quer que as nossas altas cortes tenham pessoas magníficas. Mas por que pessoas sempre do mesmo sexo e das mesmas cores? Quando naquele espaço só há homens brancos, a imagem que passa é que só eles são capazes e todo o resto não é", afirma.

A professora de direito e advogada Ecila Moreira de Meneses, integrante da executiva nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, afirma que há um longo processo de construção para que esse cenário mude no STF e em outras cúpulas. Assim como o Supremo, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), formado por 33 magistrados, também nunca teve uma ministra negra.

"Temos outros tribunais e carreiras no sistema de Justiça em que também precisamos democratizar o acesso. Se tivesse maior quantidade de juízas, promotores e advogados negros, a própria chegada de uma pessoa negra nas cortes seria muito mais natural", diz Ecila.


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