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Jornalista e autor de "Escola Brasileira de Futebol". Cobriu sete Copas e nove finais de Champions.

A contradição de Jesus

Técnico português orgulha-se de não estudar e se aproxima de Renato Gaúcho

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A inegável colaboração de Jorge Jesus ao futebol brasileiro, sua incontestável capacidade de montar um timaço em tempo exíguo e de disputar o Mundial olhando nos olhos do Liverpool, campeão europeu, contrasta com seu discurso, contrário ao estudo e ao aperfeiçoamento.

“Não leio livros sobre futebol. Todo meu trabalho de campo fui eu quem criei.”

Justo que tenha criatividade para produzir seus treinos, na linha do que já disse José Mourinho, para quem o fato de o conhecimento estar ao alcance de todos, via internet, é uma enorme contribuição para a preguiça mental.

Daí ser importante ser capaz de criar o próprio conhecimento, como Jorge Jesus diz fazer.

O contraditório é pensar que o técnico português, vanguarda absoluta no futebol do Brasil de 2019, reproduza com outras palavras o discurso de Renato Gaúcho, ao vencer a Copa do Brasil de 2016: “Quem não sabe estuda, quem sabe vai para a praia.”

É possível compreender como brincadeira a sentença de Renato Gaúcho e como confiança o que afirma Jorge Jesus. Não deixa de ser curioso que os dois últimos técnicos campeões da Libertadores por clubes brasileiros orgulhem-se de não ler ou não estudar.

 

Evidente que ambos se aprimoram. Você já leu aqui que Jorge Jesus compreendeu que Jürgen Klopp faz o 4-3-3 da marcação por pressão mais agressiva do planeta. Ou seja, estuda. Mas discursa na direção contrária.

Minutos antes da entrega do troféu Bola de Prata, em 9 de dezembro, Jorge Jesus soube que receberia o prêmio Telê Santana e não demonstrou vergonha em perguntar: Quem é Telê Santana? Houve espanto dos interlocutores, que não compreenderam bem se tratava-se de uma pergunta ou de uma observação sobre Telê não merecer dar nome à homenagem. A estranheza só foi maior quando Jesus escutou elogio sobre seus recordes e respondeu: Não são nada perto do legado que deixarei no Brasil, disse.

Certos elogios são perfeitos ao se ouvir e perdem valor ao serem ditos da própria boca.

Jorge Jesus define a si próprio como um autodidata. Mais ou menos como Renato Gaúcho. Valdir Espinosa conta que nos meses seguintes à aposentadoria de Renato como jogador, encontravam-se para um chope e o craque fugia do assunto futebol. Passaram-se alguns anos e as mesas de botequins tornaram-se palco para conversas sobre grandes jogos e jogadores, puxadas por Renato. “Nesse dia, percebi que ele seria técnico”, diz Espinosa.

Não é necessário ser um obcecado por leituras e salas de aula para ser um grande treinador. É indispensável ver futebol com atenção, detalhar posicionamentos, diagnosticar novidades, não se deitar em berço esplêndido.

Jorge Jesus durante coletiva de imprensa do Mundial de Clubes - Corinna Kern - 20.dez.2019/REUTERS

Jorge Jesus é assim. Também é um homem encantado pela tática. “Falam sobre times mal fisicamente. Nunca são ruins fisicamente. São taticamente. Quando se corre errado, cansa-se mais”, afirma. Tudo o que Jorge Jesus diz é encantador e revela um cérebro voltado para o futebol.

Jesualdo Ferreira, novo treinador do Santos, é diferente. Referência para Jorge Jesus, Jesualdo é um teórico e um dos criadores da escola portuguesa de técnicos, a partir de sua formação no Instituto de Educação Física de Lisboa, em 1989. O tempo pode dizer que Jesualdo lê mais e encanta menos. Isso não significará que ler seja um hábito desprezível.

Ler permite saber quem foi Telê Santana, a quem Jorge Jesus viu em ação ao assistir partidas do São Paulo, na década de 1990, em viagem ao Brasil.

Ler garantirá às próximas gerações saber qual terá sido o legado de Jorge Jesus para o futebol brasileiro.

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