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Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

O trilema cambial

Para o Brasil, o objetivo é tentar não virar dano colateral de uma guerra cambial

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A guerra comercial entre Estados Unidos e China está virando uma guerra cambial. Nos últimos dias, o Federal Reserve americano baixou os juros, Pequim desvalorizou sua moeda e Washington voltou a acusar os chineses de manipulação cambial. 

Na década passada, tal acusação fazia algum sentido. Hoje, com um novo sistema cambial depois de o banco central chinês ceder ao ataque especulativo de 2015/16, perpetrado em grande parte pelas estatais chinesas, não faz nenhum. Uma guerra cambial pode levar o mundo a uma recessão.

O ataque especulativo veio por um erro de política econômica chinesa: ignorar as restrições do "trilema" de economia internacional, um conjunto de restrições que afetam todos os países, incluindo os EUA. 

Governos podem escolher duas, e somente duas, dentre as três opções: liberdade de mandar dinheiro para fora do país, autonomia do banco central para decidir a taxa de juros da economia e sistema de câmbio fixo. 

Nos EUA, assim como no Brasil, a escolha é pelas duas primeiras opções. O dólar, assim como o real, é flutuante. Pode haver impostos, mas não há limites de envio de dinheiro para o exterior. 

O Banco Central e o Federal Reserve mexem os juros quantas vezes quiserem. No mercado de câmbio, a única diferença é que o BC brasileiro, de vez em quando, intervém para conter uma brusca desvalorização. 

O trilema já nos fez mudar de rota uma vez. Em janeiro de 1999, o governo brasileiro escolheu abandonar o sistema de câmbio fixo para manter liberdade de capitais e autonomia de política monetária.

Na China, até 2006, o governo mantinha o yuan artificialmente desvalorizado, à taxa de 8,3 por dólar. Havia controle de capitais (similar ao que vigorava no Brasil na década de 1980): empresas precisavam de autorização da autoridade monetária chinesa para enviar dinheiro para fora.

De 2006 a 2014, a autoridade monetária chinesa foi deixando o yuan se valorizar (o câmbio chegou a 6 yuans por dólar). Com US$ 4 trilhões de reserva, as autoridades cometeram um erro: afrouxaram os controles de saída de capital, achando que o excesso de reservas blindava o país de um ataque especulativo. 

As empresas chinesas foram às compras. Mas, com a mudança de cenário em 2015 e o medo generalizado de uma crise global, as estatais chinesas começaram a mandar dinheiro para fora apostando que o governo não aguentaria manter o câmbio fixo, agora valorizado. 

Em poucos meses as reservas caíram em mais de US$ 1 trilhão. O governo chinês cedeu, desvalorizou o câmbio, reformou o sistema para deixar o yuan (ainda semifixo) flutuar mais e trouxe de volta com força o controle de capitais.

Hoje, o banco central chinês mantém seu valor bem próximo do que seria se a moeda pudesse flutuar livremente; o yuan não é mais artificialmente desvalorizado.

A queda desta semana, com a taxa de câmbio ultrapassando 7 yuans por dólar, não muda isso, já que a economia chinesa está desacelerando. Mas isso não parece importar para os americanos. A acusação sem fundamentos pode levar a mais reações protecionistas dos dois lados.

Aqui, isso geraria mais desvalorização e inflação. Nossa escolha por liberdade de capitais e autonomia de definir a taxa básica de juros significa que estamos conectados ao ciclo mundial para o bem e, como vemos hoje, para o mal. Pior é saber que essa guerra é escolha política e que não haverá vencedores. 

Só há um objetivo para o Brasil: tentar não virar dano colateral.

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