Descrição de chapéu The New York Times

China usa câmbio como arma em guerra comercial e abala mercados

Presidente dos EUA prometeu impor tarifas sobre cerca de US$ 300 bilhões em produtos chineses

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Pequim | The New York Times

A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China entrou em uma fase mais perigosa na segunda-feira (5), quando Pequim permitiu que sua moeda caísse, as empresas chinesas suspenderam suas compras de produtos agrícolas dos Estados Unidos, e o presidente Trump deu a entender que buscaria maneiras de retaliar.

A escalada abalou os mercados na segunda-feira, com investidores nervosos buscando lugares seguros onde estacionar seu dinheiro. Wall Street sofreu seu pior dia do ano, com o índice S&P 500 fechando em queda de quase 3%. As vendas foram especialmente pesadas no setor de tecnologia, sensível ao comércio internacional, nos bens de consumo discricionário e nos setores industriais.

O rendimento dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que sobe em contraposição à redução dos preços dos papéis, caiu, quando os investidores saíram em busca de segurança em títulos do governo. Os principais índices da Ásia e da Europa também caíram.

No domingo (4), o banco central da China permitiu que a moeda do país caísse abaixo da barreira dos sete yuan por dólar, uma marca psicologicamente importante, pela primeira vez em uma década. Em uma declaração extremamente franca, o banco culpou o "unilateralismo e medidas de protecionismo comercial, e a imposição de tarifas ampliadas sobre a China" por Trump pela queda.

A decisão de Trump de impor tarifas adicionais a produtos chineses também levou as empresas da China a suspender a compra de produtos agrícolas americanos, de acordo com a agência estatal de notícias chinesa Xinhua, que classificou as tarifas propostas pelo presidente como uma "séria violação" do acordo a que ele chegou em junho com seu colega chinês Xi Jinping.

As posições endurecidas sublinham o caminho duro para a resolução da disputa comercial, que começou a causar danos à economia mundial, Negociadores americanos e chineses se reuniram em Xangai na semana passada, no primeiro encontro face a face desde o colapso das negociações comerciais em maio, mas fizeram pouco progresso na solução das diferenças entre os países.

A questão agora é se Pequim tentará neutralizar o impacto das tarifas de Trump permitindo que sua moeda caia significativamente diante do dólar. Um yuan mis fraco pode baixar o preço de venda dos produtos chineses no exterior, o que permitiria que empresas e consumidores digerissem com mais facilidade o tributo adicional que Trump impôs aos produtos chineses.

Se a China permitir que sua moeda caia ainda mais, os países do leste e sudeste asiático que concorrem em setores similares podem enfrentar pressão de mercado por desvalorização de suas moedas. Essas espirais de desvalorização podem resultar em alta da inflação, compressão dos gastos domiciliares e transferências desordenadas de dinheiro através de fronteiras. Também podem levar a novas tarifas ou outras medidas de restrição do comércio.

"É imensamente significativo que eles tenham feito a escolha clara de agir assim", disse Michael Every, diretor de pesquisa de mercados financeiros asiáticos do Rabobank, se referindo ao banco central chinês. "Vamos ter uma escalada rápida e grave".

Uma desvalorização significativa também pode prejudicar a China. Muitas de suas maiores e mais endividadas empresas em setores que variam dos imóveis à indústria pesada captaram vastas somas em dinheiro de instituições estrangeiras, em dólares. Um yuan mais fraco aumenta o custo de pagar essas dívidas. Também pode prejudicar as empresas que dependem de commodities, como o petróleo, cujos preços são denominados em dólares, e pode levar os chineses de alto patrimônio a tirar seu dinheiro do país.

Por esses motivos, desvalorizações causam nervosismo aos investidores. Quatro anos atrás, quando a China desvalorizou sua moeda mais drasticamente, a consequência foi uma tempestade no mercado mundial.

Desta vez, a ameaça imediata é a possível resposta de Trump. O presidente, que acusa a China há muito tempo de manipular sua taxa de câmbio, e voltou a fazê-lo em uma série de tuítes na segunda-feira, sugeriu que retaliaria.

"A China está determinada a receber as centenas de Bilhões de Dólares que tira dos Estados Unidos com práticas comerciais desleais e manipulação cambial", ele escreveu. "Tão unilateral, e deveria ter sido detido muitos anos atrás!"

Trump já impôs tarifas punitivas sobre US$ 250 bilhões (R$  984,9 bilhões) em bens chineses, em um esforço para forçar a China a abrir seus mercados a empresas americanas, proteger a propriedade intelectual dos Estados Unidos e impedir intervenções cambiais.

Seu governo também impôs restrições mais duras ao investimento chinês, proibindo algumas empresas chinesas de fazer negócios com companhias americanas, e começou a restringir a concessão de vistos a estudantes chineses de pós-graduação em campos delicados de pesquisa como robótica e aviação.

Essas medidas pareciam ter dado poder de pressão a Trump, meses atrás, e os dois lados pareciam próximos de um acordo. Mas Pequim rejeitou algumas das demandas americanas, em maio, e as negociações fracassaram.

Depois de uma reunião com Xi em junho, e de concordar em reiniciar as negociações comerciais, Trump disse que imporia tarifas de 10% sobre mais US$ 300 bilhões em produtos chineses, como punição a Pequim por não fazer compras em larga escala de produtos agrícolas americanos, por exemplo soja.

Ao permitir que a moeda chinesa caísse abaixo de uma marca vista há muito como sinal de alerta, Pequim pode estar dando a entender que pretende endurecer a guerra comercial com os Estados Unidos, ou estar abandonando a esperança de um acordo em curto prazo.

Na segunda-feira, Pequim indicou que não haveria compras de produtos agrícolas americanos em curto prazo.

A Xinhua mencionou o órgão estatal de planejamento da China, a Comissão de Desenvolvimento e Reforma Nacional, e o Ministério do Comércio como tendo afirmado que as empresas chinesas suspenderiam as compras de produtos agrícolas americanos americanos em resposta aos planos do governo Trump para impor novas tarifas sobre US$ 300 bilhões de exportações chinesas aos Estados Unidos.

A reportagem mencionou que a China não havia descartado impor tarifas sobre produtos agrícolas americanos recentemente adquiridos, e que as empresas chinesas haviam suspendido suas compras.

A escalada na guerra comercial já ameaça pôr fim a um período que parecia estar registrando modesta expansão mundial. A economia americana ainda parece relativamente forte, mas o crescimento nos setores de serviços e indústria está se desacelerando.

A economia europeia também está fraca, porque a guerra comercial pesa sobre economias dependentes das exportações, como a Alemanha e a Itália. O crescimento da China foi prejudicado pela guerra comercial, que agravou alguns dos problemas internos do país. Outros países dependentes da voraz máquina econômica chinesa, como o Japão, também sofreram.

Yi Gang, presidente do banco central chinês, atribuiu a queda do yuan a forças de mercado, acrescentando que muitas moedas haviam se desvalorizado diante do dólar recentemente.

"Estou confiante em que o yuan continuará a ser uma moeda forte", disse Yi em artigo publicado em uma conta de mídia social do banco central.

O yuan enfraqueceu em cerca de 1% diante do dólar, no geral, um movimento que em si não é necessariamente significativo. Mas o fato de que Pequim tenha permitido que uma barreira por muito tempo vista como dotado de valor simbólico fosse rompida é significativo, e desperta questões sobre se o movimento foi uma ameaça deliberada da parte dos líderes chineses, que provavelmente teriam de conceder permissão para que o banco central permitisse queda da moeda a essa cotação.

"A moeda é controlada pelo banco central, em larga medida, mas o banco não tem independência para decidir sobre a cotação do yuan", disse Michael Pettis, professor de finanças na Escola Guanghua de Gestão, na Universidade de Pequim.

"Foi claramente uma decisão tomada no alto", disse Pettis.

Trump vem cada vez mais procurando por maneiras para conter a China, o que inclui sugestões de que os Estados Unidos enfraqueçam sua moeda. Ele recentemente discutiu intervir nos mercados de câmbio para causar uma baixa artificial do dólar, mas seu governo decidiu contra a ideia, disse Larry Kudlow, presidente do Conselho Econômico Nacional, a jornalistas.

O presidente também continua a pressionar o Fed por cortes de juros, o que se repetiu na segunda-feira.

"A China derrubou o preço de sua moeda a uma baixa quase histórica", tuitou Trump. "O nome disso é 'manipulação cambial'. Você está ouvindo Federal Reserve? Essa é uma grande violação que enfraquecerá muito a China com o tempo!"

O Fed cortou as taxas de juros na semana passada pela primeira vez em 10 anos, medida tomada em parte para ajudar a economia dos Estados Unidos a aguentar o impacto da guerra comercial de Trump. Mas as políticas comerciais de Trump estão contrabalançando alguns dos esforços do Fed para estimular a economia.

As tarifas americanas sobre a China reduzem o crescimento chinês, enfraquecem a moeda chinesa e tornam o dólar americano relativamente forte. Um dólar mais forte corta a inflação nos Estados Unidos e pode forçar o Fed a baixar mais as taxas de juros do que seria o caso para manter o atual ritmo de avanço do crescimento e preços.

"O dólar tem um impacto muito mecânico na maneira pela qual o Fed pensa sobre sua principal alavanca de política monetária", disse Neil Dutta, diretor de economia americana na consultoria Renaissance Macro Research. "Ao não agir, o Fed na verdade autoriza um aperto. Seria preciso baixar as taxas de juros para acompanhar o ritmo".

Dutta acredita que o fato de que o yuan chinês está enfraquecendo e a guerra comercial está se intensificando aumentam a probabilidade de que o Fed corte os juros em meio ponto percentual em sua próxima reunião, em setembro.

Ao reduzir os juros, o Fed deve enfraquecer o dólar, caso nada mais varie, ainda que essa jamais seja a meta explícita do banco central. Mas a política monetária não existe no vácuo, e a recente decisão do Fed de cortar sua taxa de juros de referência surge em um momento no qual economias que vão da Austrália ao Japão e Europa se voltam ao relaxamento monetário, potencialmente por meio de cortes em suas taxas de juros.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

 
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