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Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

Descrição de chapéu América Latina Bolívia

Questão racial será chave na próxima eleição na Bolívia

Não é hora de desistir do projeto de inclusão de indígenas iniciado pelo partido de Evo Morales

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Uma vez, o ex-vice-presidente da Bolívia Álvaro García Linera, em seu exílio em Buenos Aires, me contou, passeando por um parque —ele odiava a cultura dos cafés portenhos, que de fato não é comum em La Paz—, qual a principal razão pela qual jamais tinha querido se candidatar ao cargo principal. Ele era o armador da candidatura de Evo Morales, um leal defensor de seus valores, vice em todos os seus mandatos e a pessoa que vigiava cada passo da administração.

A pergunta tinha lá sua razão de ser. Evo havia cumprido três mandatos, excedendo o que estava estabelecido pela Constituição e armado uma artimanha para convencer o Tribunal Constitucional a concorrer novamente em 2019. Nesse mesmo ano, após a votação, explodiu uma rebelião social que foi apoiada também por policiais e Exército. Corria sangue nas ruas de La Paz, e a cidade se viu cercada de barricadas e fogo. Evo e toda sua linha de sucessão renunciaram com ele.

O ex-presidente da Bolívia Evo Morales (dir.) e seu vice, Álvaro Garcia Linera - Xinhua

Se é tão complicado armar estratégias para burlar novamente a Carta (algo que Evo tenta fazer para o pleito de 2025), os juízes do Tribunal Constitucional e a própria população, a pergunta fazia sentido. "Por que nunca se apresentou García Linera para a Presidência?"

Neste momento, ele parou de andar e me olhou muito sério: "Nós lutamos demais para finalmente ter nosso primeiro presidente indígena, nós, o país mais indígena da América do Sul (62% da população). Um branco não poderá voltar tão cedo enquanto a Bolívia não tiver líderes indígenas na proporcionalidade de líderes brancos que já teve".

O racismo contra o indígena é o pano de fundo de tantas e tantas guerras e levantes do passado e de agora. Os sindicatos de mineiros, transportadores e produtores de coca são os mais combativos da região. E, para García Linera, um ex-guerrilheiro urbano de pele branca e matemático com diplomas do exterior, era inaceitável que se interrompesse a "fila de Evos" que ele imaginava vindo depois de Morales.

Não há que se deixar o racismo à parte para entender a tentativa de golpe de Estado da última semana. Num país com tamanha proporção de indígenas, eles continuam tendo as piores condições de estudos. Até outro dia havia trabalho forçado, e é contra as bolivianas que recai a maior parte do número recorde da região de mulheres atacadas e abusadas. Evo, porém, melhorou muito essa situação, e com isso levou indígenas a ocuparem cargos mais altos na sociedade.

García Linera tem convicções inquebrantáveis. Óbvio que, numa democracia, não há cor de pele preferencial para ser presidente. Mas, na prática, ele tem razão. Foram tantos brancos, por tanto tempo, com tantas armas e poder, tanto abuso, que não é hora de desistir do projeto transformador e de inclusão iniciado pelo MAS (Movimento ao Socialismo).

O que tentou de modo violento o ex-general do Exército Juan José Zúñiga Macías foi justamente intimidar esse processo. É claro que há um setor da sociedade que já não esconde mais seu cansaço com tanta "plurinacionalidade" e tanta "inclusão".

Vários nomes do MAS apostam suas fichas numa renovação do movimento. Ela estaria nas mãos de Andrónico Rodríguez, 35, líder cocaleiro desde muito jovem e que hoje lidera o Senado. Teve formação muito parecida à do ex-presidente, trabalhando nas plantações de coca da mesma região do Chapare até entrar na política. Estudou ciências sociais. Projetou-se na campanha de 2019. O ex-presidente já disse ver nele as qualidades de um sucessor, só não para agora.

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