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Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

Descrição de chapéu Israel Arábia Saudita

Netanyahu torna Israel mais parecido com o pior da antiga Arábia Saudita

Enquanto príncipe saudita colocou extremistas religiosos na cadeia, premiê israelense os trouxe para seu gabinete

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Riad (Arábia Saudita) | The New York Times

A Arábia Saudita e Israel são os dois aliados mais importantes dos Estados Unidos no Oriente Médio, e o governo Joe Biden está profundamente envolvido com ambos hoje, tentando forjar um tratado de defesa mútua com Riad e ajudar Tel Aviv em seus conflitos com o Hamas e o Irã.

Mas a equipe de Biden se deparou com uma situação sem precedentes com esses dois parceiros de longa data que está criando uma enorme oportunidade e um enorme perigo para os EUA. Isso decorre do contraste em suas políticas internas.

O premiê israelense, Binyamin Netanyahu, e o príncipe herdeiro saudita, Mohammad bin Salman - Maya Alleruzzo e Bandar Al-Jaloud - 19.nov.20 e 22.nov.20/AFP

Para ser direto, o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, colocou os piores extremistas religiosos de seu país na cadeia, enquanto o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, colocou os piores extremistas religiosos de seu país em seu gabinete.

E aí reside uma história. MBS, com seu foco absoluto no crescimento econômico após várias décadas em que descreveu a Arábia Saudita como tendo estado adormecida, desencadeou a revolução social mais importante já vista no reino do deserto —e uma que está enviando ondas de choque por todo o mundo árabe. Chegou a um ponto em que os EUA e a Arábia Saudita estão agora dando os retoques finais em uma aliança formal que poderia isolar o Irã, conter a influência da China no Oriente Médio e inspirar pacificamente mais mudanças positivas nesta região do que as invasões dos EUA no Iraque e no Afeganistão já fizeram militarmente.

O governo de MBS fez algo terrível ao matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi em Istambul em 2018. MBS também fez algo que nenhum de seus antecessores ousou: quebrar o domínio que os islamitas mais conservadores mantinham sobre a política social e religiosa da Arábia Saudita desde 1979. Essa mudança se mostrou tão popular entre tantas mulheres sauditas e jovens que a participação das mulheres na força de trabalho saltou de 20% para 35% entre 2018 e 2022, de acordo com um relatório do Atlantic Council, e é ainda maior hoje.

Essa é uma das mudanças sociais mais rápidas em qualquer lugar do mundo. Em Riad, vê-se seu impacto nas ruas da cidade, em suas cafeterias e nos escritórios do governo e das empresas. As mulheres sauditas não estão apenas dirigindo carros; elas estão impulsionando a mudança: no corpo diplomático, nos maiores bancos e na recente liga de futebol feminino da Arábia Saudita.

A nova visão radical de MBS para seu país é manifesta em seu desejo publicamente declarado de normalizar as relações diplomáticas e econômicas com o Estado judeu como parte de um novo pacto de defesa mútua com os EUA.

O príncipe herdeiro deseja uma região o mais pacífica possível e uma Arábia Saudita o mais segura possível em relação ao Irã, para que ele possa se concentrar em tornar seu país uma potência econômica diversificada.

Israel costumava ser assim também. Infelizmente, a tragédia de Tel Aviv sob Netanyahu é que, por estar tão desesperado para ganhar e manter o poder para evitar possíveis acusações de corrupção, ele criou uma coalizão governante que concedeu poder sem precedentes a dois supremacistas judeus de extrema direita com autoridade em três ministérios —Defesa, Finanças e Segurança Nacional— e priorizou um golpe judicial antes de fazer qualquer outra coisa.

Netanyahu também fez concessões sem precedentes aos rabinos ultraortodoxos, transferindo enormes somas de dinheiro para suas escolas que frequentemente não ensinam matemática, inglês ou civismo e cuja maioria dos homens em idade de alistamento se recusa a servir no Exército, especialmente ao lado de mulheres.

Claro, a Arábia Saudita é uma monarquia absoluta, e Israel é uma democracia. MBS pode ordenar mudanças que nenhum premiê israelense pode. Ainda assim, os líderes de ambos têm que avaliar o que lhes permitirá permanecer no poder, e esses instintos estão levando Netanyahu a tornar Israel mais parecido com o pior da antiga Arábia Saudita e MBS a tornar a Arábia Saudita mais parecida com o melhor do antigo Israel.

O resultado da aliança de Netanyahu com a extrema direita é que Israel não pode aproveitar a mudança tectônica na Arábia Saudita porque isso exigiria que Tel Aviv buscasse um caminho com os palestinos para criar dois Estados.

Além disso, sem oferecer algum horizonte para uma solução de dois Estados com os palestinos não ligados ao Hamas, Israel não pode forjar uma aliança de segurança permanente com a coalizão de Estados árabes moderados que ajudaram a frustrar a enxurrada de mais de 300 drones e mísseis que o Irã disparou contra Israel em 13 de abril. Esses Estados árabes não podem se dar ao luxo de parecer estar defendendo Israel indefinidamente se Israel não estiver trabalhando para encontrar parceiros palestinos moderados para substituir o controle de Israel sobre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia.

Em outras palavras, Israel hoje não pode convocar as coalizões de que precisa para prosperar como nação, porque isso levaria à dissolução da coalizão governante de que Netanyahu precisa para sobreviver como político.

Tudo isso está criando uma grande dor de cabeça para Biden, que fez mais para salvar o povo israelense do Hamas e do Irã do que qualquer outro presidente americano, mas tem sido frustrado por um primeiro-ministro israelense mais interessado em salvar a si próprio. O apoio de Biden a Netanyahu agora está cobrando um preço político e limitando sua capacidade de aproveitar ao máximo as mudanças na Península Arábica. Isso também pode custar-lhe a reeleição.

A questão-chave para a administração Biden e os sauditas hoje é a seguinte: O que fazer a seguir? A boa notícia é que eles estão 90% concluídos com o tratado de defesa mútua que elaboraram, ambos os lados me dizem. Mas ainda precisam acertar alguns pontos-chave. Estes incluem as formas precisas pelas quais os EUA controlarão o programa de energia nuclear civil que a Arábia Saudita obterá no âmbito do acordo; se o componente de defesa mútua será explícito, como o entre os EUA e o Japão, ou menos formal, como o entendimento entre EUA e Taiwan; e um compromisso de longo prazo para a Arábia Saudita continuar a precificar o petróleo em dólares americanos, não mudar para a moeda chinesa.

Mas a outra parte do acordo, vista como crucial para ganhar apoio no Congresso, é para a Arábia Saudita normalizar as relações com Israel. Isso só acontecerá se Israel concordar com os termos de Riad: sair de Gaza, congelar a construção de assentamentos na Cisjordânia e embarcar em um caminho de três a cinco anos para estabelecer um Estado palestino nos territórios ocupados. Esse Estado também estaria condicionado a que a Autoridade Palestina realize reformas para torná-la um órgão governante em que os palestinos confiem e vejam como legítimo, e que os israelenses vejam como eficaz.

Há muitas variáveis nessa equação que parecem muito improváveis hoje. Elas podem parecer menos assim quando a guerra em Gaza terminar e tanto israelenses quanto palestinos contabilizarem os terríveis custos de não ter uma solução pacífica permanente e considerarem se querem mais do mesmo ou fazer uma mudança radical.

Está claro para autoridades dos EUA e da Arábia Saudita que, com Netanyahu se aliando à extrema direita para se manter no poder, é altamente improvável que ele concorde com qualquer tipo de estabelecimento de um Estado palestino que leve seus parceiros a derrubá-lo —a menos que sua sobrevivência política dite o contrário. Como resultado, os EUA e os sauditas estão considerando finalizar o acordo e levá-lo ao Congresso com a ressalva de que a Arábia Saudita normalizará as relações com Israel no momento em que Israel tiver um governo pronto para cumprir os termos sauditas e americanos.

Mas nenhuma decisão foi tomada. Autoridades dos EUA sabem que Israel está em tal turbulência hoje, e com o mundo inteiro aparentemente se voltando contra ele, é impossível realmente fazer com que os israelenses considerem os profundos benefícios políticos e econômicos de longo prazo de relações normalizadas com a Arábia Saudita, a nação muçulmana e árabe mais influente do mundo.

Esperançosamente, no entanto, se houver um fim permanente dos combates e o retorno de todos os israelenses feitos reféns, Israel realizará novas eleições. E então —talvez, apenas talvez— a escolha para os israelenses não será Bibi ou uma versão leve dele, mas Bibi ou um caminho crível para a paz com a Arábia Saudita e os palestinos.

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