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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Basta de perguntar se Bolsonaro é louco

Até onde seguiremos esse flautista de Hamelin?

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No meio do Brasil havia uma, não, quer dizer, três pedras. Na sala do desgoverno, puseram o bode da pandemia e atearam o fogo da arbitrariedade policial. O ar, que faltou para o norte-americano George Floyd —morto por um policial ajoelhado sobre seu pescoço durante eternos oito minutos—, não existe no Brasil desde sua fundação. Nos constituímos como país sobre o corpo de africanos sequestrados e nativos massacrados.

Passados 500 anos, fizemos pior, recontamos essa história como tendo sido a do feliz encontro de diferentes etnias que se sentaram à mesa para comer feijoada, tomar caipirinha e cuspir casca de jabuticaba. Versão oficial do desgoverno, imortalizada pela boca de Sérgio Camargo, atual diretor da Fundação Palmares. Questões caras aos estudos sobre o racismo no Brasil como a controversa biografia de Zumbi dos Palmares e a inexistência biológica de raças entre humanos, que não desmente o racismo social, são deturpadas e usadas ideologicamente pelo discurso bolsonarista.

Presidente Jair Bolsonaro grita com jornalistas na porto do Palácio do Alvorada - Lucio Tavora - 13.mai.20/Xinhua

Nos Estados Unidos, as ruas estão repletas de cidadãos de todas as etnias que, dia após dia, se manifestam, em plena pandemia. Pelo que lutam os manifestantes de lá, onde a população de afrodescendentes é de menos de 25%? Lutam pela ideia, que lhes é tão cara, da construção de um país, ideia que nos falta absolutamente desde nossa fundação.

No Brasil, onde estamos sob o jugo da versão caricata de Trump, duas crianças negras e pobres foram mortas nos últimos dias: uma pela violência banalizada do Estado e outra pela negligência criminosa da elite. Ao mesmo tempo, aqui, onde a população preta e parda chega a 54%, o “levante” antifascista e antirracista ainda não encontra uma frente democrática que o represente, cabendo ao cidadão organizar sua saída às ruas. A união em torno de uma frente nacional pela democracia se mostra hesitante, sob falsos pretextos de uma oposição que mal disfarça o cálculo eleitoral em jogo. Sem uma frente suprapartidária que faça frente aos ataques à democracia, todos sabemos onde essa história vai dar.

Estamos diante de um governo que utiliza a já consagrada ideia de que são os outros que não permitem que um ex-deputado de carreira medíocre cumpra sua função de governar. Sua inépcia se traveste de luta quixotesca contra a imprensa, contra artistas e contra o próprio governo —Legislativo e Judiciário—, que o estariam impedindo de trabalhar.

A surpresa com cada novo gesto de descalabro do ex-capitão expulso do Exército revela nossa dificuldade em admitir que seu programa político sempre foi caos, destruição e morte. Buscar outra lógica no discurso bolsonarista para além da própria cruzada homicida e suicida é ignorar o ideário fascista, orgulhosamente exibido por ele nos últimos 30 anos. Para quem se pergunta se estamos lidando com um plano sofisticado de uma mente maléfica ou se se trata de pura loucura, rogo mudar a perspectiva.

Estamos sendo liderados pela encarnação do que de pior a humanidade produz quando segue sem reflexão, projetando todo o mal do mundo nos outros e se eximindo da responsabilidade diante de seus atos. Não se trata de loucura, mas do grau de incivilidade a que humanos podem chegar quando se recusam a pensar criticamente e chafurdam no ódio ao outro. Bolsonaro, capitão do mato, é o retorno em ato da nossa história irrefletida e mal contada de racismo e violência.

Nos deixaremos levar, por ação ou omissão, pelo rancor homicida do flautista de Hamelin até quando?

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