Em SP, agentes buscam em casa quem resiste à 2ª dose da vacina contra Covid
Argumentos de quem atrasou incluem cisma, esquecimento e medo de reações adversas
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Preguiça e falta de tempo por excesso de trabalho foram as justificativas do autônomo Ronoel Acácio, 76, para não ter tomado a segunda dose da Coronavac na data correta. Ele recebeu a primeira em 23 de março e deveria ter procurado a AMA/UBS Integrada Jardim Brasil, na zona norte, em 12 de abril para a segunda.
Acácio mora e tem uma pequena oficina de bicicletas a dois minutos da unidade de saúde, que fica aberta para vacinação de segunda a sábado, das 7h às 19h, além de feriados.
Após várias tentativas de conduzi-lo ao posto, na quarta-feira (11) as agentes comunitárias de saúde Karla Farias Atílio, 33, e Letícia Aparecida Nunes da Silva, 26, o convenceram. Na ocasião, a Folha acompanhava o trabalho delas de buscar quem está com a segunda dose atrasada.
“Já foi? Achei que fosse doer. Vamos ver como vou acordar amanhã”, disse Acácio após tomar o imunizante.
Nas unidades ESF (Estratégia Saúde da Família) da capital, a missão de quebrar resistências em relação à vacinação contra a Covid-19 é dos 9.500 agentes comunitários de saúde distribuídos em 1.625 equipes de ESF. Nas demais UBS, o trabalho é feito pelos profissionais de enfermagem.
Os agentes têm um papel importante no conhecimento da realidade das famílias e no desenvolvimento das ações da unidade, principalmente na promoção, prevenção e educação em saúde. A partir das visitas nas casas, eles identificam situações que precisam do atendimento da equipe e também acompanham os pacientes.
“O agente tinha que ser a espinha dorsal da resposta à pandemia, porque ele trabalha e mora na comunidade. É a pessoa que tem a confiança da população que serve. Ele sabe onde estão as pessoas com comorbidades, quem mora em casa onde não há ventilação nem condições de isolar o familiar que se torna um caso suspeito, por exemplo”, diz Marcia Castro, cientista, professora de demografia da Faculdade de Saúde Pública de Harvard e membro do Observatório Covid-19 BR.
Para a pesquisadora, o agente comunitário de saúde é peça fundamental no trabalho de combate à pandemia.
O trabalho de convencimento é árduo, baseado na conquista da confiança. Acácio, por exemplo, havia recusado todas as abordagens anteriores.
Na mesma tarde, as agentes Karla e Letícia procuraram por Erli Aparecida, 63, mas não a encontraram em casa. Hipertensa, ela deveria ter tomado a segunda dose da AstraZeneca em 29 de julho, mas não compareceu. Ela recebeu a primeira em 6 de maio. A filha, Reny Aparecida, 34, disse que a mãe não procurou a AMA/UBS porque sente dores nas pernas. Segundo as agentes, Erli tem condições de ir à unidade, pois não tem problemas de mobilidade.
A reportagem ainda acompanhou a visita a Catarina Ferreira dos Santos, 62. Assim como Erli, ela tomou a primeira dose da AstraZeneca em 6 de maio e deveria ter recebido a segunda no último dia 29.
As agentes de saúde já haviam tentado levá-la ao posto anteriormente, sem sucesso. Na quarta, ela foi surpreendida na rua, em frente à casa onde mora, sem máscara. Desta vez, a idosa alegou sintomas gripais —na data da abordagem estes já haviam desaparecido há três dias, segundo as agentes.
Ela prometeu que procuraria a AMA/UBS para receber a vacina na quinta (12), o que não ocorreu.
O trabalho de busca ativa começou em meados de maio, quando a Secretaria Municipal de Saúde da capital identificou que algumas pessoas não haviam voltado para tomar a segunda dose.
“O VaciVida nos dá os relatórios das vacinas atrasadas. Assim que vence a data da segunda dose, que consta no cartão de vacina, no dia seguinte a pessoa já entra no sistema como faltosa. Semanalmente, essa lista é extraída do sistema e enviada às UBS”, disse Sandra Sabino, secretária-executiva de Atenção Básica, Especialidades e Vigilância em Saúde da pasta.
Com a lista dos faltosos em mãos, a unidade de saúde distribui aos agentes comunitários para que iniciem a busca ativa. Na AMA/UBS Integrada Jardim Brasil, o percentual de faltosos não chega a 5%, segundo o gerente da unidade Ivan Lima Santana.
"O que mais perguntam para nós é sobre a eficácia da vacina. Precisamos explicar a eles que, independentemente da eficácia nós estudamos para que essa vacina viesse. Eles também têm dúvidas se é possível pegar a doença vacinado", relata a agente Karla.
Até esta sexta (13) de manhã, 211.228 pessoas ainda não tinham tomado a segunda dose da vacina contra a Covid-19 na capital. Na maioria dos casos, de acordo com Sabino, a vacina venceu há um ou dois dias e ao longo da semana essas pessoas procurarão as unidades para receberem o imunizante.
“Nos casos em que há resistência precisamos trabalhar. Às vezes, chegamos até a entrar em contato com familiares para pedir ajuda no convencimento. É uma batalha diária”, afirma Sabino.
O primeiro contato para a busca ativa é telefônico. Nele, o paciente é questionado sobre o motivo do atraso. Na conversa, se a equipe perceber que a pessoa ficou doente e está acamada, morava com alguém e agora vive só, e por isso não consegue se deslocar até a UBS, é programada uma visita domiciliar para a vacinação.
Com a circulação da variante delta, a secretaria também distribui máscaras N95 aos pacientes sintomáticos respiratórios e pessoas que moram na mesma casa.
Os argumentos mais utilizados por quem atrasou a vacina incluem cisma, sem motivo aparente, esquecimento e medo de ter reações adversas. "Elas são comuns, passam em 24 horas e não é porque o paciente teve reações na primeira dose que terá na segunda."
"Só vamos conseguir controlar a pandemia quando pelo menos 70% da população estiver imunizada com as duas doses. Pedimos a todos que completem a imunização. É uma proteção individual, da família e da coletividade", afirma Sabino.
Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, reforça que é fundamental tomar as duas doses, exceto no caso da Janssen, que é única. "Isso se torna mais importante ainda com a variante delta em circulação."
De acordo com Cunha, a primeira dose da vacina já leva à produção de anticorpos e oferece uma certa proteção. A segunda é essencial para completar e prolongar essa proteção.
No caso dos três pacientes citados no texto, o atraso não implicará na perda da proteção da primeira dose ou na redução da resposta vacinal. "O principal recado é: tenha a segunda dose, mesmo que aplicada com atraso para se proteger contra as formas graves da doença e também contra a variante delta."
Segundo ele, além do esquecimento e dos eventos adversos na primeira dose, há pessoas que têm uma tendência em acreditar que se tiveram mais reações significa que responderam melhor. "É um mito."
Para o especialista, a desinformação, as fake news e os maus exemplos também impactam negativamente para que aconteçam atrasos por parte da população.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters