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Cinema

Arnaldo Jabor foi quem melhor traduziu Nelson Rodrigues para o cinema

Trajetória do diretor e jornalista teve prêmios em festivais como Cannes e Berlim até momento de desilusão com a indústria

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Impossível desvincular o cinema de Arnaldo Jabor dos textos de Nelson Rodrigues. Segundo Nelson, Jabor foi seu melhor intérprete, e basta ir à versão cinematográfica de "Toda Nudez Será Castigada", de 1973, para entender esse juízo —o excesso, as cafajestices, o melodrama, o pecado, o moralismo suburbano, as gritarias e, por fim, a tragédia conformam uma espécie de incompreensão de um mundo mutante em meio à crença em valores imutáveis.

Morto aos 81 anos nesta terça-feira, nascido e criado no Rio de Janeiro, Jabor tinha o gosto dos paradoxos. Isso era claro desde seu primeiro longa, "Opinião Pública", lançado em 1967. No documentário ao estilo do cinema direto, voltava a câmera para pessoas comuns, que encontrava na rua. Era sua maneira de manifestar a perplexidade em face de um Brasil onde o povo pouco informado formava a tal "opinião pública", que tinha um peso sobre os acontecimentos.

Retrato de Arnaldo Jabor feito pelo fotógrafo Bob Wolfenson - Bob Wolfenson

Era também um reflexo do estilo cinema novo de ver o mundo —uma elite ilustrada deveria iluminar os passos de uma população despossuída, incapaz de julgar as coisas por si mesma.

A estranha trajetória de Jabor —originalmente formado em direito— no cinema brasileiro prosseguiria com o retumbante fracasso de "Pindorama", em 1970. Retumbante em boa medida porque caro. Foi um dos fatores de amargura de Walter Hugo Khouri, então um dos proprietários da Companhia Vera Cruz e responsável pela produção. Jabor não se envergonhava do fracasso. Entendia que, com ele, ajudava a enterrar um modo de produção que considerava morto.

Se o fracasso o levou a ter dificuldades com diversos produtores, "Toda Nudez Será Castigada", foi, em todos os sentidos, um ressurgimento em grande estilo. Valeu a ele os prêmios de melhor direção no Festival de Berlim e melhor filme no Festival de Brasília, além de um sucesso de público que correspondeu bem a essas conquistas. Mais do que isso, punha a nu a distância entre a moralidade conservadora do brasileiro médio e o seu desvio em relação ao que se pode chamar de natureza humana.

Assim como em "Toda Nudez", o choque entre esse modo de ser conservador e as exigências impositivas do sexo norteiam a adaptação do romance "O Casamento", de 1975, outro texto de Nelson Rodrigues. Talvez o fato de recorrer ao mesmo autor tenha determinado a repercussão menor dessa trama envolvendo as sombras sobre o passado de uma noiva e um noivo às vésperas de seu casamento.

A sombra de Nelson começava a se tornar um peso. Jabor recorreu, assim, ao roteirista Leopoldo Serran para a obra seguinte, "Tudo Bem", de 1978, que rendeu a ele novamente o troféu de melhor filme em Brasília. Um filme pelo qual tinha especial apreço. "Todo esse beco sem saída está lá. Não há solução para este país. O Brasil é uma sinuca de bico", disse em entrevista a este jornal em 2006. De todo modo, o destaque ficou mesmo para Fernanda Montenegro que, nessa trama familiar, levou o prêmio de melhor atriz do festival e ainda ganhou o Molière no final do ano.

Jabor comprovava, em todo caso, que era capaz de equilibrar as atuações de um elenco cheio de estrelas com maestria.

Se o tom começara a mudar no filme anterior, em "Eu Te Amo", de 1981, a tendência se acentua. Jabor apara os excessos numa trama que acrescenta aos problemas emocionais dos personagens a questão da falência que atinge um industrial. O filme já pressente aquilo que se chamou de "década perdida" brasileira, ao mesmo tempo em que troca de vez a tragédia pelo drama.

Em "Eu Sei que Vou Te Amar", de 1986, Jabor abandona a parceria com Serran. Ele escreve sozinho o texto desse diálogo entre homem e mulher que, recém-separados, discutem seu relacionamento. Como praticamente todas as discussões desse gênero, essa também não dá em nada. De longe, o principal interesse do filme vinha da interpretação da jovem Fernanda Torres, que se consagrou ao ganhar o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes de 1986, com só 20 anos de idade.

Com o cinema brasileiro já afetado pela crise que culminaria com o fechamento da Embrafilme, Jabor se dedicaria depois desse filme ao jornalismo. Se no papel desenvolveu um estilo ferino, próximo ao de seu mestre Nelson Rodrigues, na TV se tornou popular como cronista não raro sarcástico dos hábitos políticos brasileiros.

Dessa fase o cinema esteve ausente, a não ser pelo curta "Carnaval", de 1990. Retornaria ao longa só em 2010, com "A Suprema Felicidade". Essa espécie de revisão crepuscular de uma vida acabou recebida não como um retorno, nem como a desejada afirmação da influência de Fellini sobre seu cinema, mas como um fim. Jabor parece ter aceito o juízo —não se considerava mesmo um homem da era digital.

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